"O papel da Câmara neste momento é criar novas centralidades para podermos tirar a pressão sobre a Cidade Velha" - Nelson Moreira, CMRGS

PorAntónio Monteiro,5 fev 2022 7:53

Ribeira Grande de Santiago, um concelho essencialmente agrícola, alberga o Sítio Histórico Cidade Velha, com o estatuto de património mundial da humanidade. Com a pandemia da covid-19 os turistas deixaram de vir, enquanto o concelho atravessa quatro anos de seca consecutivos. Por isso o edil está convicto de que os novos projectos apresentados pelo ministério da Cultura para a Cidade Velha e o projecto das bacias hidrográfica na localidade de São João Baptista que deve arrancar ainda este ano tragam nova dinâmica na economia local.

Em entrevista ao Expresso das Ilhas por ocasião do Dia do Município que se assinalou esta segunda-feira, Nelson Moreira fala ainda dos projectos em curso e dos grandes desafios para o município: o défice habitacional; o desemprego jovem e a questão do saneamento.

Mais uma festa do município sob o signo de restrições.

Exactamente, tendo em conta a situação pandémica, para contribuir para a redução ou eliminação dos casos de covid-19, o programa deste ano restringiu-se essencialmente às actividades religiosas, ao acto solene, ao encontro com emigrantes e também à apresentação do Plano Urbanístico de Calabaceira da Cidade Velha e à entrega de lotes a jovens na localidade de São Martinho Grande.

Cidade Velha é Património Mundial da Humanidade há quase 13 anos. Para capitalizar, ainda mais, o valor deste sitio histórico o ministro da Cultura apresentou no mês de Janeiro três projectos avaliados em 17 mil contos. Quais são esses projectos e que impacto vão ter na actividade económica do município?

Bom, qualquer projecto que entra na Cidade Velha é sempre bem-vindo e contribuirá de certa forma para a dinamização da actividade económica, pois qualquer requalificação, sendo um sítio histórico muito procurado pelos turistas, permitirá aos residentes desenvolverem também os seus negócios, nomeadamente a nível do artesanato, a nível da restauração, entre outros. Por isso vemos com bons olhos os investimentos previstos para a Cidade Velha.

Podia referir-se aos três projectos concretamente?

Têm a ver com a reabilitação do Forte São Veríssimo, a musealização das ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e com o programa de empreendedorismo em sítios do património da humanidade.

Em relação à resistência manifestada por alguns dos moradores na cedência de espaços para a implantação das obras projectadas, qual tem sido o papel da Câmara Municipal.

Como sabemos do défice habitacional da Cidade Velha, tendo em conta a inexistência de terrenos para a construção na horizontal e as restrições para a construção na vertical, o papel da Câmara neste momento é criar novas centralidades para podermos tirar a pressão sobre a Cidade Velha. Por isso que na Semana do Município fizemos a apresentação do Plano Urbanístico da Calabaceira que é uma zona aqui perto da Cidade Velha e fizemos a entrega de alguns lotes de terreno em São Martinho Grande justamente para tentarmos criar algumas descentralidades para evitar a pressão sobre a Cidade Velha.

Nota-se ainda algumas construções dentro do centro histórico.

A Câmara e o IPC têm trabalhado conjuntamente e reunimo-nos semanalmente para fazer o ponto da situação dos projectos em curso e fazemos a fiscalização para evitar também a construção desregrada dentro do centro histórico.

O PR falou dos “Custo de Patrimonialidade”, defendendo uma discriminação a favor deste Município, de forma a conseguir mitigar os efeitos das restrições e criar novas oportunidades de crescimento económico. Qual a sua opinião?

Tendo em conta as restrições de construção na vertical e a inexistência de terrenos para a construção na horizontal, então a Câmara e propriamente a população têm custos acrescidos. Por exemplo, neste caso a Câmara tem que infraestruturar uma outra zona, porque aqui na Cidade Velha não se pode construir na vertical. Um exemplo, na Rua Banana as casas são de palha e o custo da manutenção dessas casas é enorme. Para convencer as famílias da necessidade de preservar essas coberturas, a Câmara ou o IPC têm de fazer a substituição das coberturas a cada dois e meio ou três anos. Então, temos que ter algum incentivo para continuarmos a fazer este tipo de intervenção, ou deslocar as infraestruturações para outras zonas para podermos tirar esse sufoco das famílias, porque as casas são de dimensões reduzidas, mas temos várias gerações vivendo dentro da mesma casa.

A questão é se é a favor de uma descriminação a favor do município que alberga o sítio histórico da Cidade Velha?

Sim, essa discriminação irá permitar…por exemplo, a nível do IUP [Imposto Único sobre o Património] quando se constrói um edifício ele tem normalmente vários pisos. Então, o IUP em si é maior, enquanto que dentro da Cidade Velha o IUP é residual tendo em conta que a dimensão dos edifícios é reduzida. Por isso, defendo também uma discriminação positiva justamente para compensar as perdas na arrecadação de impostos.

O sítio histórico está apetrechado de equipamentos sociais e culturais que respondam adequadamente à demanda actual?

Neste momento consideramos que as infraestruturas locais não correspondem às actuais e futuras exigências da Cidade Velha. Basta ver que ontem [dia 31] a sessão solene foi realizada num hotel, porque os Paços do Concelho do edifício da Câmara não têm a dignidade suficiente para receber um acto como a sessão solene. Temos também o Centro de Saúde que já não responde às exigências actuais e futuras. Também o Centro Cultural da Cidade Velha é uma infraestrutura pequena para a demanda. Portanto, temos várias infraestruturas que já não respondem às necessidades do município.

Quais as perspectivas?

A nível dos Paços do Concelho vamos trabalhar com os nossos parceiros, nomeadamente o governo e outras entidades no sentido de construirmos um Paços do Concelho de raiz; a nível do Centro de Saúde já abordamos a questão com o ministro da Saúde, o qual mostrou toda a abertura e disponibilidade para trabalharmos em parceria a fim de construirmos esse Centro.

Tem referido que o défice habitacional no seu município é um dos principais desafios a resolver? Como está a situação neste momento?

Neste momento estamos a trabalhar os planos detalhados das zonas de Calabaceira e de Salineiro no sentido de colmatar o défice habitacional na Cidade Velha. Claro que não é uma situação fácil, porque muitas pessoas da zona da Cidade Velha são pescadores e preferem residir dentro da cidade. Devido a essas restrições e défices a nível de terrenos para construção dentro do sítio histórico, com uma discriminação positiva, a Câmara terá melhores condições para empoderar as famílias, no sentido de terem outros tipos de rendimento, permitindo desta forma a deslocação, no caso da pesca, aqui na Cidade Velha.

No âmbito das festividades do Dia do Município foi inaugurado o espaço de Fisioterapia da Cidade Velha, quando Ribeira Grande é o único município que ainda não tem um Centro de Saúde construído de raiz. Por que esta inversão de prioridades?

Não se trata da construção de um Centro de Fisioterapia, mas de uma sala de fisioterapia. Ou seja, dentro do Polidesportivo da Cidade Velha adaptamos uma sala para fisioterapia. Aliás, é uma necessidade já identificada há muito tempo pelo Centro de Saúde da Ribeira Grande, mas devido à inexistência desse espaço, o Centro de Saúde doou alguns equipamentos ao espaço de fisioterapia no sentido de preparar e fazer a instalação dessa sala. É que na Câmara recebemos vários pedidos de pessoas para fazerem fisioterapia na Praia. Como o município é constituído por várias localidades dispersas, então se o espaço ficar mais próximo dessas localidades que não da Praia, isso não só a nível de custos iria facilitar e de que maneira o utente e os munícipes.

Voltando ao Plano Urbanístico de Calabaceira de Cidade Velha. Qual é o seu enquadramento e quando arranca?

O Plano já está socializado, já foi socializado com a população e vamos dar inicio à entrega de lotes para avançarem com a construção.

Além do défice habitacional, o desemprego jovem é outro dos grandes problemas do município. Como está a situação neste momento?

O nível de pobreza é um dos grandes desafios do município que é um problema estrutural, tendo em conta a falta de oportunidades para os jovens. A solução passa pelo empoderamento dos jovens através de investimentos na pesca, na agricultura e outros. Um dos projectos que poderá colmatar esta situação tem a ver com o projecto das bacias hidrográficas na localidade de São João Baptista que poderá reduzir drasticamente o desemprego e irá aumentar o rendimento das famílias.

O ano agrícola no concelho da Ribeira Grande não foi bom. Que medidas estão em curso para fazer face à situação?

Na verdade, tivemos um mau ano agrícola. Neste sentido assinamos com o Ministério da Agricultura um contrato de mitigação, mas aguardamos ainda o desembolso para podermos iniciar algumas obras no sentido de darmos a possibilidade de terem algum rendimento.

Afirmou há pouco tempo que Ribeira grande precisa de uma agricultura mais moderna para que com menos água se possa fazer mais. Como assim?

Tendo em conta os quatro anos de seca que atravessamos, constamos que há cada vez menos água. Então há a necessidade de mudarmos a filosofia da prática da agricultura. É que, aqui na Cidade Velha, verificamos que ainda há muita rega por alagamento. Daí que se invertermos a situação para a rega gota-a-gota e outros tipos de mobilização de água acreditamos que podemos fazer mais agricultura com menos água.

Ribeira Grande é conhecida pela sua produção de aguardente. Imagens da televisão mostraram a destruição de produtos locais confeccionados com péssima qualidade. Como está a situação actualmente?

De facto, temos trabalhado no sentido de sensibilização dos produtores de aguardente, pois a qualidade está associada à saúde e bem-estar das pessoas. Hoje os nossos produtores estão cientes disso e neste momento são raros os casos de pessoas que estão a infringir a lei.

O número de produtores de aguardente diminui certamente com o aperto da fiscalização.

Sim, com as novas exigências houve alguns produtores que não conseguiram cumprir com as normas que foram exigidas, mesmo a nível de investimentos que é preciso fazer na parte da produção e por isso há agora menos produtores, mas isso também contribui para a melhoria da qualidade de vida dos consumidores.

Qual tem sido o seu relacionamento com o governo, já que a sua câmara é da cor partidária diferente da do executivo?

O relacionamento institucional tem sido bom. Neste âmbito não temos motivos de queixa. Também sabemos que estamos a passar por uma situação ainda de recuperação, tendo em conta que a pandemia arrasou um dos sectores mais produtivos da indústria do país que é o turismo. Daí que a situação a nível da tesouraria do governo não seja das melhores, por isso entendemos que ainda não há um sinal forte tendo em conta esta situação. Mas o relacionamento institucional tem sido bom.

Perspectivas futuras?

Estamos a trabalhar na melhoria contínua dos processos para que nos próximos tempos possamos ter um município de referência, com mais rendimento e oportunidades para todos. Temos que investir fortemente na agricultura e na pesca e em outros sectores produtivos, temos que reforçar o programa de requalificação urbana, investir fortemente no capital humano e na coesão social.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1053 de 2 de Fevereiro de 2022. 

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Autoria:António Monteiro,5 fev 2022 7:53

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  5 fev 2022 18:13

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