O programa do governo fala em dar nova centralidade à Diáspora. Que passos já foram dados nesse sentido?
O Governo, no programa desta legislatura, considera a Diáspora como um dos principais activos estratégicos de Cabo Verde e decidiu dar centralidade às comunidades cabo-verdianas na sua dimensão económica, cultural e também na sua dimensão social. Isto quer dizer que é necessário edificar não só um sistema de governança direccionado para as comunidades visando a sua integração no todo nacional, vendo a diáspora cabo-verdiana não só como os cabo-verdianos de nacionalidade cabo-verdiana, mas todos aqueles que descendem também de cabo-verdianos, ou seja, temos que contar com todos, estejam onde estiverem, das primeiras, segundas, terceiras e quartas gerações. E é a essa dimensão da nossa comunidade que se quer dar centralidade mediante a concepção de uma nova política direccionada para nossas comunidades. Ou seja, como fazer para eliminar o distanciamento que existe entre o residente e o não residente e construir aqui essa nossa grande comunidade cabo-verdiana. Isso é que é o principal desafio do governo, ou seja, como garantir/fazer a conectividade funcional de Cabo Verde com as suas comunidades e das suas comunidades com Cabo Verde.
Quais são os instrumentos do governo para alcançar esta conectividade funcional de Cabo Verde com as suas comunidades?
Em primeiro lugar é a criação da governança, adequar toda a legislação nacional atinente às comunidades cabo-verdianas no sentido da sua melhor integração em Cabo Verde e nos países de acolhimento. Fazer com que haja um quadro institucional ou um ecossistema de benefícios fiscais e de facilidades direccionados para a diáspora para permitir essa integração. Por outro lado, desenvolver o que nós chamamos de diplomacia para as comunidades que constitui uma segunda linha de intervenção a nível das nossas embaixadas, mas também dos nossos consulados gerais e honorários para definir uma verdadeira diplomacia virada para as comunidades. Logo, ter as comunidades no centro das relações entre Cabo Verde e os países de acolhimento, em particular, e entre Cabo Verde e as organizações internacionais como a União Europeia, as Nações Unidas, a União Africana, a CEDEAO, entre outras organizações. Em vista disso, é preciso criar essa conectividade funcional.
As remessas enviadas pelos emigrantes aumentaram 22, % em 2021, para um recorde superior a 25.8 milhões de contos. A que se deve este recorde?
Este aumento sustentável e crescente das remessas financeiras da nossa diáspora em depósitos a prazo, mas também o aumento do investimento em quase 4.2 milhões de contos ano e ainda a participação da nossa diáspora nas contas familiares em quase 7% de acordo com os dados do Banco Central e do INE, esses aumentos demonstram algo fundamental: que há confiança no país e confiança nas suas instituições, principalmente no sistema financeiro nacional. Digo isto porque, se de 2020 para 2021 houve um aumento das remessas em 22%, passando de 21,142 milhões de contos para 25.833 milhões de contos cabo-verdianos, verifica-se que, efectivamente, se trata de um aumento significativo. Veja: este valor é superior ao total do investimento externo em Cabo Verde. Assim como também é superior ao global da ajuda pública ao desenvolvimento de Cabo Verde. Devo realçar que essa participação representa quase 13% do PIB de Cabo Verde. Se o somarmos aos investimentos e à participação social, a contribuição/participação da nossa diáspora atinge entre 18 e 20% do PIB de Cabo Verde. Esta é que é a real dimensão das comunidades e este aumento que se tem verificado nos últimos 5 anos é, pois, prova da confiança no país, nas suas instituições. Mais, o salto registado de 2020 para 2021, cuja tendência se mantém em relação a este ano 2022, é prova de que as nossas comunidades aprovam a nova política pública da atracção do investimento das comunidade cabo-verdianas para Cabo Verde.
Qual é a quota-parte da pandemia da covid neste recorde de envio de remessas justamente nos anos 2020 e 2021?
A pandemia despoletou uma onda de solidariedade nacional, com forte intervenção na diáspora cabo-verdiana E isto teve uma relação directa com as remessas sociais, principalmente com as encomendas enviadas para Cabo Verde. As encomendas sociais triplicaram de 2019 para esta parte. Mas este facto também está associado às políticas públicas aprovadas pelo governo que isentam o pagamento dos custos alfandegários aos cabo-verdianos residentes no exterior que queiram enviar até quatro encomendas para Cabo Verde, desde que cada encomenda não ultrapasse os 150 quilos. Ou seja, isto tudo também é o resultado das políticas públicas definidas, mas também pelo sentido da solidariedade nesta fase pós-covid. Desde logo, houve um reforço da solidariedade dos cabo-verdianos residentes fora do país para com os seus familiares e os residentes. Isto não aconteceu apenas a nível individual, mas também a nível das associações e organizações não governamentais.
Qual o quadro real de incentivos fiscais e benefícios para o investimento da Diáspora?
O governo de Cabo Verde aprovou, recentemente, um conjunto de isenções fiscais e facilidades aduaneiras para o investidor da diáspora. E isto está consubstanciado na Lei que institui o Estatuto do Investidor Emigrante. De notar que para além do Estatuto, existem outros benefícios e isenções que constam do Código dos Benefícios Fiscais, do Orçamento do Estado 2022 e em outros dispositivos legais em vigor. Os detentores do Estatuto de Investidor Emigrante beneficiam de um conjunto de direitos aduaneiros e isenções fiscais, tais como: taxa de 5% de direitos aduaneiros na importação de materiais, bens e equipamentos mencionados; isenção de direitos aduaneiros na importação de matérias-primas destinadas à incorporação em produtos fabricados pela empresa; crédito fiscal de 30% de investimentos relevantes efectivamente realizados, a deduzir ao montante da coleta do imposto sobre o rendimento; isenção de imposto de selo nas operações de contratação de financiamento para a realização de tal investimento; isenção do imposto sobre o património (IUP) na aquisição de imóveis que se destinem exclusivamente à instalação do projecto de investimento. Sempre que projecto de investimento levado a cabo por Investidor Emigrante for implantado em território municipal cujo PIB per capita é inferior à média nacional, o projecto goza de um crédito fiscal de 40% dos investimentos relevantes efetivamente realizados. Outra modalidade de benefícios fiscais e aduaneiros acontecem com a assinatura de Convenções de Estabelecimento entre o empresário da diáspora e o governo de Cabo Verde que implica também reduções fiscais até 50% sobre os rendimentos da própria empresa. Existem ainda benefícios especiais e isenções aduaneiras para a diáspora cabo-verdiana que decide, investir na sua primeira residência aqui em Cabo Verde. Para aqueles que queiram fazer o retorno definitivo a Cabo Verde têm também benefícios aduaneiros e fiscais e podem inclusivamente importar viaturas com isenção total de impostos. Reafirmo que o governo de Cabo Verde vem criando um amplo conjunto de benefícios aduaneiros e isenções fiscais para a atracção do investimento da diáspora cabo-verdiana, permitindo a sua melhor integração nacional e acrescentar valor no esforço de desenvolvimento do país.
Podia explicar o que é o chamado remessas do saber das nossas comunidades?
Sim, os benefícios de que falei visam também a captação da excelência das nossas comunidades, o que designo de remessas do saber. Por exemplo, estão, neste momento, no país, uma equipa médica de origem cabo-verdiana, vinda dos Estados Unidos para troca de experiências no sector da saúde; há, ainda, os professores que utilizam o e-learning, os médicos que utilizam a telemedicina, entre outras classes profissionais que vão chegando ao país com esses investimentos, beneficiando as suas próprias empresas, mas também o país, no geral. Refiro-me a um fenómeno muito interessante que se passa neste momento, nas nossas comunidades, mormente junto das gerações mais jovens, das segundas e terceiras gerações, que se associam em organizações e associações com vista ao desenvolvimento de relações culturais, à troca de experiências profissionais, à transferência de conhecimento, numa perspectiva mutuamente vantajosa para as partes envolvidas, no exterior e em Cabo Verde. Posso até dizer, neste particular, que me cruzei com jovens advogados de origem cabo-verdiana, residentes no exterior, desejosos por estabelecer parcerias com advogados cabo-verdianos, de entre outros profissionais de diversas áreas do saber que, nos meus contactos com as nossas comunidades, manifestam a firme vontade de trabalhar para e, se possível, no país. Isto constitui deveras um activo extraordinário ao qual Cabo Verde deve estar atento porque responde a um dos desígnios que é o de promover a participação activa da nossa diáspora no processo de desenvolvimento do país. Costumo dizer que Cabo Verde precisa de todos os cabo-verdianos para crescer e se modernizar, os que estão no país e os que estão fora dele.
O que o Governo tem feito para diminuir as burocracias sobretudo a nível do desalfandegamento das encomendas?
Neste sentido, o governo tem feito todo um investimento na digitalização do sistema. Primeiro, prevê-se, para breve, a inauguração do novo modelo de desalfandegamento, a nível nacional, e que é o modelo ponta a ponta em que o cabo-verdiano da diáspora é naturalmente retirado do sistema. As encomendas passam a ser enviadas da origem para o destino sem a participação de quem as envia. É um sistema de correio que elimina a burocracia de se deslocar ao cais, às alfândegas e que facilita a vida dos utentes, porque passa a ser um sistema totalmente digitalizado. Segundo, o governo de Cabo Verde está a trabalhar fortemente num sistema de comunicação e transportes com o relançamento da TACV. O início das operações da TACV implica, também, essa ligação funcional com a nossa diáspora. Trata-se, pois, de uma grande reivindicação, a de se pôr a TACV a funcionar para a ligação de Cabo Verde com a sua imensa diáspora. Finalmente, a desburocratização passa pela digitalização dos serviços. Quer dizer, um cidadão cabo-verdiano da nossa diáspora não tem necessidade de estar presencialmente nas filas, nos contactos com as instituições que, por vezes, causam morosidades aos processos, obrigando a que parte das férias dos nossos concidadãos seja perdida em processos burocráticos. Digitalização, eu acho que é nela que reside a chave da desburocratização e da facilitação dos procedimentos na relação que se quer ter entre as nossas comunidades e a administração pública cabo-verdiana: eficiente, rápida, justa e moderna.
O novo regime de desalfandegamento de pequenas encomendas tem suscitado mal-entendidos entre os utentes. O que tem falhado neste aspecto?
A meu ver, a burocracia e a comunicação são os elementos que poderão estar a falhar. Por isso é que se está, neste momento, a investir no novo modelo de desalfandegamento, com recurso aos transitários na origem e no destino da encomenda, o chamado modelo ponta a ponta, que é um sistema moderno, digitalizado nos pagamentos e similar ao que acontece em outras paragens do mundo. O novo modelo já está a ser testado nas Alfândegas da Praia e de São Vicente, incluirá a montagem de um sistema sofisticado de “scanner” em todos os portos nacionais , garantindo a fiscalização dos conteúdos das encomendas e contentores. Acredito que essa é a via para a solução de todos os problemas de desembaraço de encomendas na Alfandega e Portos Nacionais.
Há aqui também a questão do desalfandegamento de doações solidárias que usufruem de isenção fiscal, mas que estão sujeitas ao pagamento de taxas, o que nem sempre essas ONGs estão disponíveis a pagar.
A situação é a seguinte: todas as encomendas enviadas pelas associações das nossas comunidades para fins sociais têm isenção total de taxas a nível das alfândegas, mas para isso as referidas encomendas devem ser recebidas por uma instituição nacional (câmara municipal, associação congénere ou ONG afim, em Cabo Verde) que goze do estatuto de utilidade pública. Neste momento, estamos a envidar esforços para que seja promovida uma alteração legislativa e, mediante o resultado dos estudos em curso, sendo possível esse recurso, as associações de cabo-verdianos estabelecidas nos países de acolhimento poderão ser inscritas na moldura legal cabo-verdiana e passar a usufruir do estatuto de utilidade pública, beneficiando, dessa forma, de isenção de taxas de desalfandegamento. Este, portanto, é um assunto que pode ser resolvido, a breve trecho. Entretanto, a maior parte dos casos que são reportados, não apenas ao ministério das Comunidades, mas também ao ministério das Finanças, consegue as tais isenções, porque são encomendas enviadas para fins de solidariedade, principalmente nesta fase da pandemia da covid-19. Na verdade, lidamos diariamente com associações que trazem contentores com donativos para o país, mas que enfrentam dificuldades no processo de desalfandegamento. Não cessamos de as ajudar na agilização desse processo. Registe-se, no entanto que, por morna, para estarem isentas de taxas, as associações têm de encontrar uma entidade nacional congénere como parceria no processo. A minha convicção é que, havendo a alteração legislativa a que me referi acima, o problema ficará definitivamente resolvido.
A falta de serviços consulares no Reino Unido dificulta a vida dos cabo-verdianos ali residentes. Para quando uma representação consular?
De facto, não existe neste momento nenhuma representação consular cabo-verdiana no Reino Unido. Neste momento, o governo está a estudar essa possibilidade e já há uma decisão política no sentido de se prever a designação de um Encarregado de Negócios de Cabo Verde no Reino Unido e, futuramente, a acreditação de uma Embaixada. Esta decisão está em fase de avaliação pelo governo, mas penso que, a curto prazo, poder-se-á contar com a figura do Encarregado de Negócios. Isto por duas razões. Por um lado, prende-se com o crescimento da nossa comunidade no Reino Unido. Neste momento, temos mais de 12 mil cabo-verdianos e descendentes a viver no Reino Unido, o que já constitui uma comunidade expressiva. Por outro lado, há que considerar o nível significativo de investimentos feitos em Cabo Verde, seja por empresários das nossas comunidades, seja por empresários britânicos. Note-se que os britânicos estão entre os maiores investidores externos em Cabo Verde, assim também como o Reino Unido se afigura como o maior mercado de emissão de turistas para Cabo Verde. Portanto, as relações económicas, comerciais, turísticas e de negócios, em conjunto com a presença da nossa comunidade no Reino Unido, determinam a necessidade de termos, de facto, uma representação diplomática no Reino Unido. Constitui, pois, uma reivindicação justa e uma das prioridades do governo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1062 de 6 de Abril de 2022.