Quem são os protagonistas do projecto para a Instituição do Dia Nacional de Talaia Baxu?
Em primeiro lugar, gostaria de expressar a minha grande satisfação por ver consagrado um Dia Nacional de Talaia Baxu. O mérito é inquestionável e em boa hora os parlamentares tomaram esta decisão que a mim particularmente me toca fundo, quer enquanto foguense quer como alguém que tem estado ligado às canções e sobretudo muito próximo deste género musical, testemunhar a consagração de um dia para Talaia Baxu. Tanto quanto sei, esta iniciativa em concreto pertence ao grupo parlamentar do MpD e constou-me ter tido um envolvimento maior do deputado pelo círculo do Fogo, Filipe Santos. Quero, portanto, felicitar o deputado Santos pela iniciativa.De todo o modo importa aqui e agora, menos a paternidade do diploma, até porque presumo consensual uma medida do género. Há já muitos anos que se vem falando de uma iniciativa do género, o de haver um Dia Nacional de Talaia Baxu e posteriormente a candidatura do género musical a Património Imaterial Nacional.A importância e a transcendência desta medida reclamavam uma nota explicativa mais robusta, mais consistente e com um outro rigor histórico.Quando leio a fundamentação expressa na nota explicativa que acompanha o diploma, verifico que as ideias precisavam de uma outra consistência e de um outro rigor. Há uma historicidade que acompanha a evolução deste género musical e há uma semântica que precisava de um outro olhar. A nota explicativa é genérica e creio pouco cuidada.
Portanto, o projecto de lei em si não está bem estruturado.
Estes diplomas que instituem datas, não oferecem espaços para muita polémica ou graus de dificuldade. São diplomas, digamos, simplificados. Daí a relevância da nota explicativa enquanto elemento que expõe as motivações e razões que consubstanciam as propostas, sobre as quais pretende o Parlamento decidir. Considero que não havia necessidade deste afã de se resolver isto a toque de caixa. Bem que se podia criar e aprovar uma equipa de trabalho composta por deputados e não deputados, elaborar uns termos de referência e escrever o texto mais substantivo. Sendo consensual, poder-se-ia trabalhar de uma outra forma e creio que se podia alcançar um resultado diferente. Aliás, a importância e a transcendência desta medida reclamariam uma nota explicativa mais robusta, mais consistente e com um outro rigor histórico.Há uma história, uma semântica e uma expressividade inerente ao género Talaia Baxu que exigiria uma outra abordagem. A nota explicativa apresentada é genérica. Muito genérica.
Qual foi o percurso da Talaia Baxu até chegar à internacionalização?
Parece-me ser esta a dimensão mais sacrificada na nota explicativa. Este é porventura o maior pecado da nota explicativa que me chegou às mãos. Não se pretende pôr em causa o mérito de todos e de cada um, naturalmente. Mas, ao generalizar e de forma tão indiferenciada a prestação de todos, a nota explicativa peca por não reconhecer o relevante contributo de alguns para a internacionalização deste género musical. Todos foram importantes e todos fizeram a sua parte. Mas havia que diferenciar aqueles que não só fizeram mais, como consagraram Talaia Baxu nas ilhas e na diáspora. Se hoje Talaia Baxu não é considerada apenas música do Fogo, mas uma música nacional e internacional, foi porque alguém fez este transporte. E este transporte, numa hora destas, em que o parlamento decide instituir um dia para este género musical, devia ser diferenciado. Naturalmente que vários grupos musicais e personalidades foram citadas na nota explicativa, mas este exercício ficaria sempre incompleto se não atendesse o relevante contributo de um antigo funcionário da casa SERBAM, que há cerca de 54 anos atrás “desembarcou” na Praia da Gamboa desta cidade com, como ele próprio costuma afirmar, com “um Vilis” na mão e a canção, até à data foguense, na alma. Falo naturalmente do hoje empresário, Braz Andrade.A Cidade da Praia e Cabo Verde passaram a conhecer “Talaia Baxu” antes conhecido no Fogo também por “Trabessado” (outra grande confusão de conceito da nota explicativa) pela boca deste antigo funcionário da casa SERBAM.Portanto temos de diferenciar os que não só fizeram mais, como consagraram Talaia Baxu nas ilhas e na diáspora. Se hoje Talaia Baxu não é considerada apenas música do Fogo, mas uma música nacional e internacional, foi porque alguém fez este transporte. E o transporte deste género para fora da Ilha, numa hora destas e com esta iniciativa do Parlamento, devia ser diferenciado. E deve dizer-se, o mérito de se ter Talaia Baxu no Parlamento hoje para se decidir sobre um dia, deve-se a muitos, mas sobretudo àqueles que assumiram o desafio de lançar a música para fora da ilha do Fogo. Esta decisão deve igualmente reconhecer e homenagear estas personalidades.
Diz-se que Os Apolos foi o primeiro grupo a internacionalizar Talaia Baxu. Confirma?
Creio ser da maior justiça enaltecer o contributo do agrupamento musical “Os Apolos” particularmente o seu vocalista Secré pelo enorme contributo à internacionalização da música, ao incluírem no seu disco a faixa “Trabessado”. Aliás, Trabessado, contrariamente ao que se escreveu na nota explicativa, era o primeiro nome do género musical que mais tarde recebeu o nome de Talaia Baxu. Importa aqui também realçar que o primeiro contacto do cantor Secré com o género musical dá-se através do Braz que, nos finais dos anos 60, já cantava “Talaia Baxo pelos bares da capital e também na Rádio Clube. No início dos anos 70, Braz cantou o célebre “uai uai” com o grupo “Os Tubarões”. Aliás, uma outra nota interessante é que Talaia Baxu por aquelas alturas era chamada de “uai uai do Braz”. Uma outra curiosidade ainda era ouvir os da geração do Braz chamaram-no “Bujon”, palavra que era muito usada nas cantorias, “Ó diabo, ó bujon, pon divisa, pon coroa”. Em abono da verdade histórica, foi o Braz quem fez a ponte e espalhou a semente da Talaia Baxo para o mundo. E se quisermos recuar ainda mais no tempo, terá sido o mesmo Braz de Andrade quem havia levado o género musical dos Mosteiros para São Filipe. Naturalmente que as fontes iniciais, as raízes da maturação do género musical estarão no violino de Henrique Fidjinha e nas cantorias de Bina. Esta última cheguei a conhecer pessoalmente. Creio que é justo reconhecer a importância da gravação da faixa “Trabessado” pel’Os Apolos sendo absolutamente errado atribuir a este grupo qualquer pioneirismo em relação a este género musical.
Que outros grupos e músicos contribuíram para divulgar e dignificar Talaia Baxu?
De repente Talaia Baxu entrou no gosto dos intérpretes cabo-verdianos. O género conquistou por mérito próprio os palcos cabo-verdianos e mundiais e os compositores também têm dado uma enorme contribuição neste percurso.Neste particular também a nota explicativa podia ter uma outra consistência. A profusão de nomes constantes da referida nota, baralha quase tudo não se sabendo ao certo quem faz o quê e muito menos as particularidades das contribuições mais relevantes. Com isto não quero deixar de reconhecer o esforço que se fez, mas considero que se podia evitar erros no plano histórico, cronológico e de conceitos mal definidos.Dou apenas um exemplo: Karcutiçan e Rafodjo são referenciados como géneros musicais que subsidiam Talaia Baxu. Mas não se pode pôr as coisas desta forma, não se devia misturar as coisas assim. Aqueles não são géneros musicais. O que se podia ter dito era que, quer Rafodjo, Karcutiçan e Talaia Baxu só estão juntos, enquanto co-cancioneiros geral do Fogo. Fazem todos parte enquanto cancioneiros geral do Fogo, assim como alguns ritmos do Canizade também têm essa característica. Todos enquanto cancioneiros geral do Fogo têm semelhanças e particularidades e se estamos a promover o Dia da Talaia Baxu temos de realçar sobretudo a sua particularidade como género singular, mas que dialoga com todo o cancioneiro do Fogo. Talaia Baxu envolve naturalmente vários nomes e vários instrumentos. Podemos sim recordar as pessoas e seus méritos, mas de forma estruturada e não aos molhos e sem qualquer critério. A riqueza de Talaia é também ter muitos instrumentos. Compositores, intérpretes, internacionalização, instrumentos, tudo isto devia estar melhor organizado na nota explicativa para se poder ver os feitos das varias personalidades em épocas distintas.O que tem de ser mesmo realçado é que Talaia Baxu é um género musical da ilha do Fogo que pela ressonância que teve em Cabo Verde e no mundo, tem a dignidade de ter o seu dia – Dia Nacional de Talaia Baxu. E essa dignidade provém não só da sua ressonância, mas também de ilustres compositores, ilustres intérpretes, etc. Manda a verdade histórica contar que vários géneros do cancioneiro do Fogo foram saindo da ilha ganhando o país e a nação graças ao mérito de várias personalidades. Ao olharmos para a internacionalização não se pode ignorar o trabalho dos Mendes Brothers, principalmente o labor do Ramiro Mendes. Agora o que me reconforta hoje é a intensidade das gravações deste género musical por grupos e intérpretes de todas ilhas. Talaia Baxu já não corre nenhum risco de descer de divisão. Pelo contrário. A minha análise é a de que Talaia Baxu continuará a crescer e a inspirar os músicos nacionais. Já faz parte do repertório obrigatório dos encontros, dos palcos, dos bailes em todas as ilhas de Cabo Verde.
Qual o contributo do CD Passadinha, lançado em 2013, para a divulgação do Talaia Baxu, do qual é um dos compositores-intérpretes?
Não querendo ser juiz em causa própria, considero que o disco que fizemos, inscreve-se neste percurso que é o de conferir maior visibilidade ao género musical Talaia Baxu. Os críticos disseram ter sido um álbum bem conseguido e terá sido dos mais procurados durante muito tempo. Procuramos no disco recuar no tempo e buscar expressões genuinamente foguenses para as composições e o retrato do quotidiano. Expressões que já estavam em desuso como “n’po gô” e outos mais. Passadinha conta histórias das nossas vidas, algumas já esquecidas e creio ter sido este particular que chamou a atenção das pessoas pelo disco. Costumamos dizer que foi uma carolice que bateu certo.Importa doravante dar substância ao dia que se cria. Em que consistirá? Que eventos devam ser sinalizados? Que percurso deve ser feito para que se venha aprovar um dia Talaia Baxu como património imaterial nacional? A quem incumbirá estes passos subsequentes? Os promotores sabem que o que contará mesmo não é este primeiro passo, mas os muitos passos que se seguirão para que o Dia Nacional de Talaia Baxu tenha conteúdo e ganhe forma.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1065 de 27 de Abril de 2022.