“Acredito que resolvendo o problema dos transportes é possível arrancar em grande com o turismo”

PorAntónio Monteiro,7 ago 2022 8:52

Transportes, ligação marítima e ligação aérea são as palavras mais recorrentes nesta entrevista com o edil tarrafalense por ocasião do Dia do Município que se celebrou esta terça-feira, 2 de Agosto. Apesar de a ilha estar situada no coração do arquipélago, nas palavras de José Freitas a deficiente ligação com as outras ilhas continua a ser ainda um grande entrave para o desenvolvimento de São Nicolau cujo potencial turístico é sempre referenciado, embora ainda sem grandes resultados. A redução da captura do atum que é a matéria-prima da fábrica SUCLA, as medidas do governo e da câmara municipal para minimizar os efeitos da pandemia da Covid, da seca prolongada e da escalada de preços provocada pela guerra na Ucrânia são outros temas abordados nesta entrevista.

O senhor tinha manifestado há três anos a esperança que com o contrato de concessão dos transportes marítimos viriam melhores dias para o seu município. A concessão à CV Interilhas melhorou alguma coisa?

De facto, S. Nicolau e consequentemente Tarrafal ficam no meio de Cabo Verde. Temos todas as condições para termos uma boa ligação marítima e aérea, mas temos ainda algumas condicionantes neste momento. Mas eu posso garantir que melhorou sim a ligação de S. Nicolau com as demais ilhas de Cabo Verde. Estou à frente da Câmara Municipal desde 2012 e posso afirmar que as ligações melhoram bastante a partir de 2016, sobretudo as ligações marítimas. Nós temos que saber que somos um país arquipelágico com recursos limitados e o transporte marítimo continua sendo a melhor opção para nós – e melhorou bastante. De facto, nós aqui, em Tarrafal de S. Nicolau, contávamos os dias em que não tínhamos barco, e às vezes era sempre num domingo. Portanto, tínhamos barco quase todos os dias. Porém, não sei se é azar ou não, sempre no Verão temos os maiores problemas com os transportes, quer marítimo, quer aéreo. Neste momento temos três barcos a circular nas ilhas de Cabo Verde o que nos dá mais ânimo para que possamos entrar e sair e os nossos emigrantes que nos visitam de férias já possam organizar melhor. Portanto, as ligações melhoraram, mas acho que precisam melhorar mais. Acho que as câmaras municipais, o governo, as agências de viagem e os empresários deviam sentar-se à mesa para analisarem bem o melhor modelo de transportes marítimos para Cabo Verde e consequentemente para S. Nicolau. Por exemplo, nós podemos ter barcos todos os dias para Tarrafal vindo de S.Vicente e podemos fazer isso à noite. Há dias mostrei à CV Interilhas que o barco da sua empresa chega a S. Vicente vindo de Santo Antão às 17 horas. Então este navio pode vir a S. Nicolau às 18 horas e regressar a S. Vicente ainda à noite. Portanto, as pessoas que viajarem de S. Nicolau para S. Vicente (pelo menos neste caso) podem chegar de madrugada, fazerem as suas compras e sabem que à tarde, às 19 horas, podem regressar a S. Nicolau. Então, é possível sim fazer isso para que S. Nicolau possa estar não só no coração de Cabo Verde, mas também ligado a outros órgãos de Cabo Verde tendo S. Nicolau como coração.

Como reagiu a CV Interilhas e o governo à sua proposta?

Também acharam que era possível, mas há a questão das reguladoras…por exemplo, nós não entendemos por que o navio “Chiquinho” não pode vir a S. Nicolau. Não sei qual a questão técnica que o impede de vir a S. Nicolau. Veja, o navio “Chiquinho” foi construído em Singapura e navegou deste país até Cabo Verde. Portanto, acho que tem condições para fazer o percurso S. Nicolau/S. Vicente. Acredito que se pode fazer algumas alterações na legislação que temos em vigor por forma a podermos ter mais ligação com este barco, pelo menos na linha S. Vicente/S. Nicolau que é mais próximo. Acho que devemos ter em conta a nossa realidade e estabelecer as ligações que se adaptam à nossa realidade e quiçá possamos desenvolver a nossa ilha que tem grandes potencialidades, mas que está virgem ainda.

Como está a ilha actualmente servida em termos de ligações marítimas e aéreas?

Em termos de ligação aérea temos na segunda-feira um voo directo para Praia; na quinta-feira para o Sal e na sexta-feira para S.Vicente. Agora a partir deste domingo passamos a ter um voo bem cedo da Praia para S. Nicolau. Portanto, durante o Verão, ou seja, até o final do mês de Agosto teremos quatro voos semanais. Em termos de ligações marítimas, temos a linha S. Nicolau/ S. Vicente, mas acredito que só na próxima semana nós poderemos saber qual o itinerário das viagens de S. Nicolau para S. Vicente e de S. Nicolau para a ilha do Sal, sendo que temos uma ligação semanal Praia/S. Nicolau. Entretanto, não posso dizer neste momento todas as ligações marítimas existentes, porque estão a fazer neste momento a reposição das ligações.

A agricultura no seu município tem algum peso, mas não tem a dimensão que tem a pesca. Entretanto regista-se no seu município uma redução drástica da captura do atum bem como quatro anos de seca prolongada, a pandemia da Covid e os efeitos da guerra na Ucrânia. Como é que a CM tem feito a gestão desses factores?

Temos aqui dados do INE sobre o nosso município que mostram que estamos a fazer um excelente trabalho e mostram que temos algumas taxas acima da média nacional (primeiro lugar). Por exemplo, a taxa de cobertura da rede pública de água situa-se em 95%, o que demostra que somos o município número um em termos de cobertura; temos a questão da taxa de electricidade que se situa em 94%. Porém, nós temos neste momento três situações que nos têm causado alguns constrangimentos: a seca prolongada; a pandemia e a guerra na Ucrânia. A diminuição da captura do atum tem a ver com uma questão atmosférica, podemos dizer que o mar não é o que era antes e o atum não é nosso, está de passagem. Tendo em conta alguma captura que é feita por embarcações maiores, o que acaba por ter menos atum a passar nas nossas águas, pelo menos onde os nossos botes e barcos de pequenas dimensões podem capturar. Tudo isso está causando algum constrangimento. Nós temos aqui a fábrica SUCLA que é a única fábrica cabo-verdiana com anos de 85 anos e com capital exclusivamente nacional, mas que precisa de alguma atenção. Tenho estado sempre em contacto com o responsável da empresa e ele faz essas advertências sobre a queda das capturas e também da falta de matéria-prima. Havendo matéria-prima, com certeza que S. Nicolau conseguirá desenvolver-se muito mais a partir do sector das pescas. Por isso que para homenagear o atum e os pescadores, criamos o Festival do Atum que se realiza há sete anos no mês de Agosto. Como é fama, a “incmenda di téra” de Cabo Verde é o nosso atum, sobretudo o atum aqui de S.Nicolau. Estamos a colmatar esta situação com outros projectos, mas como tenho defendido sempre, a principal actividade do nosso município é a pesca e neste caso a fábrica SUCLA tem sido uma grande impulsionadora do desenvolvimento de São Nicolau e de Tarrafal de São Nicolau.

A redução da captura do atum não terá a ver com a pesca clandestina e com os acordos com a União Europeia nesse sector?

Pode até ser tudo isto, mas não sei se nós temos muita pesca clandestina aqui nos nossos mares. É certo que temos um acordo com a União Europeia que poderá ter provocado a diminuição da captura do atum, onde poderá ter atum que os nossos botes e barcos, pelo menos os de S. Nicolau, não conseguem alcançar. Pelo menos é esta explicação que os homens do mar dão. Mais não posso dizer sobre esta matéria, ou seja, se a diminuição da captura do atum se deve aos contratos que nós temos com a União Europeia ou à pesca clandestina. Mas pode ser um dos factores que têm levado à diminuição da captura do atum nas águas de Cabo Verde, particularmente em Tarrafal de S. Nicolau.

Já levou esta preocupação ao governo?

Sim, nós já falamos muito sobre isso, quer com o novo ministro do Mar, quer com o próprio primeiro-ministro quando esteve cá. Já comecei a falar com o vice-primeiro-ministro que está cá no Tarrafal para presidir às celebrações do Dia do Município e hoje [terça-feira] temos uma reunião sobre algumas matérias e um dos assuntos seria o atum. Como já disse, nós fazemos o festival do atum como uma forma de chamar a atenção das autoridades nacionais sobre a perda da nossa capacidade da captura do atum.

A fábrica SUCLA conseguiu recentemente registar a sua marca nos Estados Unidos. O que isto representa para a economia da ilha e particularmente para Tarrafal?

Para nós é um grande orgulho saber que a SUCLA conseguiu registar a sua marca, a marca de S. Nicolau, porque apesar de a fábrica ter um proprietário, aqui confunde-se muito SUCLA com Tarrafal, entre outras coisas porque todos nós temos um familiar que trabalha ou trabalhou na fábrica e somos todos amigos. Por isso todos nós estamos orgulhosos deste marco histórico da empresa e a Câmara Municipal ficou mesmo satisfeita ao tomar conhecimento que a fábrica SUCLA conseguiu registar a sua marca nos Estados Unidos sobretudo por ser o país para onde exportamos a maior quantidade de conservas de atum. A SUCLA está de parabéns e todas as pessoas que trabalharam neste processo.

Saltando para o turismo. O potencial turístico da ilha é sempre referenciado, embora ainda sem grandes resultados. O que é que falta?

Eu acredito que resolvendo o problema dos transportes é possível arrancar em grande com o turismo. Da nossa parte, o município participa em vários eventos – temos o MEETUP TREKKING, temos o Festival da Morna, o Festival do Atum, as feiras que nós fazemos e agora entramos no São Nicolau Trail, entramos também num programa de valorização das aldeias rurais turísticas aqui no município. Como disse, resolvendo o problema dos transportes, acredito que iremos conseguir alcançar essa meta de vender o destino turístico S. Nicolau. Quando as pessoas não sabem onde fica Cabo Verde, basta falarmos da Cesária Évora e da mais famosa morna de Cabo Verde que ela eternizou e que foi criada aqui neste concelho.

Passando para a pobreza e pobreza extrema. Segundo dados estatísticos de 2016, 58, 3% da população do concelho de Tarrafal de S. Nicolau era pobre. O que dizem os dados actuais após as três crises com que o país se vê confrontado?

As três crises terão certamente aumentado a pobreza, pois sobretudo com a pandemia e agora com a guerra na Ucrânia as coisas complicaram-se um pouco mais. Mas a Câmara Municipal está aqui sempre aberta para apoiar as pessoas e o governo tem-nos dado também grandes apoios com empregos públicos que nós temos criado em várias localidades do nosso município. A Câmara Municipal tem sido uma porta aberta para ajudar as pessoas do nosso município de modo a minimizar os efeitos das crises. O governo também apoia no combate à pobreza através do Cadastro Social Único (CSU), o que tem diminuído bastante o impacto negativo destas crises, tendo em conta os apoios que temos recebido do governo.

Neste momento nem todos os concelhos conseguiram registar todas as famílias pobres no CSU. Qual a situação no seu município?

Neste momento estamos a fazer a actualização do Cadastro. Temos quase 100% das pessoas cadastradas, mas há ainda algumas pessoas com alguma resistência. Acho que estamos a ultrapassar isso, pois quando começou a pandemia, muitas pessoas para terem acesso aos benefícios passaram começaram a cadastrar. Neste momento estamos a actualizar o CSU e não lhe posso avançar agora o número de pessoas que estão registadas, mas posso garantir-lhe que temos uma boa percentagem cadastradas no nosso município e o CSU tem sido um grande instrumento para a câmara municipal e para o governo no combate à pobreza.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1079 de 3 de Agosto de 2022. 

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Autoria:António Monteiro,7 ago 2022 8:52

Editado porAntónio Monteiro  em  7 ago 2022 11:56

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