A importância da escola na alimentação de crianças e adolescentes

PorSheilla Ribeiro,23 out 2022 7:38

Todos os dias cerca de 90 mil alunos alimentam-se gratuitamente em 788 escolas de todo o país. Para muitos em situação de vulnerabilidade social, o lanche servido nas cantinas é a refeição mais importante do dia. Esta realidade reforça,ainda mais ,a importância de a escola oferecer refeições mais saudáveis e nutritivas ,para um melhor ensino e aprendizagem.

Diariamente, dois dos três filhos da camponesa Sanira Lima lancham nas escolas públicas em que estudam, localizadas em João Garrido e Cutelo Branco, São Domingos. Para a mãe, as refeições servidas nas escolas são de extrema importância tendo em conta que há dias em que não há o que comer logo de manhã. 

“Geralmente os meus filhos, um do 4º e outro do 6º ano tomam o pequeno-almoço em casa, mas é muito pouco o que comem. Receber uma refeição quente por volta das 10 ou 11 horas é muito bom, acaba por reforçar o pequeno-almoço e até mesmo o almoço”, conta. 

Sanira Lima admite que há vezes em que a situação em casa se torna difícil. Por vezes a família pode ter três refeições, mas há dias em que pode faltar o que comer na primeira refeição do dia. 

“Nesses dias sou obrigada a mandar-lhes para a escola de estômago vazio, com a confiança de que ali vão comer – é uma refeição certa. Durante as férias senti muita falta porque nem sempre tinha e tenho algo para lhes dar de comer na hora em que estão acostumados. Hoje posso ter, mas amanhã posso não ter”, admite. 

Segundo a nutricionista da Fundação Cabo-verdiana de Acção Social e Escolar (FICASE), Lenira Monteiro, as refeições servidas nas escolas são muito importantes. Não apenas porque ajudam as crianças a terem uma alimentação mais saudável, sem fritos, pouco sal e pouco doce, mas também por os ajudar a ter energia para uma melhor aprendizagem. 

A ementa elaborada pelos dois nutricionistas da instituição, Lenira Monteiro e Henrique Fernandes, cobre 20% das necessidades nutricionais das crianças, em termos de macro e micronutrientes. 

“É essencial que, em primeiro lugar, os alimentos forneçam a base de energia. Por esta razão, a nossa ementa é basicamente composta por géneros básicos como arroz, milho, massa, mas também temos algumas fontes proteicas de origem vegetal, no caso, feijões como sapatinha, feijão congo, lentilha, que é uma excelente fonte de proteína, e outros nutrientes como fibra e ferro”, explica. 

Aumento de géneros básicos 

Antes, a ementa escolar tinha apenas quatro géneros básicos: arroz, massa, óleo e feijão, que podia ser congo ou sapatinha. 

De acordo com Lenira Monteiro, ao longo do tempo a FICASE foi introduzindo mais produtos e conseguiu fazer com que a sapatinha se tornasse um género fixo. A lentilha, o grão-de-bico, farinha de trigo integral, leite e açúcar para a confecção de papa cabecinha e camoca tradicional são alguns dos novos géneros básicos. 

A FICASE já teve a experiência, em parceria com um fornecedor nacional, de incluir frango em todas as escolas de Cabo Verde.

“É um dos produtos que conseguimos introduzir, mas ainda não tem sido frequente. Também por falta de fornecedor e mobilização de recursos de modo que fiquem efectivos”, reconhece. 

Conforme a nutricionista, os alimentos servidos nas escolas do país são compostos, fundamentalmente, por macronutrientes, carboidrato, proteína (mais de origem vegetal) e lípidos ou gorduras através de óleos. 

Lenira Monteiro explica que nos últimos anos a instituição tem reforçado o cabaz básico em termos de proteínas de origem animal e vai tentando introduzir alguns legumes. 

“Não tem sido uma tarefa fácil, porque depende muito da mobilização de recursos que conseguimos para os colocar nas escolas, mas no ano lectivo passado conseguimos, durante todo o ano, fornecer às escolas legumes para reforçar a outra parte de micronutrientes e minerais”, diz. 

Legumes ainda são um desafio 

Relativamente aos legumes, a nutricionista refere que a dificuldade tem a ver com a organização, produtores, fornecedores nacionais e mobilização de recursos. 

“Apesar da lei estipular que 25% do orçamento do programa deve ser canalizado para a compra de produtos nacionais, tipo legumes, peixe ou carne, ainda não conseguimos mobilizar meios necessários para que estes alimentos sejam géneros básicos durante o ano todo”, relata. 

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Por esta razão, tais produtos são chamados de reforço do cabaz básico, por serem introduzidos sempre que a FICASE consegue mobilizar recursos para o efeito. 

A FICASE, explana a nutricionista, lança um concurso público para os agricultores que estejam organizados de modo a adquirir os produtos. 

“Mas, infelizmente, não é a nossa realidade adquirir os produtos dos agricultores. As nossas compras são de grandes fornecedores que, normal mente, fornecem para o país todo”, menciona. Uma outra alternativa para que os legumes se tornassem efectivos nas refeições escolares seriam as hortas escolares. Entretanto, Lenira Monteiro diz que tal seria insustentável. 

“Quando foi introduzido o Programa Alimentar Mundial (PAM), a ideia de hortas escolares foi incorporada com o objectivo de abastecer as cantinas. Para a implementação desse projecto mobilizou-se muitos recursos e até tínhamos hortos concelhios”. “Mas, infelizmente, todos os anos era preciso manutenção, mobilização de novos recursos para os mesmos projectos que já tinham sido financiados antes e acabou por se tornar insustentável”, justifica. 

Neste momento, a FICASE orienta as escolas a terem hortas com fins pedagógicos. Para o efeito, a instituição tem alguns materiais disponíveis, manuais elaborados para ajudar as escolas na implementação das hortas que, no final das contas, servem às cantinas. 

Contudo, trata-se, quase sempre, de hortas em pequenos vasos ou pequenos canteiros. Lenira Monteiro frisa que se a escola tiver condições de ter hortas, a FICASE apoia no que puder. 

“Por exemplo, temos no concelho de São Domingos uma horta no Liceu Fulgêncio Tavares, outra no Liceu Luciano Garcia em São Lourenço dos Órgãos e em alguns concelhos cujo fim é abastecer as cantinas. Incentivamos, mas não está dentro do nosso programa como antigamente”, sublinha. 

Cantinas ganham nova importância devido à crise 

Num contexto de crise tripla provocada pela seca prolongada, pela pandemia da covid-19 e a guerra na Ucrânia, cerca de 46 mil famílias estavam em situação de insegurança alimentar, segundo dados de Julho e Agosto, avançados pela secretária executiva do Serviço Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Rosa Semedo. 

Face a tal cenário, Lenira Monteiro diz que as cantinas escolares ganham uma outra importância. Razão pela qual, aponta, mais de metade das cantinas escolares de todo o país, funcionaram durante as férias, tendo cerca de 12% dos alunos do Ensino Básico Obrigatório (EBO) frequentado as mesmas.

“Quase 100 mil alunos, desde o ensino pré-escolar até ao ensino básico, são beneficiados diariamente com refeições. Ou seja, pelo menos nos períodos escolares, 20% da nossa população, que é composta maioritariamente por jovens, é alimentada”. “Isto para mostrar a importância da alimentação escolar na vida dos nossos alunos e na vida das famílias mais vulneráveis, porque sabem que pelo menos os filhos têm uma refeição garantida”, pontua. 

De referir que o apoio do PAM ao programa nacional de cantinas escolares iniciou em 1979 e terminou em 2010, após Cabo Verde ingressar o grupo de países de rendimento médio. Contudo, no último mês de Setembro o Programa voltou, num protocolo de cooperação de 1,5 milhões de dólares para fazer face à crise. 

Na altura, o ministro da Agricultura e Ambiente, Gilberto Silva, afirmou que se trata de uma medida muito concreta na mitigação da crise internacional. 

Jovem quer que cada escola de Santiago tenha uma horta 

O mentor do projecto Cidade Verde, Emileno Ortet, tem em curso o projecto Horta Escolar, cujo objectivo é oferecer aos alunos um laboratório vivo, por meio do qual têm contacto directo com os processos da natureza, e acompanham de perto o desenvolvimento das verduras, das frutas e dos legumes. 

“A criação do projecto Horta Escolar visa ensinar as crianças a comer vegetais, após constatar que em Cabo Verde boa parte das crianças ou não gostam ou não têm esse hábito, também empoderar as escolas tornando-as auto-sustentáveis”, assegura. 

Um outro objectivo é o controlo daquilo que se planta, que se produz e se come. Em Junho, Emileno Ortet implementou o projecto na Escola SOS, na Cidade da Praia, visando melhorar a qualidade dos alimentos e, principalmente, no combate às pragas com menos químico possível. 

Entretanto, aponta como principal desafio do projecto Horta Escolar, o financiamento, daí apenas a Escola SOS ter sido contemplada. 

“A maioria das escolas, pelo menos na ilha de Santiago, tem um espaço de cultivo, nem que seja pouco. Mas, os produtos que as escolas usam não são diversificados. Ou seja, são mais condimentados e podem ser produzidos rapidamente, num espaço pequeno”, descreve. 

Emileno Ortet defende a contratação de pessoas capacitadas para a manutenção das hortas por considerá-las essenciais nas escolas e com pouco custo. 

“Apenas a água é cara e não é nada que não possa ser resolvido. As sementes não custam muito e uma equipa de manutenção pode não custar tanto. Por isso, mesmo a água sendo cara dá para produzir muitas coisas e além da nutrição podemos sempre combater o calor e melhorar a qualidade do ar nas escolas”, defende. 

A ideia do empresário é que cada escola abrace o projecto e que o Ministério da Educação patrocine para que cada escola seja autónoma ao invés de comprar produtos.

Texto publicado originalmente na edição nº1090 do Expresso das Ilhas de 19 de Outubro

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Autoria:Sheilla Ribeiro,23 out 2022 7:38

Editado pormaria Fortes  em  24 out 2022 12:00

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