Este ano está a correr melhor do que o esperado. Segundo o Banco Central, prevê-se para 2022 a continuidade da recuperação da actividade económica, com um crescimento de cerca de 8% do PIB. “As actuais projeções, face às divulgadas em Abril, refletem uma revisão em alta do crescimento do PIB, por duas ordens de razões: uma dinâmica muito forte no sector de serviços e fundamentalmente as exportações de serviços ligados ao turismo e a retoma do crescimento do produto ao seu potencial pré-pandémico”, disse o governador do BCV, Óscar Santos, na apresentação do último relatório de política monetária.
O documento, publicado pelo Banco Central, mostra que, no primeiro semestre do ano, o PIB cresceu 17.2%, quando comparado com 2021. Principal razão? A “forte recuperação do sector mais afetado pela pandemia”, o dos serviços, principalmente o turismo, que teve uma retoma superior ao previsto anteriormente.
Por sectores, do lado da oferta, esta performance económica teve um forte contributo, do “alojamento e restauração” (crescimento de 1112,6%), “comércio” (39,1%) e “transportes” (15,8%) e, do lado da procura, há a registar as participações positivas quer da procura externa líquida quer da procura interna líquida, apesar da redução do investimento.
Ainda segundo o BCV, no período de referência e em termos homólogos, as remessas dos emigrantes crescerem 24,2%, as reexportações de combustíveis e víveres nos portos e aeroportos cresceram cerca de 122,7%, enquanto as importações aumentaram em 32%.
A Recuperação das Exportações de Turismo em 2022
As exportações de turismo, que já tinham dado sinais de retoma em 2021, continuaram a recuperar em 2022, ficando no primeiro semestre, a 25,9% abaixo do registado em igual período de 2019 (antes da pandemia). Estima-se que atinjam os níveis pré-pandémicos em 2024. O turismo foi o sector mais afetado pela pandemia e Cabo Verde foi dos países que teve o maior impacto, com o peso das exportações de turismo a cair de 24,4% em 2019, para 8,9% em 2020, recuperando para 17% no primeiro semestre de 2022.
A despesa dos turistas estrangeiros em Cabo Verde aumentou no segundo semestre 336%, no caso das operações em ATM/POS com cartões internacionais e 499%, no caso das exportações do turismo. Números obtidos quando se compara com 2021. No entanto, este crescimento é menos acentuado do que o sugerido pelos indicadores de volume, em que, face ao período homólogo, as dormidas de não residentes registaram um crescimento de 1.634% e os passageiros desembarcados provenientes de tráfego aéreo internacional, um aumento de 550%.
Mas as consequências económicas da guerra na Ucrânia e os efeitos do conflito sobre a inflação e o poder de compra, sobre a incerteza e a confiança dos turistas, deverão condicionar o sector turístico cabo-verdiano no curto prazo. As exportações de turismo deverão continuar a crescer, mas a um ritmo mais moderado a partir da segunda metade do ano e com mais incidência em 2023.
A pressão da inflação
A inflação, sem surpresa, subiu marcadamente, com a taxa de variação média dos últimos doze meses do índice de preços no consumidor a fixar-se em 7,1% em Setembro, enquanto a homóloga atingiu os 8,7%.
“A evolução é reflexo das pressões inflacionistas decorrentes do aumento dos preços das matérias-primas energéticas e não energéticas (sobretudo, alimentares) no mercado internacional, em resultado das restrições na oferta aliadas a pressões da recuperação da procura, principalmente no sector de serviços, bem como dos efeitos directos e indirectos da guerra na Ucrânia”, explicou Óscar Santos.
O aumento das pressões inflacionistas, traduziu-se, principalmente, no aumento dos preços das classes de “Produtos Alimentares e bebidas não alcoólicas” (em 17,6%), “Transportes” (9,8%) e “Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis” (5,2%). Nas classes “Transportes” e “Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis” o aumento é o reflexo da transmissão dos preços internacionais das matérias- primas energéticas aos preços internos, com a actualização em alta dos preços dos combustíveis (petróleo, gasóleo, gasolina e gás) que cresceram, em média, 14% face ao período homólogo de 2021.
Finanças Públicas
Com a contínua recuperação da actividade económica nacional, o agravamento de impostos sobre alguns produtos e a retoma dos serviços públicos após o levantamento das restrições, as contas públicas registaram, nos primeiros oito meses do ano, uma melhoria do défice em 3.655 milhões de escudos para os 5.993 milhões de CVE. Esta melhoria das contas públicas ficou a dever- -se, essencialmente, ao aumento das receitas fiscais e das outras receitas.
As receitas fiscais aumentaram 33,3%, por causa do aumento dos impostos e da arrecadação dos impostos sobre o valor acrescentado (mais 38,3%), sobre o rendimento de pessoas singulares e coletivas (8,4%), sobre as transações internacionais (32,9%) e sobre o consumo especial (72,8%).
As outras receitas registaram um aumento de 28% em termos homólogos, reflexo do aumento das receitas da venda de bens e serviços (cobrança de taxas de prestação de serviços). A atenuar o desempenho das receitas, houve evolução das transferências (em donativos). Apesar do aumento dos donativos directos de governos estrangeiros (em 20,9%), as transferências tiveram uma queda de 31,1% em termos homólogos, tendo em conta as descidas nas transferências de organizações internacionais (menos 71,4%) e das administrações públicas (-11,7%).
A necessidade de financiamento do Estado determinou um endividamento interno líquido no montante de 6.858 milhões de escudos, tendo o Estado recorrido aos bancos e outros credores nacionais em, respetivamente, 6.055 milhões de escudos e 3.722 milhões de CVE. O endividamento externo líquido foi negativo, com as amortizações (de 4.854 milhões de escudos) a superarem os desembolsos (de 3.448 milhões de escudos). O stock da dívida do Estado excluindo os Títulos de Rendimento de Mobilização de Capital (TRMC), a 31 de Agosto de 2022, aumentou para 298 mil milhões de escudos, representando cerca de 144,7% do PIB.
O que esperar de 2023
Para o próximo ano, as perspetivas macroeconómicas são menos favoráveis, devido aos efeitos do conflito e às tensões geopolíticas, à erosão do poder de compra por causa da alta inflação e à incerteza e perda de confiança dos agentes económicos, aliados ao aperto nas condições de financiamento nos principais mercados internacionais.
Os vários cenários externos apresentam riscos grandes e inclinados para o lado negativo. As projeções envolvem uma elevada incerteza e dominam os riscos negativos para as perspetivas económicas globais, incluindo: (i) uma postura insuficiente ou excessiva das políticas monetárias no combate à inflação; (ii) divergências nas trajetórias de políticas nas maiores economias levando a uma maior apreciação do dólar americano e a tensões transfronteiriças; (iii) aumento persistente dos preços, com possíveis perturbações mais sérias nas cadeias de abastecimento globais, em particular, com a interrupção completa do fornecimento de gás para a Europa pela Rússia, conduzindo a cortes mais acentuados da produção e a novos aumentos dos preços de energia; (iv) aumento das expetativas de inflação e uma resposta das políticas monetárias mais agressivas, expondo as vulnerabilidades da dívida e levando a um sobreendividamento generalizado; (v) um ressurgimento da pandemia com uma nova variante e, (vi) uma desaceleração mais acentuada do que o previsto da economia chinesa com o agravamento da crise do setor imobiliário com efeitos transfronteiriços negativos.
O banco central vai manter as taxas de juro de referência até ao final deste ano, mas para 2023, considerando a necessidade de reduzir as pressões inflacionistas no país e garantir a estabilidade dos preços e o regime do peg fixo ao Euro, prevê- -se uma política mais restritiva.
Para 2023, a Proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) quer dar resposta aos desafios que se colocam a nível da gestão de contingências e das crises. Prevê a manutenção de grande parte das linhas orientadoras do OGE para 2022, entre as quais, a continuidade na trajetória de consolidação orçamental, com a arrecadação de mais impostos pela via do aumento da base tributária e a racionalização e contenção das despesas.
Prevê também algumas outras novas medidas com impacto na actividade económica nacional: (i) uma taxa reduzida de direito de importação de 10% para a importação das matérias-primas e subsidiárias, materiais e produtos acabados ou semi-acabados destinados à incorporação em produtos fabricados no âmbito de projetos industriais; (ii) um novo agravamento do imposto de consumo especial (ICE) sobre o tabaco e bebidas alcoólicas; (iii) a actualização salarial de 1 a 3,5 por cento para as categorias com rendimentos mais baixos, incluindo os pensionistas; (iv) o aumento do salário mínimo de 13 para 14 mil escudos e, (v) o aumento da contribuição turística de 220 para 276 escudos.
“Para 2023, as perspetivas macroeconómicas são menos favoráveis. Assim prevê-se uma moderação do crescimento em torno dos 5%”, disse o governador do Banco Central, Óscar Santos.
Texto publicado originalmente na edição nº1092 do Expresso das Ilhas de 02 de Novembro