No âmbito da celebração do “Dia do Município da Praia”, o Expresso das Ilhas foi apurar qual a leitura que os jovens fazem da actual cidade da Praia e conhecer as perspectivas para o futuro.
Numa ronda pela Rua Pedonal, no Plateau, este jornal conversou com Edson Sousa, um jovem de 28 anos, residente em um dos bairros periféricos da capital, que testemunhou a evolução do Município da Praia, mas sublinhou que, em meio de tanto desenvolvimento, ainda há necessidade dos jovens procurarem um futuro em outras paragens do mundo. Um futuro que a morabeza da maior cidade do país ainda não tem condições para proporcionar.
“Não podemos negar a evidente evolução da Cidade da Praia. Temos uma cidade hoje muito mais urbanizada, desenvolvida e atraente. Praia, em relação aos outros cantos do país é uma cidade de oportunidades, temos boas escolas, acesso a inúmeras formações e capacitações profissionais, temos universidades, não podemos negar o aumento do número de transportes públicos que facilitou muito a vida dos citadinos. Temos desenvolvimento sim, mas o problema é que a Praia actual é um mercado pequeno e saturado que não tem espaço para os jovens investirem no futuro”, testemunhou.
Ainda na Rua Pedonal, um outro jovem, Bruno Duarte, bate-chapas de profissão, disse a este jornal, qual a leitura que faz da actual cidade da Praia. O jovem de 25 anos, morador da zona de São Paulo, mostrou alguma satisfação em relação ao desenvolvimento da cidade. Bruno Duarte, levava em mãos um grande número de documentos, e fez questão de dizer tratar-se de documentos exigidos pela embaixada de um país estrangeiro para pedido de visto. O jovem acredita que a cidade está desenvolvida e sublinhou os trabalhos de urbanização realizados na comunidade de São Paulo, mas sublinhou que não se vê a ter um bom futuro perante a actual situação onde “o que ganhamos só dá para o básico do básico”.
“Se compararmos a actual cidade da Praia com a Praia de dez anos atrás, há uma clara evolução. Hoje temos melhor qualidade de transportes, água potável nas casas, estradas de boa qualidade, melhores oportunidades para jovens se formarem, temos boas condições embora haja ainda muito a melhorar. Apesar do desenvolvimento temos que admitir que temos sectores primordiais que ainda estão encravados, como o caso do emprego jovem. Quando falo do emprego jovem, não estou a me referir às falsas oportunidades como o estágio profissional, onde perdemos muito tempo com uma remuneração totalmente reduzida, ou a contratos em prestação de serviço com a esperança de ser efectivo, refiro-me à oportunidade de trabalhar com um contrato que valorize o esforço dos jovens para obter um diploma, o desempenho e a dedicação em ser um profissional de excelência. O que mais vemos aqui na cidade da Praia são os expedientes para dar oportunidade a quem tem bons padrinhos”.
Desenvolvimento
Em relação ao desenvolvimento da Cidade da Praia, este jornal quis também ouvir os adultos da cidade, pessoas que vivem na capital do país há mais de 30 anos e que testemunharam de perto a evolução da urbe.
Abordada pelo Expresso das Ilhas, a vendedora ambulante Maria Helena Sousa defende que a Praia é uma cidade de oportunidades. A senhora de 54 anos de idade, natural de São Salvador do Mundo, que vive há 39 anos na Praia, sublinha que quem se lembra da antiga Cidade da Praia não pode negar que o patamar atingido hoje é de “paraíso”.
“A Praia não tinha estradas asfaltadas, a rua pedonal [do Plateau] que vemos hoje era um autêntico caos, tínhamos que comprar água no chafariz e, ainda assim, com receio porque era uma água amarelada, o vestuário e os calçados não eram tão acessíveis. A Praia mudou e muito, mudou para melhor! Temos lojas chinesas que vendem de tudo, temos escolas, autocarros, só temos a louvar. Como qualquer outra cidade temos os nossos problemas sem fim, mas hoje qualquer um pode estudar e ter uma boa profissão, temos acesso a bons produtos. Devemos analisar o passado e ver o quanto somos privilegiados por fazer parte deste município”.
Uma outra vendedora, desta vez do mercado do Plateau, Ana Gonçalves, acredita que a cidade poderia estar ainda melhor. Admitindo que há sim uma nítida evolução e desenvolvimento, Ana Gonçalves defende que se os poderes local e central estivesse mais unidos, maiores seriam os ganhos na cidade.
“A Praia de hoje não se compara com o passado, mas os desafios que temos hoje também nos deixam numa situação complicada. Temos desenvolvimento, temos evolução, o que não temos é segurança, habitação digna, boas condições de saúde, educação. Não estou a dizer que essas áreas não evoluíram, mas poderíamos estar num patamar melhor, estamos fartos de exemplos de pessoas à espera para serem evacuadas, pessoas a pedir ajuda para ter uma casa com melhores condições… Pior ainda, estamos fartos de ver os nossos filhos formados, com o sacrifício de uma mãe ou de um pai, com diploma, a ter que se aventurar na emigração para ter uma vida melhor, quando o país deveria investir para assegurar emprego aos nossos jovens. A Praia evoluiu sim, mas ainda estamos bem longe de uma Praia próspera e segura para sonhar com um bom futuro para os nossos filhos”, sustentou.
Desafios
O Município da Praia, em 2022 tinha, segundo dados do Instituto Nacional de Estatistica (INE), 145.378 pessoas residentes, representando 53,1% da população da ilha de Santiago e 29,6% da população de Cabo Verde. No Município da Praia, a Taxa de Desemprego Jovem(15-24 anos) é de 30,2%.
A maioria das pessoas abordadas pelo Expresso das Ilhas, acredita que o maior desafio do município é gerar emprego digno para os jovens e desenvolver o mercado de trabalho ao ponto de ter ofertas atraentes que façam um jovem querer investir e seguir a vida no país.
Numa paragem de autocarro, um grupo de jovens abordados por este jornal, dizem que já nem se preocupam com a falta de emprego. Diante de novas oportunidades como a procura de mão-de-obra em Cabo Verde por parte de vários países europeus, os jovens admitem que estão atrás de uma oportunidade para tentar a vida no exterior.
“Os discursos dos governantes são os mesmos ano após ano. Temos melhor acesso à universidade e formação profissional, mas não temos emprego, ninguém vive só de diploma. Infelizmente, hoje a maioria dos jovens preferem correr atrás de um visto numa embaixada, comprar uma passagem para tentar a sorte no exterior do que ficar preso à esperança de dias melhores em Cabo Verde”, disse Admila Tavares.
Por sua vez, Jorge Correia, de 45 anos, acredita que o maior desafio da cidade é a segurança. Não se distanciando da opinião do grupo de jovens abordados anteriormente, Jorge Correia diz que a falta de emprego e oportunidade é o maior factor para o aumento da insegurança na cidade.
“Muitos de nós pensamos que a delinquência parte dos jovens sem estudo, sem formação e acabamos por ignorar o que leva a este tipo de comportamento. Na Praia, temos inúmeras oportunidades de estudo, quer a nível de formação superior, quer a nível da formação profissional, ou até mesmo para capacitação. A meu ver, é preciso resolver o problema da falta de emprego para resolvermos o aumento da criminalidade e a insegurança. Uma juventude desanimada, sem ambição e esperança, é uma juventude perdida, ao invés de evoluir acaba por se perder no mundo da criminalidade”, disse.
Futuro
Diante da avaliação dos praienses sobre a cidade, este jornal abordou questões relacionadas com o futuro do maior município do país. Eliseu Cunha, um jovem que trabalha como segurança privada, confessou que não tem planos para um futuro na cidade da Praia. Este jovem diz que a solução para os jovens é a emigração. Embora a vida no exterior “seja dura e longe dos familiares”, segundo Eliseu, este é um futuro mais certo comparado com o que Cabo Verde oferece.
“Praia é uma espécie de cidade maravilhosa. Somos livres, vivemos o dia-a-dia mas, actualmente, a inflação elevada, as dificuldades financeiras não proporcionam a um jovem um futuro próspero. Ter uma casa, um carro e um bom emprego é uma realidade bem distante no nosso país. O que ganhamos actualmente, com o preço dos produtos elevados, o custo de vida, nem dá para comermos como gostaríamos. Não vejo futuro para um jovem comum, por exemplo, filho de uma vendedeira ambulante, como é o meu caso, dentro de Cabo Verde. A morabeza da nossa terra é linda, mas ainda não criou condições para nós, os jovens”, disse.
Edson Sousa, já citado no início desta reportagem, acredita que se as coisas não mudarem, o país vai envelhecer, porque as pessoas não vão suportar o custo de vida que é incompatível com o salário pago.
“Sendo cabo-verdiano, gostaria muito de dizer que o meu país tem todas as condições para ter um bom futuro, mas diante da realidade compreendemos perfeitamente a frenética procura de visto para viver fora. Não é uma opção passar vários anos no exterior, longe dos familiares e de tudo que nos completa, mas a necessidade obriga-nos a sair da nossa terra em busca de uma vida melhor”, acrescentou.
O Dia do Município da Praia, celebrado a 19 de Maio, foi instituído como sendo símbolo da resistência colonial porque nesse dia, em 1974, um grupo de cidadãos praienses (jovens) manifestou-se, no Platô, contra o regime colonial, tendo sofrido represálias da tropa portuguesa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1120 de 17 de Maio de 2023.