Dicla Pereira é mãe de um menino de 8 anos de idade e residem em Ponta D’Água. No bairro, conforme diz, até há bem pouco tempo não havia parques com brinquedos como escorregas e baloiços.
A única praça do género que hoje existe, surgiu depois de um privado ter inaugurado um espaço comercial. Aliás, esta mãe acredita que hoje a cidade da Praia oferece mais opções de diversões para as crianças, sobretudo devido a investimentos privados.
“Eu, particularmente, nunca senti falta de um lugar onde pudesse levar o meu filho a brincar e há uns anos frequentava muito o Cruz de Papa. Entretanto, depois que surgiu o parque do Platô, por exemplo, deixei de lá ir até mesmo devido ao mau estado daquele espaço que tem ou teve um lugar especial no coração dos praienses”, diz.
Apesar dos privados suprirem as necessidades do seu filho, Dicla Pereira defende serem necessários mais investimentos em parques infantis em todos os bairros para que aqueles que não podem pagar por um brinquedo, possam ter a oportunidade de brincar.
Essa disparidade entre os espaços públicos e privados ressalta a desigualdade de acesso ao lazer infantil na cidade da Praia. Enquanto alguns poucos privilegiados podem desfrutar de parques privados com qualidade, a maioria das crianças fica limitada a áreas escassas e inadequadas, conforme aponta.
“Muitas dessas praças que foram construídas em diferentes bairros da Praia com alguns brinquedos, estão abandonadas porque nunca receberam manutenção e sem manutenção não há condições para as crianças brincarem. E acredito que ainda há muitos espaços nas comunidades que poderiam ser aproveitados para a construção espaços de lazer”, considera.
Dicla Pereira justifica ainda essa necessidade de mais praças nas comunidades, alegando que muitos pais, cujos bairros não dispõem de um espaço de lazer, deixam de levar os filhos àqueles que existem, por exemplo no Platô, por medo de serem assaltados no trajecto.
“A insegurança que se faz sentir na capital desmotiva os pais a saírem com os filhos e a frequentar esses parques no centro da cidade. Isto porque, geralmente, saímos com as crianças só depois das 16h00 ou no final do dia que é quando o sol não está quente. Mas, sabemos que nessas horas corremos o risco de sermos assaltados”, frisa.
Uma outra observação desta mãe, é que a maioria das actividades infantis realizadas na Praia, acontecem apenas no dia 1 de Junho. Razão pela qual apela a mais iniciativas de diversão ao longo do ano.
Poucas opções e degradação
Em Palmarejo Grande, o Expresso das Ilhas conversou com Naomy Horta, mãe de um bebé de um ano e meio que entende que a cidade não está bem servida em termos de infra-estruturas para as crianças.
“Não há muitas opções de parques. Se quisermos levar os nossos filhos a brincar as opções são sempre as mesmas: Oya Park no Platô, Cruz de Papa ou, a mais recente opção, Praça Center. Reparei que ao invés de aumentar, os espaços de lazer para as crianças têm diminuído, sendo o caso da Praia Shopping, que hoje já não tem brinquedos”, refere.
Do ponto de vista desta entrevistada, há poucas opções de brinquedos nos “poucos” espaços existentes e estes não estão em boas condições, ou são velhos.
“Por exemplo, no Cruz de Papa não há muitas opções e as opções que oferece não estão em bom estado para uso, mas usamos porque não temos outras”, lamenta.
Naomy Horta tem ainda o hábito de levar o filho ao parque que fica nos arredores da Escola de Hotelaria e Turismo, contudo, ao que tudo indica, pode vir a deixar de fazê-lo devido à falta de manutenção do espaço.
“É um espaço muito agradável para se divertir e com muito potencial, mas que não recebe nenhuma manutenção. Não há um guarda, por exemplo, para auxiliar na preservação do lugar e as pessoas fazem um mau uso dos brinquedos que ali estão e estes a cada dia estão mais degradados”, acrescenta.
Contactado pelo Expresso das Ilhas, o Provedor da Praia, João Benício Cardoso afirma que os espaços públicos de lazer na cidade Praia estão em franca degradação porque não há manutenção corrente.
“O que temos notado é que com a excepção das três praças do Platô- a Praça Alexandre Albuquerque, a pracinha da Escola Grande e a pracinha do Liceu – as outras praças e não só, placas desportivas e parques infantis, estão a cair aos pedaços. Porque não há manutenção corrente como deve ser feito com qualquer equipamento, monumentos e sítios”, avalia.
João Benício Cardoso também aponta, como exemplo de degradação, o Cruz de Papa, cujos bancos e equipamentos de diversão das crianças “estão a cair aos pedaços e constituem um risco às crianças”.
Um outro exemplo de espaços de lazer decadentes, são a Praça de Terra Branca e os espaços fitness.
“É de uma estranha coincidência que em todo o Concelho da Praia, todas as Praças estão ao abandono. Na nossa opinião, há um desleixo total. Não é algo desta Câmara ou deste Governo, é algo que acontece há várias décadas e a solução passa pela manutenção corrente”, ressalta.
Para o Provedor da Praia, é preciso deslocar-se a esses lugares, identificar os pontos onde há necessidade de intervenção e introduzir obras.
“E a partir do momento que introduzirem as obras deve-se criar uma equipa que, pelo menos semanalmente, deve verificar os equipamentos, o que é que precisam. Isso existe em todos os países. As pracetas, as praças têm de ter um serviço de cuidados”, sustenta.
O Provedor da Praia revela que recebe mensagens de queixas de pais, encarregados de educação e jovens dos diferentes bairros sobre o estado dos espaços de lazer.
“E não temos tido feedback das autoridades, ou seja, não se satisfaz as necessidades da população”, comenta.
“Quanto mais espaços de lazer, menos criminalidade”
Com o objectivo de proporcionar espaços divertidos para as crianças brincarem, algumas iniciativas privadas investem em infraestruturas e diversão na Praia como, por exemplo, o Espaço L, Oya Park e Praça Center.
No dia 5 de Julho de 2022, foi oficialmente inaugurado o Parque 5 de Julho. Desde então, tem-se tornado um ponto de encontro popular para os praienses, especialmente durante o Verão, quando os emigrantes estão de férias.
Durante o período escolar o movimento é mais intenso aos finais de semana, neste parque que é um espaço de diversão e entretenimento.
Com uma variedade de atracções, como palhaços, marionetes, música e jogos como corrida de cadeiras, jogos de sacos e piscinas com tobogãs para crianças a partir dos cinco anos, o parque oferece uma ampla gama de actividades para o público.
Além disso, dispõe de carrinhos de choque, carrossel, roda-gigante e pula-pula, garantindo momentos de diversão para todas as idades, desde crianças até adolescentes.
Em declarações ao Expresso das Ilhas, o sócio-gerente, Moisés Alves, explica que uma das motivações que o levou a investir no parque veio das suas próprias lembranças de infância, quando o local era seu lugar preferido para brincar e divertir-se.
Moisés decidiu investir por perceber a escassez de espaços adequados para as crianças na cidade.
“Em Cabo Verde, há poucos espaços para as crianças interagirem e brincarem com segurança, acredito que é necessário oferecer às crianças não apenas um lugar para correr, mas um espaço onde possam explorar novas ideias e ter acesso a aventuras diferenciadas. Temos muitos parques feitos pelo Estado com baloiços, escorregas, o que é muito bom, mas não passam disso”, constata.
No entanto, o empreendimento enfrenta desafios, especialmente em relação aos custos de manutenção. Por exemplo, Moisés Alves aponta que apenas com as piscinas são gastos cerca de 50 mil escudos por semana.
A falta de estacionamento adequado também afecta a frequência de visitantes. Moisés já procurou soluções junto à Câmara Municipal da Praia, porém, ainda não chegaram a um consenso.
Aliás, o reponsável ressalta a importância de um estacionamento seguro para os clientes, que permita não apenas um local para estacionar, mas também uma maior segurança nas ruas, com a presença de seguranças privados para cuidar dos veículos dos clientes.
Um outro desafio, prende-se, precisamente, com a segurança. Embora no espaço seja garantida a segurança, com 32 câmaras de vigilância e seguranças internos para evitar acidentes e incidentes, o entorno do parque está fora do controlo da administração.
“Lá fora cabe às outras entidades tomar conta. Há muitos clientes que deixam de frequentar o parque ou, se o frequentam, por volta das 18h00 vão para as suas casas com medo de serem assaltados. E, geralmente, de terça a quinta abrimos às 10h00 até às 21h00. Nas sextas e sábados era suposto funcionarmos até às 00h00”, exemplifica.
Devido a essas preocupações, os horários estendidos não são aplicados. Os clientes têm pressa em retornar às suas casas por não se sentirem seguros o suficiente na área.
Apesar dos desafios, Moisés Alves, sócio-gerente do Parque 5 de Julho, acredita que os preços oferecidos são acessíveis.
O parque procura atender também as pessoas carentes, que não têm condições de pagar o valor integral. Por meio de parcerias com escolas e outras instituições, são oferecidos preços especiais, garantindo que essas pessoas não se sintam excluídas.
Moisés Alves afirma que o Parque 5 de Julho também desempenha um papel importante na comunidade, empregando jovens de bairros problemáticos.
“Oferecendo oportunidades de trabalho, mesmo sem formação específica, o parque contribui para que esses jovens possam afastar-se do crime. Se houver mais espaços como este, em que podem trabalhar mesmo sem formação, vão afastar-se do crime. Há necessidade de mais espaços do tipo para que os jovens ocupem o seu tempo, onde podem divertir-se, passar tempo, ou trabalhar”, observa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1122 de 31 de Maio de 2023.