O homicídio à queima-roupa, com um disparo pelas costas, de uma adolescente que estava na rua com amigos, na noite de 14 de Agosto, relançou o debate sobre segurança.
Um reacender do tema que aconteceu dois meses depois de ter estado na agenda do parlamento, na sequência do baleamento de um deputado, Manuel Moura, surpreendido por um assalto à porta de casa, em 28 de Maio.
O homicídio de Nilsa Lima, 16 anos, aconteceu na Ponta D’Água e o baleamento do deputado Manuel Moura ocorreu em Terra Branca.
E as outras zonas, ditas centrais? Redy Lima classifica a Praia como uma “cidade esquizofrénica”: “temos uma casa faustosa e, mesmo ao lado, uma casa de extrema pobreza”.
“Se olharmos para as estatísticas das ocorrências policiais, tanto contra a propriedade, como contra as pessoas, são os ditos bairros centrais” que lideram a contagem, como Palmarejo e Achada de Santo António.
São os bairros de maior concentração de bens, logo, “onde haverá mais pessoas para assaltar”, enquanto nos bairros periféricos e “despojados de recursos”, a criminalidade e violência têm outra lógica: funciona a “hipermasculinidade”, ou seja, há figuras que protegem o seu grupo.
Durante um trabalho de campo em comunidades mais afastadas do centro, o sociólogo já testemunhou situações em que os residentes pedem a grupos de bairro para resolver os seus problemas de segurança, em vez de apresentarem queixa à polícia.
Redy Lima critica o poder político, considerando que há dirigentes e instituições “que têm as fórmulas” para tratar destes problemas, “mas não o fazem, por desinteresse e por não terem uma agenda” de intervenção e desenvolvimento.
“Hoje em dia, o crime pode acontecer em qualquer sítio” da cidade da Praia, realça.
“Devemos evitar a criminalização da pobreza: o grande problema em Cabo Verde, e isto exploro há já bastante tempo, não é o crime de rua. Esse é consequência de uma outra criminalidade de que não se fala, que é o crime de colarinho branco”, destaca.
A cadeia continua a funcionar como “um contentor de pobreza”.
José Rebelo, polícia de carreira, académico e auditor de segurança interna, destaca que “o estereótipo tem sido muito usado por várias pessoas sem critérios científicos”.
Uma situação que agrava um “estigma” e que “não contribui para o bem-estar dos bairros ditos problemáticos pela linguagem jornalística”.
“Ao transformamos um grupo em criminoso, há uma forte possibilidade de o continuarmos a ver assim, enquanto outros nos escapam”, realça.
Os bairros periféricos “não são onde acontece a maioria das incidências criminais”, sublinha: nos últimos 13 anos, em sete deles a zona do Palmarejo, com mais recursos, tem sido aquela onde se registaram mais ocorrências.
“Apesar de os bairros carentes terem várias necessidades, há uma coesão comunitária que acaba por ser uma barreira à criminalidade”, ou seja, ruas onde há sempre gente e onde basta gritar ‘pega ladrão’ para alguém lhe deitar mão.
“Nos bairros dormitórios de classe média e alta, quando olhamos para as ruas à noite, estão quase sempre desertas”, ilustra.
Em 2022, a Polícia Nacional registou cerca de 400 ocorrências na zona central do bairro da Achada de Santo António, aquela que somou mais registos, seguido pelo Palmarejo, com cerca de 300.