“Os bons indicadores da saúde são um testemunho do quão resilientes têm sido os médicos cabo-verdianos” - Danielson Veiga

PorSara Almeida,24 set 2023 8:28

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Danielson Veiga, Bastonário da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos
Danielson Veiga, Bastonário da Ordem dos Médicos Cabo-verdianos

A Ordem dos Médico Cabo-verdianos (OMC) vai realizar, de 26 a 29 de Setembro, no Mindelo, o seu 5º Congresso Internacional, que decorre sob o lema “Inovar para aumentar o Acesso à Saúde”. O evento foi apenas o ponto de partida para uma conversa com o bastonário onde se fala da profissão do médico, ontem e hoje, das condições do exercício da profissão no país e nos desafios que a demanda por este profissionais a nível internacional coloca a Cabo Verde.

Uma maior valorização destes técnicos, assim como mais aposta (e reconhecimento) na especialização são algumas das reivindicações da classe, observa Danielson Veiga, que refere ainda a necessidade de uma nova relação entre o público e o privado, inclusive a nível dos seguros de saúde. Um outro tema abordado é a crescente procura por diagnósticos e tratamento no Senegal, um fenómeno sobre o qual deixa um alerta aos utentes: tragam o relatório médico.

A OMC vai realizar o 5º Congresso Internacional. O que está planeado para este evento?

É um Congresso que vai ser de grande importância para a OMC porque vai reunir toda a parceria que tem no exterior e em Cabo Verde, para juntos abordarmos temas que são prementes para melhoramento do nosso sistema nacional de saúde. Este ano o tema está relacionado com a inovação e facilitação do acesso à saúde, sobretudo na digitalização da saúde. Nós, que somos técnicos, somos quem está relativamente mais próximo daquilo que têm sido as mudanças. Queremos, então, de uma forma aberta, junto com os nossos governantes, ouvir aquilo que tem sido a experiência dos outros, nos outros países e ver o que é possível absorvermos para Cabo Verde. Há também inovações dentro de cada especialidade. Nós temos acima de 20 especialidades e à volta de 250 médicos especialistas em Cabo Verde e vamos ouvir, dentro das áreas, o que nos vão trazer e apresentar depois propostas. Vamos ter a colaboração de entidades de renome, como a Comunidade Médica de Língua Portuguesa (CMLP); médicos da diáspora cabo-verdiana nos EUA e na Europa e a participação de Macau. Da parte dos países que falam Português, só não vão estar presentes, a Guiné-Bissau e Timor-Leste.

Já voltaremos às especialidades. Num olhar geral, como é que a OMC avalia o estado da saúde em Cabo Verde?

Cabo Verde está sempre em mudanças e evolução. Na saúde em si, do ponto de vista da OMC, há necessidade de inovações, não apenas na parte técnica, mas também a nível estrutural, na forma como as coisas funcionam. Temos bons médicos, mas os médicos não se sentem valorizados, porque não tem havido um ajuste adequado no sistema de saúde, apesar de todos reconhecermos que Cabo Verde avançou muito na sua gestão como país, graças aos resultados que obtivemos na Saúde. Os indicadores de saúde são um indicador importante no desenvolvimento e Cabo Verde atingiu já a graduação de país de desenvolvimento médio graças a eles. Mas estes indicadores são, sobretudo, um testemunho do quão resilientes têm sido os médicos cabo-verdianos. É importante dizer: se não fosse a resiliência do médico cabo-verdiano, certamente não teríamos aquilo que temos em termos de registos de indicadores. O médico, com pouco, trabalha com motivação, e muitas vezes não lhe é dada a importância ou atenção [devidas], tanto da parte da sociedade, como dos responsáveis políticos – os médicos não se sentem bem recebidos, nem que há uma política orientada especificamente para a profissão médica. Há uma preocupação grande na infra-estruturação – o que eu penso que é uma coisa boa e temos estado a fazer muita pressão para termos equipamentos de qualidade nas instituições de saúde –, mas não na carreira do médico em si, como profissional, como cidadão. Esta é uma profissão relevante para qualquer país do mundo, como também a justiça, a educação… Mas, sem descurar a importância de outras áreas, sabemos que sem saúde não há economia, não há nada. Então, se não se pensa com alguma profundidade no que é a profissão médica, no estado de espírito dos médicos, penso que podem vir a acontecer situações difíceis no futuro. Se a nova geração perder a motivação, a resiliência daqueles que estiveram no sistema… vamos ter consequências

Mas quais são as principais reivindicações dos médicos?

Na carreira ainda há muita injustiça, porque a carreira é um processo, um vínculo em que o profissional vê manifestado, de certa forma, aquilo que tem sido o seu desempenho, a sua dedicação dentro do sistema. Em Cabo Verde, temos a carreira do clínico geral, do médico graduado, do assistente e do principal e dentro das categorias temos dois escalões, seniores e juniores. Ora, temos colegas que eram clínicos gerais, depois adquiriram a especialidade e deviam entrar na carreira de graduado. Mas, um médico, trabalha no sistema por três, quatro anos, vai para a fora, faz especialidade, volta para Cabo Verde e fica dez anos para passar da categoria de clínico-geral para graduado. Não é justo.

Então, tal como os professores, os médicos também reivindicam “reclassificações”?

Exactamente. Entendo que pode ser por questões financeiras, mas se a parte financeira é um problema, esse problema tem de ser partilhado de uma forma harmoniosa por todas as profissões. Não pode ser o médico, que não só tem de pôr em prática a sua competência, mas também estar física e mentalmente preparado para fazer esse trabalho. Depois, um médico de uma urgência pode consultar cerca de 50 doentes em 12h. No banco de urgência (BU) do HUAN circulam cerca de 200 doentes por dia. Imagine-se a qualidade da avaliação do médico. E a maioria dos doentes que vão ao BU, cerca de 80%, não tem doenças de patologia de urgência.

O sistema contempla que sejam atendidos nas estruturas primárias.

Com certeza, mas tem de haver educação, literacia na saúde, sensibilização das pessoas, e temos de ter também a responsabilidade de capacitar esses centros. Ter laboratórios e centros de radiologia para responder às demandas dos médicos no centro de saúde. O Instituto Nacional de Saúde Pública já tem em mãos o projecto, que eu saiba, de centros de diagnóstico fora do hospital. Está em carteira há mais de três anos, nunca mais ouvi falar disso. Além disso, quem encaminha o doente para o hospital, tem de ser um médico do centro de saúde e o BU só recebe pessoas com complicações. Esse médico tem de ser formado na medicina geral e familiar, ou saúde pública. Em Cabo Verde, ainda só temos três médicos formados na área de medicina geral e familiar, mas já se deu um passo firme com a formação de 25 médicos na área que deverão chegar ao país no próximo ano. Foi uma proposta entre a OMC e o Ministério da Saúde, e conseguimos abrir um curso de formação em medicina geral e familiar, feita de forma “mista”, entre Cabo Verde e Portugal. Ora, temos, neste momento, 32 centros de saúde em Cabo Verde, não vai chegar para todos, mas, com esses 25 médicos, de certeza que vamos começar a ver mudanças. Neste momento, o BU está sobrecarregado, os laboratórios e radiologia do Hospital estão sobrecarregados. Os médicos estão cansados e não têm tempo para fazer uma avaliação de qualidade porque o sistema não facilita, e o doente fica insatisfeito. O médico fica insatisfeito. O sistema também perde valor, porque as pessoas preferem ir ao Senegal ou, quem tem passaporte ou visto, a Portugal e aos EUA. O doente perde recursos e o próprio Estado perde.

Entretanto, sabemos que nunca houve tanto investimento na saúde como nos últimos anos, por causa da pandemia... 

Em relação à pandemia, realmente o governo fez um bom trabalho. Fez mudanças e investimentos, e penso que Cabo Verde é um dos poucos países do mundo em que não faleceu nenhum profissional de saúde. Tivemos um mecanismo tão bem montado, que penso que isso deveria dar um livro. Temos de partilhar essa informação, porque, como disse, a resiliência do médico cabo-verdiano, mas também do povo cabo-verdiano e de todos os profissionais da saúde - serventes, enfermeiros, técnicos auxiliares e outros -, todo o mundo dedicado a ajudar, trouxe uma vantagem muito grande. A pandemia deu-nos uma lição muito grande, mostrou que Cabo Verde quer fazer mudanças e consegue. Tivemos grande sucesso, e agora, que já se passou, volta tudo a ser como era... Eu penso que é possível mudar, tenho visto abertura da parte da ministra da saúde e já começamos a ver mudanças, sobretudo nas direcções. O sistema tem que fazer mudanças. Agora, temos que ver na prática o resultado de todas as mudanças que estamos a fazer.

Em relação aos médicos, todos os médicos no país têm emprego?

Não.

Mas não há falta de médicos?

Exactamente. É um assunto que também nos deixa boquiabertos, porque quando foi planeado todo o processo de abertura do curso de medicina em Cabo Verde, havia um plano, desenhado pela OMC na altura, que devia já contemplar um plano de formação médica especializada. Então, tinha sido decidido, com a direcção anterior do governo, que esses médicos ao terminar o curso de licenciatura em Medicina, entrariam imediatamente na formação especializada. Mas não há perspectivas para essa formação especializada, nem emprego. Estamos com falta de médicos, e ainda não houve uma integração desses colegas. Sei que vai ser aberto concurso para recrutamento de novos médicos para o sistema, certamente até ao final do ano, mas medicina não é uma área onde uma pessoa se possa formar, ficar em casa e esperar dois anos para trabalhar, porque perde capacidade. E o que nos preocupa muito é que esses médicos podem desaparecer de Cabo Verde. Eram cerca de 40, este ano vão sair mais de 20, vamos completar 60 médicos formados. Dez já não estão no país, saíram. Portugal, a Europa em geral está a pedir médicos, sei que alguns já estão em Inglaterra.

Agora vamos ser exportadores de médicos?

Exactamente. E há já duas empresas, que contratam médicos na Europa, que me contactaram, a dizer que estão preparados para absorver todos os médicos acabados de formar. Também há já enfermeiros que estão a ser contratados lá fora. Em Inglaterra já foi contratado um grande número de médicos e enfermeiros dos países anglófonos em África e também na América Latina, países em desenvolvimento. Quando há emigração dos técnicos o país empobrece, vai ter de formar mais pessoas e apostar na cooperação, que também tem o seu custo.

Mas qual tem sido a dinâmica migratória dos médicos em Cabo Verde?

Estão a sair mais médicos. Os que já estão empregados provavelmente ainda vão ficar, porque já estão aqui há algum tempo, têm responsabilidades por cá. Às vezes é difícil arrumar tudo e sair, mas muitos questionam se deveriam ter voltado ou não. Eu sou um deles, sinceramente. Formei-me no sul da China, tive formação em inglês, e oportunidades de trabalhar em Macau, Austrália, Canadá… Muitos, colegas meus estão a trabalhar lá. Eu não fui porque o meu pai, que era enfermeiro, achou que eu devia voltar para Cabo Verde, para fazer algo pelo nosso país. Senti-me comprometido e voltei, mas hoje olho para trás e vejo quem eu poderia ter sido se estivesse num país com melhores condições e investigação. Cheguei a Cabo Verde com essa motivação para a investigação, mas para mim, e também para muitos colegas, na altura, ser um médico que não quisesse voltar era ser pouco patriota.

70% dos médicos cabo-verdianos ainda não têm especialidade. Como a OMC vê estes números?

A melhor prenda que se pode oferecer ao médico é uma formação especializada, todos querem entrar numa área específica de que gostam mais. Há uma pressão muito grande sobre a OMC. Nós temos grandes parceiros em Portugal e no Brasil, que é onde se formam mais médicos cabo-verdianos. A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), por exemplo, mostrou abertura, tivemos inclusive um encontro com o Ministro de Saúde de Portugal, conjuntamente com a CMLP, que se mostrou aberto em ter mais especialistas a formarem-se em Portugal e nós queremos criar uma política de formação em que o médico é obrigado a voltar para Cabo Verde, que tem a ver com a contribuição do título. Está tudo desenhado com Portugal e Brasil, mas ainda não existe na prática e eu não tenho o poder de tirar um médico do sistema e mandá-lo fazer uma formação. A gestão é centralizada, e eu concordo, tem de ser o Ministério de Saúde a gerir. Entendo que quando um médico sai de uma estrutura de saúde para formação deixa uma lacuna, mas por isso é que nós queremos fazer formação de carácter misto, em sanduiche, parte em Cabo Verde, parte em Portugal ou no Brasil, de maneira que a pessoa não saia do sistema. A pessoa mantém o seu salário e com ele pode até reduzir-se o investimento, mesmo do Estado, para formação. O seu salário, e alguma poupança, pode ajudar o médico durante a formação lá fora e ele pode trabalhar durante o restante tempo. Hoje, com a digitalização do sistema, há possibilidade de formação online, pode assistir parte das aulas em Cabo Verde.

Qual é o plano para as especialidades? Têm definidas as especialidades prioritárias para o país?

Temos tudo planeado. Há uma lista de cerca de 12 especialidades prioritárias, que já apresentamos ao ministério e que já foi também compartilhada com os nossos parceiros. O desenho já está feito na OMC, já temos um plano de formação para todas as especialidades que existem em Cabo Verde e um plano para o seu reconhecimento porque agora atribuímos título. O título tem criado uma certa conclusão. Muitas pessoas fazem formação fora, mas quando chegam a Cabo Verde têm que passar por um escrutínio porque criamos um currículo estandardizado, dentro da OMC, em que um médico tem que ter essas valências para ter o reconhecimento de especialidade. Como se sabe, uma pessoa que é formada nos Estados Unidos não chega a Portugal e trabalha imediatamente. Vai precisar de entregar documentos na Ordem e esta vai ver se o currículo coincide com o currículo de formação de Portugal. Se não coincide, vai exigir que a pessoa faça um estágio em tal área para completar. Agora, aqui também é assim. As pessoas, muitas vezes, ficam zangadas e acham que Cabo Verde não tem capacidade para avaliar determinado país, mas a questão não é essa. A questão é ter o plano de reconhecimento, porque uma formação especializada difere de país para país. Há formações que cobrem mais áreas, e em Cabo Verde, nem temos capacidades para pôr em prática certas áreas de formação. Então, estamos a tentar fazer um currículo que se ajuste dentro daquilo que é a nossa capacidade.

Para lá da formação na especialidade, do conhecimento, é preciso equipamentos. Os médicos têm boas condições a esse nível?

Mais ou menos. Quando me formei, o tema do meu exame foi cirurgia laparoscópica, mas cheguei a Cabo Verde e não encontrei nada aqui, embora haja grandes esforços da parte de nossos parceiros. A diáspora tem apoiado muito, mas ainda não é uma rotina, porque acarreta algum custo e o nosso sistema de saúde é praticamente só financiado pelo Estado, não há uma participação activa de um sistema de seguro. O seguro ocupa-se essencialmente dos medicamentos, evacuação, fisioterapia e lentes. Então, o Estado fica obrigado a financiar tudo dentro do público, o que penso ser uma coisa errada. Devia ser um estilo misto, público-privado. Quando o Estado fica com tanta responsabilidade, não vai ter dinheiro. Temos de pensar de uma forma mais assertiva para promover a qualidade. A qualidade não está só na vontade do médico, está também na vontade do próprio Estado de ajudar os utentes. Não é um favor que está a fazer ao médico, é ao público. Mas Cabo Verde evoluiu, é verdade.

Há pouco falou dos doentes que preferem ser tratados no Senegal, e cada vez há mais a fazê-lo. Como é a OMC vê esta movimentação para o Senegal?

Tem problemas. Há casos em que a pessoa vai ao Senegal e tem um tratamento adequado, melhor que o nosso, diria. Mas, mais de 70% dos casos, a impressão que temos é que não são avaliados directamente por médicos. Muitas vezes, chegam cá e não trazem o relatório, nem a assinatura do médico que avaliou o doente. Trazem uns TAC ou exames laboratoriais, mas não o relatório médico para sabermos quem foi o médico que viu o doente. Por isso, faço um alerta às pessoas que pensam ir a Dakar: por favor, tentem saber o nome do médico, vejam qual o seu número de registo. Em caso de dúvidas, temos de contactar esse médico. Repito: há os que vão lá e fazem o bom tratamento, mas que cerca de 70%, não. Há quem chegue, diz que já está tratado e sai do sistema de controle, mesmo na oncologia, em que a pessoa tem de fazer terapia ou quimioterapia. Acham que já estão tratados, desaparecem. De repente aparecem com tumor metastático noutra parte do corpo. Porquê? Porque realmente não há uma disciplina em relação ao seguimento do doente. Um doente, quando vai a um país, faz o tratamento, e ao voltar para o seu país de origem sempre é acompanhado de um relatório, que é uma lei internacional. O doente não pode ser descartado, ‘já está pronto, pode ir’ e eu não me lembro de ver um doente trazer um relatório de Dakar. Tenho a certeza de que há bons médicos e bons hospitais, provavelmente melhor do que o nosso, mas as pessoas têm que ter cuidado, ver onde e com quem vão fazer consultas.

E quando vão para Portugal ou para os Estados Unidos?

Trazem tudo bem pormenorizado. O médico ali está regulamentado, é obrigado a fazer o relatório. Ao ler esse documento, eu também estou a aprender uma forma mais organizada de seguir esse doente, qual foi a terapêutica feita, e se houver dúvida, contactamos o médico.

Muitos vão para clínicas privadas. Como é que Cabo Verde deveria aproveitar melhor o privado?

Em Cabo Verde, a minha impressão é que tem havido alguma satisfação no privado. As pessoas dizem que os médicos dão mais atenção ao doente no privado do que no público e eu acho que pode até ser verdade, porque o médico no público vê 50 pessoas em 12 horas e no privado 4 ou 5. Ou seja, está mais à vontade para se sentar e falar com o doente. E o preço do privado em Cabo Verde é barato…

Mas não há, por exemplo, uma clínica aqui que faça cirurgias mais complexas.

Há vontade, mas como é que vamos abrir um hospital privado, uma clínica em que se faça cirurgias se vai ser muito caro e o utente não vai conseguir pagar uma cirurgia?

Mas os utentes pagam em Dakar, por exemplo. O que falha aqui?

As pessoas que vão a Dakar, a impressão que tenho, é que são pessoas de baixa renda. Quem vai lá é com apoio dos familiares, que colectam dinheiro. Quem tem maior poder económico vai a Portugal ou aos EUA. Mas ninguém vai investir se não tem retorno. A maioria das pessoas que vai a Dakar é porque não há alternativas no privado em Cabo Verde, e o privado não investe porque não há seguro de saúde. O nosso sistema de segurança social em Cabo Verde ainda é praticamente 100% público, o que eu acho injusto. As seguradoras querem abrir seguros de saúde privados, já há alguns, mas não têm muita expressão. Uma pessoa não pode pagar dois seguros de saúde e o INPS é obrigatório, embora muita gente não beneficie muito do INPS. Eu acho que a precisamos de dar mais alento, mais força, ao privado e o Estado vai poupar dinheiro apoiando o privado. Há uma parceria pública e privada, uma proposta de decreto-Lei para o efeito, que está pendente. Aí, o Estado define como é que o sector privado pode cooperar. A proposta de lei presente já foi elaborada há mais de 3 anos, discutida e ainda não foi ao Parlamento.

Quais os moldes dessa proposta?

Por exemplo, se um privado tem uma Ressonância Magnética, o Estado não precisa comprar um aparelho. O utente vai ao privado, e entrega os documentos, ou no INPS ou na clínica privada. O mesmo para cirurgias, internamentos, etc. A proposta coloca o INPS a cobrir essas despesas, porque a saúde é cara, mas tem retorno se todo esse plano dentro do sistema for bem desenhado.

Então com essa proposta de quadro legislativo haverá um novo impulso no privado?

Com certeza. Aliás, houve muitas empresas estrangeiras que quiseram abrir hospitais privados em Cabo Verde, mas ao conhecerem os nossos seguros de saúde, desistiram. Muita gente não vai a privado, não tem condições, então vai ao hospital e sobrecarrega o público e a qualidade fica deficiente. A legislação é importante, são coisas que já foram discutidas muitas vezes, mas fica-se sempre quase na mesma. Para mim, é fácil gerir o sistema nacional de saúde. Claro que tem as suas responsabilidades, mas penso que ajustes são necessários sobretudo nas áreas da parceria público-privado e também do seguro de saúde, que é fundamental. Isso, mais a criação de um programa de especialização dos médicos, e, pela capacidade que Portugal e o Brasil têm, há a possibilidade de se construir um sistema de saúde de qualidade nos países de língua portuguesa. Já foi discutido, vamos ter no Congresso representantes da CMLP e vai-se abordar todo esse tema. Portanto, penso que não é nada difícil desde que haja vontade, ficarmos parados é que não dá. Promessas que não são cumpridas também não.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1138 de 20 de Setembro de 2023.

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Autoria:Sara Almeida,24 set 2023 8:28

Editado porFretson Rocha  em  28 set 2023 10:14

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