Em Cabo Verde, manda a tradição que se celebre o feriado do Dia de Todos os Santos com uma espiga de milho assado no fogareiro ou cozido numa panela.
"Houve muita chuva em Agosto e Setembro" e a produção "é melhor que no ano passado", conta, ao caminhar por entre um milheiral à beira da estrada em Órgãos Pequenos, no interior da ilha de Santiago.
Mas o espectro da seca e da aridez paira sempre sobre o arquipélago e a chuva já falhou em Outubro: apesar da fartura em relação a anos anteriores, João pode não conseguir apanhar tantas espigas frescas para o feriado como queria.
É preciso procurá-las noutros pontos da ilha, como faz Sandi Tavares, 34 anos, e a mãe, conhecidas pela banca em São Filipe, envolta em fumo de um fogareiro, que espalha o cheiro da espiga assada pelas redondezas.
Ao lado há um panelão ao lume onde o milho é cozido.
"O dia 01 de Novembro é o dia do ano em que vendemos mais", conta Sandi, que costuma ter a companhia da mãe, que hoje não está: foi lá para o interior comprar mais milho, porque a chuva permitiu uma boa colheita em culturas de sequeiro -- e este milho sabe melhor do que aquele que é plantado em regadio, diz a vendedora.
Ao preço de 100 escudos, entrega uma espiga cozida a Francisco Mendes, 60 anos, residente na capital, um cabo-verdiano que conhece aquele sabor desde criança.
Agora, com a profissão de motorista, compra uma espiga sempre que as vê à beira da estrada, com a percepção de que, este ano, "a chuva ajudou" e que no dia 01 de Novembro vai haver milho para cumprir a tradição, ou seja, toda a gente guarda algum dinheiro para o comprar.
Percorrendo algumas estradas nas zonas rurais do sul da ilha, as plantações de milho estão por toda a parte, mostrando como a cultura ainda faz parte da dieta alimentar do arquipélago.
A produção de milho em Cabo Verde recuperou em 2022, após cinco anos consecutivos de seca, que conduziu a níveis de produção insignificantes.
A produção média de milho foi de 340 toneladas por ano, entre 2017 e 2021, mas no ano de 2022 o valor cresceu para 4.178 toneladas e este ano as perspectivas são optimistas, segundo o último relatório do Sistema Mundial de Informação e Alerta Precoce (GIEWS, sigla inglesa), uma ferramenta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
Marta Furtado, 61 anos, residente em Órgãos Pequenos, mantém uma horta familiar e mostra como as folhas de milho estão cravadas de marcas de lagartas, quase que as destruindo por completo.
"Tem muita praga", conta, mostrando que a chuva trouxe mais milho, mas também mais bicho.
Falta assistência e apoio em sementes por parte das autoridades para os pequenos agricultores familiares, como Marta e João Cabral. Este último refere que gostava de aproveitar os poucos meses de disponibilidade de água no seu poço (de Setembro a Janeiro) para plantar batata.
"Não quer apoio em dinheiro?" perguntamos. "Não. Dinheiro é vício", responde o produtor à Agência Lusa, insistindo no pedido de sementes, porque poderia vender a batata com uma boa margem.
Os dois olham para as encostas do vale onde residem e recordam os tempos de juventude em que todos os terrenos eram cultivados, uma época em que havia gente para trabalhar. Mas hoje os jovens não estão disponíveis para tratar das terras, trabalho que rende 1.000 escudos por dia.
"Não tenho ninguém para ajudar. Os jovens já não querem trabalhar na agricultura. Uns estão por aí, outros foram para Lisboa e outros lugares", conta, numa referência à emigração, "e as terras ficam abandonadas".
A sua própria família é o reflexo do que se passa: dos oito filhos, tem seis emigrados em Portugal, Espanha, Luxemburgo e EUA, juntamente com os netos.
Mas das encostas de São Lourenço dos Órgãos não vão sair João, nem Marta, prontos a festejar o dia 01 de Novembro e a contar os dias até que a água seque, levando-os a despedir-se da paisagem verde, que dará lugar a terras áridas até que a chuva decida voltar.