Inteligência artificial e cibersegurança vão mudar o mercado de trabalho

PorAndré Amaral,3 dez 2023 8:23

A Inteligência Artificial e a cibersegurança são temas de que cada vez mais se ouve falar e têm vindo a criar novas possibilidades de negócio e de criação de emprego. Mas que retrato é possível fazer deste sector em Cabo Verde?

“Aquele desenho que nós tínhamos há uns anos atrás da transformação digital mudou completamente. Há uns anos nós pensávamos em transformação digital, claro, sempre envolvendo as pessoas, com a colocação de automatismos, grandes sistemas, com menus, e muitas das vezes eram sistemas até complexos. Com a inteligência artificial isso muda completamente, a filosofia já não é a mesma. E as soluções de hoje são mais baratas e são mais simples de usar. Vamos deixar aquela filosofia dos menus, agora é texto para converter”, refere Antão Chantre, engenheiro informático, em declarações ao Expresso das Ilhas.

Antão Chantre não tem dúvidas de que estamos a assistir a uma verdadeira revolução e que há cada vez maior implementação da Inteligência Artificial no dia-a-dia de pessoas e empresas vai fazer desaparecer alguns postos de trabalho.

“Vai deixar de haver, por exemplo, ter a necessidade de uma pessoa estar a introduzir dados, de estar alguém a lançar uma factura. E vou mais longe, vai deixar de haver aquela pessoa que vai analisar os curricula vitae para um concurso”.

Para este engenheiro informático estamos a viver um período idêntico ao da Revolução Industrial. “Na altura, também se dizia que as máquinas iam substituir as pessoas nos trabalhos. As pessoas vão-se adaptando. O mundo sempre está a mudar. Agora, o importante aqui é as pessoas adaptarem-se à nova realidade. Isto é uma outra realidade. As pessoas têm que ser treinadas. Há que ter uma liderança”.

Num mundo em que a rapidez nas respostas é cada vez mais essencial, Antão Chantre defende que o que se exige é “solicitar uma pergunta a uma empresa qualquer e receber automaticamente a resposta”.

“O que tem acontecido nos últimos tempos é uma disrupção tecnológica muito grande”, defende, por seu lado, o professor universitário Arlindo Veiga.

Para este docente, “quem está no sector da educação sente a evolução da tecnologia. E isso tem um impacto enorme na questão da educação, e terá impacto também para o cidadão comum que, atualmente, tem alguma deficiência na utilização de tecnologia. É preciso que a tecnologia seja percebida por quem ensina e pelo cidadão comum”, à semelhança do que acontece com áreas como a economia, explica Arlindo Veiga.

Este docente não concorda totalmente com a ideia de que o ser humano venha a ser substituído por máquinas no mercado de trabalho.

“Eu acredito que muitas tarefas repetitivas podem ser perfeitamente substituídas pelas máquinas e que as pessoas que estavam a fazer essas tarefas repetitivas podem ser convertidas para fazerem coisas que exigem outra capacidade. As máquinas não vão substituir o homem em todas as tarefas, obviamente. Eu acredito que haverá sempre espaço para ter homem no circuito. Isto acabaria por criar vários problemas. Daí que é uma preocupação para quem se envolve nos sistemas de inteligência artificial falar naquilo que é a inteligência artificial responsável”.

Cada vez mais digitais, cada vez mais excluídos?

A crescente digitalização da sociedade com acesso a equipamentos cada vez mais poderosos obriga as pessoas a ter, pelo menos, uma literacia digital básica, defende este docente universitário entrevistado pelo Expresso das Ilhas.

“O cidadão comum, hoje em dia, tem de dominar equipamentos de que nos tornámos dependentes para podermos tratar de vários outros assuntos, às vezes assuntos quotidianos, como pagar água, pagar luz, em vez de ter que ir para uma fila. E é preciso que a sociedade se adapte a estas transformações. Mas é preciso ter algum cuidado também com o aplicar da tecnologia de forma cega”, aponta.

No entanto, defende Arlindo Veiga, é igualmente preciso ter em conta que há pessoas que não conseguem acompanhar esta evolução. “Pessoas que têm baixa literacia, no geral, pessoas com deficiência na utilização de tecnologias, pessoas com deficiência física, motora, mental, e pessoas que já não vão a tempo de adquirir as competências que hoje em dia são atribuídas a todos os cidadãos comuns. Estamos na era da inteligência artificial, da internet das coisas. Isto é o básico de hoje em dia. Mas é preciso que seja utilizado de forma cautelosa para que não crie guetos, não crie discriminação entre várias franjas da sociedade”.

Novas soluções, novos problemas

No entanto, a sociedade cada vez mais digitalizada enfrenta agora um novo tipo de problemas de segurança.

Péricles Pinto, empresário do sector informático, explica que com “os avanços tecnológicos e a aposta na digitalização” torna-se cada vez mais urgente uma aposta igualmente maior na segurança digital.

“A cibersegurança tem-se destacado como uma área importante na nossa sociedade uma vez que engloba a protecção de dados e serviços considerados críticos”.

Péricles Pinto lembra igualmente que, num tempo em que a sociedade é cada vez mais dependente do digital, nada nem ninguém está a salvo de um dia vir a ser alvo de um ataque informático.

A exposição ao digital teve um aumento exponencial com a pandemia da covid-19, defende este empresário. “A criação do sistema híbrido de trabalho presencial e a distância expôs pessoas e empresas a maiores ameaças através da internet e as ferramentas tradicionais de protecção como os anti-virus e as firewalls já não são suficientes para garantir a segurança, uma vez que os ataques são cada vez mais sofisticados”.

Pode a solução estar na defesa com recurso à Inteligência Artificial? “Pode, mas com a IA abrem-se igualmente possibilidades de manipulação que podem comprometer a sua integridade”.

Algo precisa, por isso, de mudar no que respeita à cibersegurança que, aponta Péricles Pinto, “tem sido o parente pobre da tecnologia”. “O investimento necessário nesta área é posto em segundo plano devido ao custo elevado e ao não retorno económico imediato”, explica.

Uma solução para uma maior cobertura de segurança electrónica passa pela partilha, defende Antão Chantre.

“As empresas estão sempre a falar de cibersegurança e vão fazendo alguns investimentos. Mas há factores que, para mim, são essenciais. Um, é a questão da colaboração. Ainda não existe em Cabo Verde uma organização capaz de analisar reportes, de receber alertas que depois são analisados. Ou seja, é preciso criar esse ambiente de partilha e de colaboração”.

Um outro factor é “as empresas começarem a adoptar práticas internacionais de segurança. Infelizmente, aqui em Cabo Verde só duas empresas têm certificados internacionais de segurança. E, por último, é necessário implementar um conceito que já é muito usado hoje e que é a questão da política do Zero Trust”, a confiança zero, que torna os vários sectores dos sites das empresas estanques entre si evitando ataques maiores.

“Vamos supor que eu sou um hacker. Eu entro numa empresa, mas eu não tenho acesso a toda a empresa. Por cada zona eu tenho de fazer uma validação. É como um prédio de escritório. Para eu entrar num gabinete tenho que ter uma chave. E isso é a política do Zero Trust”, explica Antão Chantre.

Segurança, segurança, segurança

Antão Chantre e Péricles Pinto defendem que a aposta na segurança digital tem de ser cada vez maior e que passa por coisas tão simples como a utilização segura da caixa de email.

“Deixar um email aberto, mesmo que se desligue o computador, é um risco, uma porta aberta para que através de um ataque se consiga aceder a dados tão importantes como os nossos contactos e outras informações pessoais”, explica Antão Chantre.

Péricles Tavares defende que “a monitorização deve ser constante através da implementação, pelas empresas, de um Security Operations Center”.

E aqui a Inteligência Artificial pode ter um papel central e “ser um grande aliado na ciberdefesa” uma vez que permite “melhorar a eficácia e aumentar a produtividade, aumentar a robustez e a resiliência, uma vez que em caso de ataques a IA poderá ser um bom aliado na recuperação e disponibilização de serviços críticos e fomentar o empreendedorismo”.

Antão Chantre aponta para a necessidade de se apostar em criar “políticas de formação. Simulações. Criar uma política de combate ao desastre. Se a minha instituição tiver um problema no centro principal um outro tem de arrancar. E se não adoptarmos isso vamos ficar cada vez mais frágeis”.

A segurança máxima não existe, assegura Antão Chantre “e os ataques são mais sofisticados”, no entanto, para se evitarem e não se ter essa fragilidade “precisamos de soldados digitais em Cabo Verde. É preciso ter isso. É preciso ter especialistas nacionais nessa área. Ter mentes que dominam essa área”.

Mais literacia digital

Hoje em dia, quase todos nós temos acesso a uma biblioteca infinita de informação. No entanto, defende Arlindo Veiga, “se formos fazer o paralelo em termos de um instrumento prático, de um instrumento para o dia-a-dia, para resolver problemas, para enfrentar desafios, podemos ter algum... A tecnologia tornou-se um vício tal como os jogos, as apostas, as drogas”.

É, por isso, necessária uma maior aposta na literacia digital. “Temos muito o que evoluir”, assegura Arlindo Veiga que lamenta o facto de muitos jovens terem “conta no Facebook, conta no Instagram, mas depois não sabem enviar um email e põem todo o conteúdo de um e-mail no assunto. Mas reconheço que já existem jovens que tiram proveito deste futuro que temos disponível”.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1148 de 29 de Novembro de 2023.

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Autoria:André Amaral,3 dez 2023 8:23

Editado porDulcina Mendes  em  4 dez 2023 7:40

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