“Eu acho que a ligação ao estrangeiro está mais fácil do que a ligação interilhas”, aponta João Domingos da empresa Qualitur ao Expresso das Ilhas.
Sediada no Fogo, esta agência de viagens procura atrair turistas para aquela ilha mas esbarra muitas vezes na falta de ligações internas.
“As ilhas do Sal, da Boa Vista e Santiago estão bem servidas de voos vindos de fora. Agora, as restantes ilhas, aquelas que dependem das ligações internas, já ficam mais prejudicadas em termos de preço ou mesmo de programação”, destaca João Domingos.
A falta de acesso a voos com a antecedência necessária que permita vender um pacote turístico alargado é um dos problemas, destacam os agentes de viagens ouvidos pelo Expresso das Ilhas, e a isso junta-se outros como “a quantidade de voos diários que às vezes não são suficientes”, diz João Domingos.
Detalhes que urge melhorar, aponta ainda o agente de viagens sediado na ilha do vulcão.
Carnaval e não só
Junto dos operadores ouvidos pelo Expresso das Ilhas há um sentimento comum: a necessidade de uma maior oferta tanto de voos interilhas como de ligações marítimas. Especialmente numa altura em que o Carnaval se aproxima.
“A procura é grande e o mercado doméstico até parece estar saturado há algum tempo”, diz Idino Évora da Verdemundo.
Com o Carnaval à porta, há muito tempo que já não há passagens aéreas disponíveis para aquela ilha. “Desde Dezembro que não há disponibilidade de lugares entre Praia e São Vicente”, aponta este operador sediado em São Vicente.
A solução, para este operador, é só uma e é “ter facilidades de avião, não é? Ter mais voos entre as ilhas, pelo menos nas mais procuradas”.
Na Praia, Conceição Monteiro, da Executive Tour, aponta para o mesmo problema com a agravante de ser impossível fazer a reserva antecipada de bilhetes.
“Agora para o carnaval, por exemplo, os pedidos que temos, só quando a pessoa nos pagar é que conseguimos comprar o lugar. Mas, muitas vezes, na data que a pessoa pretende, não há. Tanto para São Vicente como para São Nicolau não há disponibilidades. Pode-se encontrar um lugar hoje, outro lugar amanhã, mas, às vezes sair e voltar nas datas pretendidas não se consegue. Pode-se conseguir uma ida e não se conseguir o regresso”.
Outra possível solução é o aparecimento de concorrência, defende Conceição Monteiro.
“Na minha perspectiva, a solução era aparecer uma alternativa em termos de concorrência. Se entrasse mais uma companhia a fazer a ligação para as ilhas, falo de São Vicente, falo de São Nicolau – as ilhas mais procuradas de facto são São Vicente – mas se houvesse concorrência talvez desse. E a concorrência é necessária. Em todos os sectores, quando nós temos concorrência, nós primamos por prestar um melhor serviço. Neste caso não há concorrência, não existe”.
Turismo interno
A aposta no turismo interno tem sido um dos grandes temas de debate na sociedade. João Domingos sente que a procura está a aumentar, mas sempre condicionada pelo preço das passagens aéreas.
“Temos sentido algum aumento, sim. Só que com o preço dos voos, torna-se difícil principalmente para a ilha do Fogo ou São Nicolau, o que dificulta a programação dos clientes para o turismo interno”.
“Conseguiremos captar mais pessoas para turismo interno se tivermos preços mais competitivos, mais baixos. É preciso ter, em primeiro lugar, garantias de negócio a um preço razoável, para poder cativar os clientes ou incentivá-los a fazer as viagens. Do contrário, fica difícil.”, aponta por sua vez Conceição Monteiro.
Afirmações que são suportadas pelos dados do Instituto Nacional de Estatística. Segundo o relatório sobre as Estatísticas do Turismo – Movimentação de Hóspedes, do 3º Trimestre de 2023, os cabo-verdianos foram apenas 6,1% do total de hóspedes que ficaram instalados nos mais diversos estabelecimentos hoteleiros do país (ver quadro).
Ligações marítimas são alternativa?
“Eu acho que a questão das ligações marítimas neste momento está ágil. Entre Fogo e Praia, por exemplo, eu sei que já melhorou muito”, refere João Domingos que, ainda assim, defende uma maior quantidade de ligações entre a sua ilha e Santiago.
“Temos uma ligação que é bem definida e mesmo quando há problemas com o barco, a viagem é rapidamente reposta”, acrescenta este operador.
Conceição Monteiro aponta outro exemplo defendendo que a ligação entre São Vicente e Santo Antão poderia ser replicada na ligação entre Santiago e Maio.
“Sim, eu acho que sim, que poderia dar. Para Maio também pode-se fazer. Às vezes tenho pessoas que fazem Praia-Maio de avião e voltam de barco”, conta.
No entanto, esta operadora defende que ainda há muita resistência por parte dos passageiros às ligações marítimas. “Fazem-se, sim, para o Fogo, fazem-se para a Brava e entre São Vicente e Santo Antão. Mas nas ligações entre as ilhas de barco… as pessoas só vão em último caso”.
Uma perspectiva diferente
Visão diferenciada dos restantes operadores tem a Cabo Verde Connect que actua em Cabo Verde como GSA (General Sales Agent) da Bestfly.
Ao Expresso das Ilhas, Mário Almeida, explica que a sua agência actua em Cabo Verde fazendo a ligação entre a companhia doméstica e as agências de viagens e aponta para outras necessidades para além de uma maior oferta de lugares ou de um maior número de vôos.
“Em Cabo Verde, tendo em conta a nossa visão do lado da instituição, não é um tema fácil a conectividade interna. Não é fácil, porque ela é baseada num conjunto de ilhas com muitas dificuldades estruturais. Não é só da companhia aérea, mas de todos os aeroportos. 57% dos aeroportos não têm iluminação nocturna. Funcionam entre o nascer e o pôr do sol. Por isso, conectar todas as ilhas, num mesmo dia, é muito difícil”.
Quanto à reclamação dos agentes de viagem sobre a impossibilidade de se fazerem reservas antecipadas que permitissem a organização de viagens de grupo, Mário Almeida esclarece essa reserva não acontece para evitar que a mobilidade entre ilhas seja afectada.
“A companhia aérea não permite reservas. Permite emissões, compras. Ou seja, qualquer passageiro, qualquer agência que queira vender um bilhete não faz uma reserva. Compra o bilhete. Sob pena de, na verdade, a mobilidade ser afectada”.
Além disso, aponta, as agências de viagem são responsáveis pela venda de 93% dos bilhetes da Bestfly.
“Eu sei que algumas agências fazem esta queixa porque dizem que isto lhes causa dificuldades. Mas a nossa missão é a mobilidade doméstica”, acrescenta Mário Almeida.
Quanto à procura de outros destinos, a nível nacional, por parte dos turistas estrangeiros que visitam Cabo Verde, Mário Almeida reconhece que “a procura tem aumentado. No entanto, não é uma procura que nos garanta um crescimento sustentável” e que permita “a introdução de uma nova aeronave” no mercado nacional. “Neste momento não conseguimos rentabilizar um terceiro avião”, acrescenta.
Dificuldades infraestruturais
O problema da mobilidade interna tem, segundo Mário Almeida, vários factores e um deles é a falta de iluminação das pistas dos aeroportos. “A nossa operação tem que acontecer entre as seis da manhã até às cinco da tarde”, depois disso a falta de condições de iluminação nas pistas dos aeroportos de São Nicolau, Fogo, Maio e Boa Vista impedem as operações de voo.
“Este fim-de-semana recebemos um pedido de evacuação da Boa Vista. Nós não conseguimos ir, porque já era em cima do pôr do sol. No dia seguinte, tivemos que cancelar o nosso voo regular da Boa Vista para fazer essa evacuação de máxima urgência”, explica Mário Almeida que acrescenta que a Bestfly realizou em 2023 “mais de 100 voos para evacuação médica”.
“Nós não podemos continuar a pensar a mobilidade turística, de negócios e de lazer em Cabo Verde sem encararmos que as próprias infraestruturas ainda não estão preparadas e que a companhia não vai conseguir, não importa qual for a companhia, satisfazer toda a gente. A pista do fogo é limitada à descolagem. Nós, apesar de irmos lá com um avião de 72 lugares, só saímos de lá com 60 passageiros. No Maio um avião de 72 lugares, só sai com 55 passageiros. Vamos a São Nicolau com um avião de 72, só saímos de lá com 65 passageiros. Ou seja, na verdade, nós temos menos do que os 82% de ocupação se nós, na verdade, não retirarmos, não fizermos a redução da capacidade quando nós estamos a calcular o nosso load factor”, conclui Mário Almeida.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1158 de 7 de Fevereiro de 2024.