Eunice, 29 anos, uma jovem licenciada em Relações Públicas e Secretariado, decidiu há seis meses deixar Cabo Verde e emigrar para Portugal em busca de melhores oportunidades profissionais.
“Comecei a trabalhar na minha área de formação, mas tive de deixar e emigrar porque não tinha um grande contrato. Recebia pouco, não era o valor que eu estava a espera de receber enquanto licenciada”, revela.
Ao chegar a Portugal, Eunice encontrou uma realidade diferente. Embora não esteja a trabalhar na sua área de formação, destaca que o salário e os benefícios compensam.
A jovem descreve o processo de procura de emprego em Portugal como muito mais rápido e eficiente do que em Cabo Verde. “Há sites onde a pessoa pode meter o currículo e logo é chamada, mesmo se não houver vagas. Se não chamarem mandam um email. Em Cabo Verde, isso não acontece, é preciso chorar, rastejar e muitas vezes nem consegues e a impressão que fica é que há emprego apenas para sobrinhas, sobrinhos e conhecidos”, acredita.
Apesar dos desafios iniciais e da nostalgia de casa, Eunice diz-se determinada a construir uma carreira sólida em Portugal e não pretende regressar até que a situação mude.
Por sua vez, Maria (nome fictício), de 32 anos, também decidiu emigrar para Portugal em busca de melhores oportunidades.
“Profissionalmente, não me sentia integrada”, lamenta Maria, relembrando a sua experiência. “Acharam que a minha voz era do partido que tinha perdido as eleições e tiveram a ideia de parar o programa de TV e rádio do qual fazia parte. Isso deixou-me indignada e sem outra alternativa”.
Diante dessas dificuldades, Maria passou a buscar novas oportunidades, principalmente visando melhores condições de vida.
Até agora, em Portugal, não teve nenhuma oportunidade de emprego na sua área de formação.
“O mercado europeu é muito complexo, e a maioria dos emigrantes acaba trabalhando em áreas diferentes da sua formação para cobrir despesas e garantir documentos.”
Apesar das adversidades, Maria vê a emigração como uma oportunidade de crescimento. “Tenho mais oportunidades de ganhar dinheiro aqui do que em Cabo Verde, onde as oportunidades são limitadas.”
Maria diz que não prevê voltar a viver no país, já que a qualidade de vida, a nível da saúde, segurança, salário, entre outros, é muito melhor naquele país.
Impactos nas empresas
Ao Expresso das Ilhas, o presidente da Associação Empresarial de Cabo Verde (AECV), Andrea Benolli, diz-se preocupado com a contínua saída de mão-de-obra qualificada do país, especialmente do sector do turismo.
Essa tendência, conforme ressalta, tem impacto negativo na capacidade das empresas de oferecer serviços de qualidade aos turistas. Benolli também aponta a dificuldade enfrentada pelas empresas em manter o know-how e a formação ao longo dos anos, especialmente as pequenas empresas.
Conforme enfatiza, o problema vai além do salário, com os países europeus oferecendo melhores condições em termos de instrução, saúde, transporte e qualidade de vida.
“É um mundo que trabalha com uma velocidade diferente de Cabo Verde e que consegue oferecer muito mais aos próprios residentes”, afirma, referindo que muitos jovens que emigram pretendem chamar as suas famílias para se juntarem a eles no exterior, após alguns anos de trabalho fora do país.
Sobre a proporção da mão-de-obra qualificada no turismo que emigrou nos últimos anos, Benolli estima que cerca de 20% tenha deixado o país, o que representa um desafio significativo para as empresas locais.
Assim, destaca a necessidade de políticas públicas que invistam não apenas na quantidade, mas principalmente na qualidade da formação dos jovens.
“Não é uma proposta viável, infelizmente, mas seria importante que os jovens qualificados, formados com recursos públicos, permanecessem no país pelo menos nos primeiros anos de trabalho”, sugere.
Benolli acredita que a emigração de jovens qualificados representa um desafio persistente para Cabo Verde, sendo fundamental que as autoridades governamentais actuem de forma estratégica para lidar com essa questão e garantir o desenvolvimento sustentável do país.
Por sua vez, o presidente da Associação Jovens Empresários Cabo Verde (AJEC), Lenine Mendes, alerta que a emigração de jovens qualificados pode levar à escassez de talentos em sectores cruciais como medicina, engenharia, educação, negócios e construção civil, prejudicando assim a capacidade de inovação e o crescimento económico do país.
“Estamos a falar de fuga de cérebros, como é conhecido. São profissionais altamente qualificados que podem causar escassez em várias áreas”, explica.
Apesar das preocupações levantadas, Mendes reconhece que a emigração também tem o seu lado benéfico, por exemplo com as remessas enviadas pelos emigrantes, que contribuem para melhorar as condições de vida de muitas famílias no país.
No entanto, alerta para o impacto negativo na competitividade de sectores-chave.
“Se não temos mão de obra qualificada, se não conseguimos fornecer serviços de qualidade, podemos perder mercado para outros que a oferecem”, destaca Mendes, ressaltando a importância de abordar a questão da emigração com seriedade e buscar soluções que equilibrem os benefícios e os desafios que ela apresenta.
Relativamente às iniciativas em curso para enfrentar esse desafio, Mendes mencionou programas de estágio profissional, mentoria, capacitação e empreendedorismo jovem como exemplos de esforços para desenvolver e reter talentos locais.
Também aponta a necessidade de políticas que facilitem o retorno de jovens qualificados que emigraram, incluindo incentivos financeiros e a melhoria das condições de vida no país.
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Melhorar situação financeira das famílias é principal razão da emigração jovem
Segundo a coordenadora do Centro de Formação e Capacitação (CFC), Nélida Barreto, a taxa de empregabilidade dos jovens formados por este centro atinge aproximadamente 47,2%.
Conforme assegura a responsável, o CFC monitora de perto o destino profissional dos formados, fornecendo um ‘feedback’ valioso às entidades parceiras e adaptando os seus programas de formação às demandas do mercado local.
Segundo refere, a área de Educação de Infância e cuidados a dependentes é uma das principais áreas, com maior número de empregados.
Muitos dos formados naquele centro optam pela emigração em busca de melhores condições de vida e remuneração no exterior, segundo Nélida Barreto.
Quando questionada sobre as razão da emigração mesmo trabalhando na área de formação, a coordenadora menciona questões como falta de reconhecimento profissional, remunerações baixas e poucas perspectivas de progressão na carreira como factores preponderantes.
“Emigrar em busca da melhoria da situação financeira das famílias é a razão que predomina entre os nossos formados. Até mesmo para aqueles que, à ‘priori’, escolheram o estrangeiro para continuação de estudos, por circunstâncias diversas, acabam por abandonar os estudos, procurando novas alternativas, para assegurarem o seu sustento e da sua família em Cabo Verde”, declara.
Já no Centro de Capacitação e Formação Profissional dos Órgãos, a taxa de empregabilidade dos seus formados, alcançou 81% até Outubro de 2023. Aerthon Gonçalves, administrador da instituição, destacou a predominância de profissionais da área de hotelaria, restauração e turismo entre os empregados, com enfoque em alojamento e cozinha.
Gonçalves também abordou a tendência de emigração entre os formados, revelando que entre 3% e 8% dos jovens inscritos optam por abandonar o processo de formação para buscar oportunidades no exterior.
“Temos observado uma significativa parcela dos nossos formados buscando oportunidades além-fronteiras, principalmente na Europa”, afirmou.
Segundo o responsável, a razão dessa emigração é sempre a procura de melhores condições de vida.
“Aqueles que ainda não possuem o nosso certificado, fazem o possível para conseguir emigrar já com o certificado para poderem trabalhar nessa área”, explana.
Os dados mais actualizados sobre a emigração dos formados daquele centro estão a ser compilados, mas Gonçalves estima que entre 10% e 15%, desde 2015, tenham optado por trabalhar fora do país.
“Temos mantido contacto com muitos desses jovens, e constatamos que uma parte significativa deles está empregada na Europa, utilizando o nosso certificado homologado pelo Sistema Nacional de Qualificações e válido nos países da CPLP”, especifica.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1160 de 21 de Fevereiro de 2024.