Cabo Verde tem de “continuar a aumentar as vantagens competitivas para concorrer com os outros países da região”

PorAndré Amaral,17 mar 2024 9:15

Olivier Buyoya, Director Regional para a África Ocidental da IFC
Olivier Buyoya, Director Regional para a África Ocidental da IFC

Olivier Buyoya, Director Regional para a África Ocidental da Internacional Finance Corporation (IFC), esteve em Cabo Verde para apresentar o Diagnóstico sobre o Sector Privado Nacional. Em conversa com o Expresso das Ilhas este responsável reconhece a importância que o Turismo tem na economia nacional, mas destaca a necessidade da diversificação da economia nacional.

Começaria por perguntar qual é o quadro geral do sector privado em Cabo Verde.

O sector privado em Cabo Verde é muito resiliente e muito promissor. Penso que vimos como o país recuperou rapidamente da crise da COVID-19. Temos um sector privado dinâmico. O governo fez o seu trabalho, mas o sector privado foi fundamental. E o sector privado em Cabo Verde é diversificado. Temos grandes empresas, de propriedade estrangeira, em diferentes sectores, principalmente no sector do turismo. Mas a realidade é que 75% das empresas são PME que estão a operar nas diferentes cadeias de valor. São essas as empresas que criam e mantêm empregos. E são essas as empresas que vão aproveitar as oportunidades que se apresentam no país.

O sector privado vive numa espécie de monocultura do turismo. A economia, especificamente o sector privado, não deveria ser mais diversificada?

Deveria ser. E essa é, de facto, uma das recomendações do diagnóstico. Mas antes disso, vamos também reconhecer e perceber porquê. Desde a década de 90, o governo de Cabo Verde criou políticas e quadros para beneficiar e tirar partido dessas vantagens competitivas. É por isso que o turismo está tão desenvolvido. É importante compreender que, no início dos anos 90, havia apenas alguns milhares de turistas a vir para Cabo Verde. Em 2022, era quase um milhão, 785.000. Apoiado por um modelo que é o modelo all inclusive. E tem apoiado o crescimento da economia. Isto permitiu que o governo obtivesse receitas, investisse na educação, na energia, etc. Portanto, o sector do turismo tem sido extremamente benéfico para o país. O que fez o sucesso do país nos últimos 15 anos não é o que vai fazer na próxima década ou nas próximas duas décadas. É por essa razão que o país precisa de diversificar. Primeiro, no sector do turismo. Para além do modelo de sol e mar, há um turismo de alto valor que precisa de ser desenvolvido. Hoje, o sector do turismo está concentrado em duas ilhas quando há enormes oportunidades noutras ilhas para caminhadas, para desportos náuticos, para uma série de outras coisas. Esse é o sector do turismo de alto nível. Depois, há oportunidades em termos de sustentabilidade. A economia circular, por exemplo. E depois, a seguir ao turismo, há outros sectores potenciais. A economia digital. O país investiu massivamente em infra-estruturas digitais. Este é o momento de colher os benefícios desses sectores. Temos a economia azul. Portanto, o país está realmente numa encruzilhada em que tem de cimentar e consolidar as boas reformas que fizeram do país um destino turístico ao mesmo tempo que diversificam os sectores e a indústria do turismo.

Temos estado a falar sobre o que há de bom no relatório sobre o sector privado em Cabo Verde. O que é que precisa de ser melhorado? Quais são as principais dificuldades que o relatório identifica?

O relatório chama-se um diagnóstico. Quando fazemos um diagnóstico, temos em conta os prós e os contras, os pontos fortes e os pontos fracos. E como terão a oportunidade de o ler, trabalhámos com diferentes partes interessadas. Trabalhámos com representantes do sector privado, com o nosso homólogo no governo, com os nossos clientes para compreender realmente, também para poder beneficiar ou desenvolver estes sectores, o que é necessário fazer. Em primeiro lugar, penso que existe um entendimento geral de que o país precisa de continuar a melhorar o ambiente empresarial em geral. Em domínios como os concursos, por exemplo. O governo iniciou uma política muito ambiciosa para aumentar a concorrência em sectores-chave. Introduzir estruturas como as PPP no sector dos transportes, no sector da electricidade. Permitir que as entidades do sector privado desempenhem um papel quando tal for benéfico para o país. Refiro-me à energia. Cabo Verde é um dos países onde o custo da energia é o mais elevado da região.

Falou da economia digital. É uma aposta que o governo tem vindo a fazer nos últimos anos. Os parques tecnológicos na Praia e em São Vicente estão quase prontos. Agora começa a parte mais difícil que é torná-los atractivos para as grandes empresas. Qual deve ser o caminho?

Primeiro, penso que é importante começar pelas vantagens competitivas que o país tem. A infra-estrutura digital. Como sabe, Cabo Verde está no cruzamento de vários cabos submarinos que ligam África, Europa e América do Sul. Em segundo lugar, está o Estado de direito, a estabilidade política e a segurança de que o país goza. Isto é, na região da África Ocidental, extremamente importante em comparação com outros países. A terceira, e esta é muito importante, é a capacidade de acesso. Portanto, a nível dos transportes, penso que é fácil chegar a Cabo Verde, à Praia, ao Sal, entrar e sair. Agora, uma vez que temos tudo isso, é importante também ter em mente que Cabo Verde estará a competir com mercados maiores. A cerca de 500 quilómetros daqui, temos Dakar, onde também estão a ser construídos parques tecnológicos, e temos a Nigéria, o Gana e outros países. Por isso, o país terá de ser capaz de tirar partido da sua força, da segurança, do Estado de direito, da conectividade e da infra-estrutura digital para atrair essas empresas, ter as infra-estruturas digitais para atrair essas empresas. Claro que o ponto fraco será sempre o facto de ser um mercado pequeno quando comparado com os países vizinhos, mas penso que é possível. O último elemento importante é o capital humano. Investir na educação, nas competências, sobretudo na vertente digital, o país tem de progredir na inteligência artificial, ter uma política de inteligência artificial, ter as infra-estruturas que a acompanham, os centros de dados, etc., para que possa continuar a aumentar as vantagens competitivas enquanto concorre efectivamente com os outros países da região.

Nómadas digitais. Também são uma solução para o país?

É uma das áreas em que o país pode efectivamente expandir-se em termos de indústria do turismo. A base continuará a ser o modelo de Sol e Praia. Mas ao lado dele, entre as áreas em que o país pode desenvolver um turismo de alto valor, essa seria uma delas.

Outros países têm vindo a implementar vistos para nómadas digitais. Cabo Verde também deveria seguir esse caminho?

Penso que Cabo Verde vai beneficiar desse tipo de política. Mais uma vez, face às vantagens competitivas que o país tem, para aumentar o número desse tipo de turismo, facilitar o acesso ao país é essencial.

Na economia azul, as pescas também são uma aposta que o governo tem vindo a dizer que quer fazer. Na sua perspectiva que caminho é que Cabo Verde deve seguir?

A economia azul é sobre as pescas, mas é também a aquacultura. Relativamente às pescas, eu acho que dada à geografia do país e a sua história, é importante abordar com cuidado e pragmatismo. Porque por um lado, as pescas são um sector que faz a vida de muitas pessoas carenciadas no país pelo que a pesca artesanal é importante para elas. E é importante que o governo apoie esse segmento, para uma transição de formalização, para que possam realmente ganhar a vida e aumentar as suas receitas. Mas, ao mesmo tempo, há também um impacto sério, um impacto adverso no lado ambiental, na biodiversidade. E é por isso que tem que ser abordado com cuidado. É um acto de equilíbrio entre apoiar realmente os segmentos carenciados e, ao mesmo tempo, proteger a biodiversidade. E certificar-se de que isso é feito de uma uma forma sustentável. Mas na aquacultura penso que existem enormes oportunidades que ainda estão inexploradas, e que o governo está realmente a perseguir essas oportunidades.

A industrialização das pescas deve passar pela aquacultura, ou pelo investimento em navios maiores e com maior capacidade de pesca?

Por isso é que eu disse que é uma questão extremamente delicada. Porque a última coisa que nós queremos é ter uma industrialização descontrolada e insustentável. Eu acho que Cabo Verde, como país, não vai beneficiar, desse tipo de abordagem. Tem de haver um enquadramento. Por exemplo, tem de haver um programa para assegurar, para quantificar, para ter dados sobre as espécies de peixes que estão por aí. A industrialização descontrolada não será benéfica para o país, nem para a pequena pesca artesanal. A aquacultura, por outro lado, é algo, menos prejudicial.

A IFC tem vindo a apoiar o sector privado em Cabo Verde. Qual o investimento feito até agora?

Em primeiro lugar, permita-me que destaque o facto de termos aberto o nosso escritório na Praia há apenas dois anos. Temos estado presentes no terreno e apoiado os investimentos do sector privado nos últimos anos a partir de Dakar. Se olharmos para a nossa carteira actual, ela está perfeitamente alinhada com as oportunidades que são mencionadas no relatório. No ano passado tivemos muito orgulho em financiar o grupo VINCI que assinou uma concessão com o governo para gerir os aeroportos. Assim, financiámos a renovação de sete aeroportos e aeródromos em diferentes ilhas. Este é um testemunho do nosso forte empenho em apoiar não só o sector dos transportes, mas também o sector do turismo. No sector do turismo, temos apoiado tradicionalmente grandes grupos hoteleiros. O Grupo Oásis é um deles. Hoje, a nossa carteira em Cabo Verde passou de 2 milhões de dólares para 65 milhões. Provavelmente terminaremos o ano em torno dos 90 milhões. Mas para além do financiamento, o que também estamos a fazer é apoiar diferentes empresas e diferentes sectores com aquilo a que chamamos assistência técnica. Vamos dar início a uma série de formações e sessões com os bancos comerciais para apoiar o fomento da literacia financeira. Para apoiar os segmentos das PME, geralmente detidas por mulheres, que estão nos mercados ou no comércio para obterem conhecimentos básicos, formações básicas sobre como gerir contas, para que possam ser inseridas na inclusão financeira. Estamos a trabalhar com o governo na privatização de certos sectores. Estamos também, com o Banco Mundial, a trabalhar no sector da energia. E esperamos que, como discutimos anteriormente, à medida que o governo continua a progredir na agenda de introdução do sector privado em sectores-chave através de PPP, que possamos vir, não só a aconselhar o governo, mas também a investir ao lado das entidades do sector privado. Assim, a nossa carteira está a crescer. A nossa ambição está alinhada com as oportunidades que vemos em Cabo Verde, no sector privado.

Poderá Cabo Verde beneficiar da agitação social e política a que assistimos aqui na África Ocidental? Será esta uma oportunidade para Cabo Verde mostrar aos investidores que devem investir aqui?

Sim, sim, absolutamente. Em última análise, os investidores são pessoas muito racionais. Por isso, avaliam duas coisas. Basicamente, a oportunidade, o retorno potencial, e o risco. E tomam decisões racionais. Claro que Cabo Verde é considerado um ambiente seguro para investir. E é por isso que o turismo interno é uma oportunidade. Em Cabo Verde, temos uma vantagem competitiva em relação a todos estes mercados. Mas, ao mesmo tempo, Cabo Verde continua a ser um mercado pequeno. Por isso, as empresas que vêm para cá, para além do turismo, também vão precisar e querer visar os mercados do outro lado do oceano, na África Ocidental. Assim, em última análise, Cabo Verde beneficiará do primado da lei, do regime democrático, etc. Mas seria melhor se do outro lado também houvesse estabilidade, para que pudesse haver ligações. Se Cabo Verde for uma ilha de estabilidade num oceano de instabilidade, geralmente a nossa capacidade de crescimento é limitada por esse facto.

Como é feito este relatório? Existe uma fórmula genérica que é aplicada a todos os países? Ou presta-se atenção às especificidades de cada país?

É o chamado diagnóstico do sector privado. Portanto, em cada país, o diagnóstico é diferente. Mas o que estamos a tentar fazer, para continuar nesta direcção, para fazer uma analogia médica, a metodologia é a mesma. Portanto, a forma como abordamos o diagnóstico é a mesma. Mas os resultados no terreno são diferentes. O governo, o sector privado, as PME, todos contribuem para o relatório em termos da nossa reflexão. Agora, o resultado é o diagnóstico, ou seja, as oportunidades, os desafios, os constrangimentos. Mas a parte mais importante do relatório são, de facto, as recomendações em termos de reformas ou soluções que podem ser consideradas para aproveitar as oportunidades. É por isso que, no final do relatório, há uma lista de reformas por oportunidade. Assim, se olharmos para o sector do turismo, falamos do turismo doméstico normal, falamos do subsegmento nórdico, falamos da economia azul, falamos da economia digital. Para cada oportunidade há reformas que podem ser consideradas pelo governo para apoiar, para desbloquear essas oportunidades. E o que estamos a tentar fazer na IFC e no Banco Mundial é posicionarmo-nos de forma a podermos apoiar o governo se este estiver disposto a fazer essas reformas. O último ponto, e o que é realmente importante aqui, é que o diagnóstico e as conclusões do relatório estão muito alinhados com o PEDS 2. Assim, deverá ser mais fácil para nós trabalhar com o governo na implementação dessas reformas. Algumas delas já estão em curso. É por isso que estamos extremamente esperançados de que algumas dessas oportunidades se materializem num prazo muito curto.

Temos também de falar sobre a Economia Verde e a transição energética em Cabo Verde…

Actualmente, a percentagem de energias renováveis no cabaz energético é de cerca de 17%. A ambição do governo é atingir 57% até 2030. Faltam seis anos. Sim, é totalmente possível. Porque qual é a alternativa? A alternativa é uma energia cara, alimentada por combustíveis pesados. Dada à configuração do país, o combustível pesado tem de vir do estrangeiro e é preciso ter em conta os custos de transporte, por vezes os custos de disponibilidade, etc., enquanto o custo da energia renovável está a baixar, graças à tecnologia. Por isso, há espaço para o país passar gradualmente do dispendioso combustível pesado e da electricidade a gasóleo para as energias renováveis. Para isso, o governo precisa de acelerar a reestruturação ou as reformas, como a reestruturação da Electra. Porque se tivermos uma empresa de serviços públicos sustentável, será muito mais fácil atrair investimentos privados ao abrigo dos modelos de PPP. E, mais uma vez, este é um bom exemplo de uma reforma que já está em curso e é apoiada pelo Banco Mundial. O Banco Mundial está a apoiar a reforma da Electra e não há dúvida de que haverá efectivamente oportunidades para investimentos do sector privado. Na IFC já fomos contactados por uma série de operadores que pretendem investir em energias renováveis em Cabo Verde.

O governo tem estado a vender as suas acções em algumas empresas. Começou com os bancos. A Electra é também uma das empresas que o governo está disposto a privatizar. Deverá o Estado sair totalmente do capital destas empresas que podem ser consideradas estratégicas para o desenvolvimento do país?

É um dos constrangimentos que este relatório aponta, a necessidade de o país e o seu governo aumentarem a competitividade da economia. Ora, a questão da privatização é sempre sensível. Não estamos a dizer ao governo ou a recomendar a privatização como uma solução única para todos os casos. De modo algum. O que o relatório diz é que deve haver uma política ampla para avaliar sector por sector quais são as áreas que poderiam ser melhor servidas pelo sector privado em comparação com o sector público. E essa avaliação tem de ser feita pelo governo de Cabo Verde. Não cabe ao Banco Mundial, ao FMI ou a quem quer que seja dizer-lhes isso. E esses sectores podem ser diferentes em Cabo Verde do que no Senegal, do que no Gana. Em segundo lugar, uma vez tomada essa decisão a nível governamental, a nível político, nós, o Grupo do Banco Mundial, podemos apoiar o governo para implementar essas decisões. Por exemplo, se o governo decidir que é melhor que a Cabo Verde Telecom seja parcial ou totalmente detida por um operador privado, nós temos a capacidade e a experiência para aconselhar o governo nessa privatização, incluindo a forma de identificar um potencial investidor. Foi exactamente isso que foi feito nos aeroportos. O governo tomou a decisão que seria melhor se os aeroportos fossem geridos no âmbito de uma parceria público-privada por um operador privado. A VINCI foi seleccionada, e empresa tem, nos termos da concessão, a obrigação de renovar esses aeroportos. Nós financiámos esse projecto, essa expansão. Modelos semelhantes poderiam ser aplicados aos portos, ou ao transporte marítimo, etc. Mas é extremamente importante compreender que a decisão de trazer o sector privado para um determinado sector tem de ser uma decisão soberana baseada num modelo e numa avaliação dos prós e contras da participação do sector privado. E tem também implicações em termos de tarifas, por exemplo. E depois, uma vez tomada essa decisão, apoiamos o governo na sua implementação. O que podemos dizer, e isto é muito importante, é que não se trata de um modelo único para todos. E o modelo de que tudo tem de ser privado não funciona tal como o modelo de ter uma parte significativa da economia dominada por entidades estatais também não funciona.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1163 de 13 de Março de 2024.  

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Autoria:André Amaral,17 mar 2024 9:15

Editado porFretson Rocha  em  18 mar 2024 12:07

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