A presença do Banco Mundial em Cabo Verde mudou. Há agora uma nova abordagem que não era uma coisa habitual até há pouco tempo. O que é que, no fundo, vai mudar nesta abordagem do Banco Mundial a partir de agora?
O Grupo Banco Mundial é composto por cinco instituições: o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD), que concede empréstimos a países de rendimento médio; a Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), que apoia os países mais pobres com empréstimos em condições favoráveis e doações; a Corporação Financeira Internacional (IFC), que promove o desenvolvimento do sector privado; a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (MIGA), que oferece seguros contra riscos políticos e incentiva investimentos estrangeiros; e o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID), que resolve disputas entre investidores e Estados. Estas instituições, em conjunto, colaboram para combater a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável. Mas respondendo à sua pergunta, a mudança principal está na reorganização da representação do Grupo Banco Mundial. Anteriormente, cada uma das cinco instituições do grupo operava de forma independente, com pontos de contacto distintos. Agora, temos uma representação única, que, no caso de Cabo Verde, abrange as quatro principais instituições: o IBRD/IDA, IDA, IFC e MIGA. O objectivo desta integração é simplificar o relacionamento com os nossos clientes e parceiros. O acesso aos serviços do Grupo Banco Mundial será mais directo e mais eficiente, permitindo uma resposta mais célere às necessidades de desenvolvimento. Além disso, esta nova abordagem reflecte uma adaptação às crescentes complexidades dos desafios globais. O Banco Mundial tem consciência de que as soluções precisam ser mais integradas, mas também mais rápidas, mais simples e, acima de tudo, mais impactantes. Estamos também a reformular processos internos, reduzindo significativamente o tempo entre o planeamento e a implementação de projectos, o que garante resultados mais rápidos e eficazes.
Esta mudança implica também uma mudança nos projectos que o Banco Mundial vai apoiar a partir de agora? Porque antes era um apoio a políticas públicas de desenvolvimento, mas a IFC é mais virado para o sector privado.
Os projectos tradicionais do Banco Mundial, que visam o fortalecimento das políticas públicas de desenvolvimento, vão continuar. Contudo, a novidade está na ampliação do apoio às iniciativas da IFC e do MIGA, que são mais direccionadas para o sector privado e a mitigação de riscos. A nossa visão é maximizar os recursos públicos, canalizando-os para áreas essenciais do sector público, enquanto criamos condições para que o sector privado desempenhe um papel mais significativo no desenvolvimento económico. Por exemplo, a IFC já tem apoiado projectos de parcerias público-privadas, como a gestão de portos e aeroportos, e espera-se que essa abordagem seja replicada noutros sectores, como, por exemplo, o sector da energia. A construção e operação de parques solares por empresas privadas, com concessões de longo-prazo, é um exemplo concreto de como podemos combinar inovação, eficiência e sustentabilidade.
Dizia que o MIGA fornece garantias para riscos não comerciais. Como assim?
As garantias do MIGA são instrumentos que oferecem segurança adicional a investidores, ajudando-os a mitigar riscos não comerciais associados aos seus projectos. Esses riscos podem incluir instabilidade política, expropriações, desastres naturais ou alterações macroeconómicas que afectem o ambiente de negócios. Por exemplo, um investidor que deseje construir uma infraestrutura pode enfrentar o receio de que uma mudança de governo altere as “regras do jogo” ou que um evento imprevisto, como um terramoto, afecte o seu investimento. Ao obter uma garantia do MIGA, o investidor pode negociar melhores condições de financiamento junto aos bancos, pois o risco para os credores é reduzido. Esta ferramenta é particularmente útil para atrair investimentos estrangeiros em sectores estratégicos.
Foi anunciado um apoio do Banco Mundial ao Estado na área da saúde. Em que é que vai consistir esse apoio?
O novo projecto de saúde, denominado Programa de Segurança Sanitária na África Ocidental e Central (HeSP), é de âmbito regional e abrange não apenas Cabo Verde, mas também outros países da região. Com um orçamento total de cerca de 29 milhões de dólares para Cabo Verde, o projecto tem como objectivo principal a prevenção e preparação para crises sanitárias, bem como a resposta a surtos, como o actual caso de dengue. Adicionalmente, o programa inclui a capacitação institucional para que as entidades de saúde pública estejam mais bem preparadas para enfrentar futuras crises. Está ainda prevista a construção e modernização de infraestruturas de saúde, incluindo novos centros de saúde, para reforçar o sistema sanitário. Esta abordagem integrada pretende melhorar a segurança sanitária e reduzir a vulnerabilidade da região perante emergências de saúde pública.
O Banco Mundial apostou muito na questão da formação das mulheres. É para continuar?
Sim, a promoção da igualdade de género continua a ser central na nossa estratégia. Acreditamos que reduzir a desigualdade entre homens e mulheres é uma das formas mais eficazes de combater a pobreza, especialmente a pobreza extrema, que afecta desproporcionalmente as mulheres. O nosso Projecto em curso de desenvolvimento do Capital Humano em Cabo Verde reforça este compromisso através de várias iniciativas direccionadas, como o Programa de Inclusão Social e Produtiva, que oferece formação em competências interpessoais e empreendedoras, além de subsídios para pequenos negócios, beneficiando principalmente mulheres de agregados familiares pobres e vulneráveis. Além disso, no sector da educação, o projecto promove a igualdade de género ao integrar abordagens sensíveis ao género no currículo do ensino secundário e incentivar a participação de raparigas nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Também se destaca o facto de 71% dos beneficiários dos programas de formação profissional serem mulheres, reflectindo um esforço claro para capacitar este grupo e promover a sua participação no mercado de trabalho. No quadro do nosso projecto de Energias Renováveis e Melhoria de Desempenho dos Serviços Públicos, apoiámos também cursos na área de manutenção e operação de parques solares, com a participação de 43% de mulheres. Também investimos em literacia financeira, em parceria com cinco bancos locais, com foco em micro, pequenas e médias empresas, muitas delas lideradas por mulheres. Estes projectos, em conjunto, visam não apenas capacitar as mulheres, mas também mudar as condições que limitam o seu acesso a sectores mais bem remunerados, como o acesso a creches.
O sector informal com bastante peso ainda na economia nacional. Não pedindo que comente políticas do governo, que caminho é que se deve seguir para que este sector vá progressivamente diminuindo o seu peso?
É importante frisar que qualquer estratégia para reduzir o peso do sector informal, especialmente nas micro, pequenas e médias empresas, deve promover a transição gradual e sustentável dessas empresas para o sector formal. Do nosso ponto de vista, o primeiro passo é simplificar o processo de formalização. Muitas vezes, os trabalhadores informais não se formalizam porque os procedimentos são complexos e demorados. A digitalização dos processos administrativos pode ser uma solução, mas precisa ser acompanhada por acções de literacia digital para que as pessoas entendam e acessem essas ferramentas. Outro aspecto crucial é a introdução de incentivos fiscais. Muitas micro empresas operam com margens muito estreitas e receiam que os custos fiscais de se formalizarem superem os benefícios. Portanto, é necessário criar políticas que tornem a formalização economicamente atractiva. Além disso, quem se formaliza deve ter acesso a programas de formação, investimento e garantias, que não só ajudam essas empresas a crescer, mas também incentivam outros a seguirem o mesmo caminho.
Aposta-se muito no digital, mas depois acaba por não se explicar às pessoas como as coisas funcionam…
É fundamental destacar a importância de não apenas implementar a tecnologia, mas também garantir que as pessoas compreendam como utilizá-la. Pode-se afirmar que, embora o digital tenha grande potencial para transformar a sociedade e a economia, sem a devida educação e apoio contínuo, a adoção eficaz da tecnologia será limitada. Por isso, no programa digital que estamos a implementar, uma das reformas-chave é a transformação digital no ensino. Estamos a focar-nos no apoio a weblabs nas escolas, espaços dedicados ao uso da tecnologia, que visam promover a literacia digital desde cedo, preparando os alunos para o mundo digital. Apoiámos, também, a criação do Portal Consular e estamos a apoiar, também, na criação do Portal Único de Cabo Verde, que são plataformas digitais criadas para facilitar o acesso a serviços públicos e melhorar a eficiência no atendimento aos cidadãos. O nosso apoio visa melhorar a prestação de serviços, facilitar a interação com o Estado e promover a inclusão digital, contribuindo para a transformação digital do sector público. No entanto, é essencial frisar que são necessários programas contínuos de capacitação e sensibilização, de forma a assegurar que todos, independentemente da sua formação ou acesso anterior, se sintam confortáveis e capacitados para aproveitar as ferramentas digitais.
O gap salarial no sector informal ainda é grande. Enquanto um homem ganha, segundo o INE, à volta de 16 mil escudos por mês, as mulheres ganham em média 11. Como se combate isto?
A desigualdade salarial entre homens e mulheres no sector informal é um desafio complexo, que envolve tanto questões culturais quanto a falta de acesso igualitário a oportunidades de formação e qualificação. Os dados que avança são o reflexo, em grande parte, da concentração das mulheres em sectores e funções menos remuneradas, como os trabalhos domésticos. Por outro lado, os homens tendem a estar mais presentes em empregos técnicos, que oferecem melhores salários. No combate a esta disparidade, estamos a investir em programas de formação direcionados para mulheres, especialmente em áreas tradicionalmente dominadas por homens, como mecânica, canalização e marcenaria. Estes sectores não só oferecem salários mais elevados, mas também têm uma procura crescente no mercado. Além disso, é fundamental desconstruir normas sociais que limitam as escolhas profissionais das mulheres e criar políticas públicas que incentivem o seu ingresso em novos campos. É um processo gradual, mas com o apoio contínuo e o envolvimento de todos os stakeholders, acreditamos que será possível reduzir as desigualdades salariais e promover uma maior equidade no mercado de trabalho.
Em termos de grandes projectos, a IFC apoiou a VINCI e apostou também na área do turismo. Que novidades é que vai haver?
O turismo continuará a ser um dos pilares fundamentais da economia cabo-verdiana, mas com um esforço renovado para diversificar os investimentos e torná-los mais inclusivos. A aposta será apoiar não só grandes grupos internacionais, mas também iniciativas nacionais, com o objectivo de garantir uma base económica mais sólida e equilibrada. O turismo náutico é um sector com grande potencial para impulsionar o crescimento económico, especialmente devido à localização estratégica de Cabo Verde no Atlântico. No entanto, é necessário investir em infraestruturas, como marinas e portos, estabelecer regulamentações claras para garantir a proteção dos ecossistemas marinhos e promover a integração do turismo náutico com outras actividades, como o mergulho e o ecoturismo. Estas iniciativas podem beneficiar as comunidades locais e contribuir para a diversificação da economia do arquipélago. Para além do turismo, existe um interesse crescente em expandir para outros sectores, como a indústria farmacêutica, na qual Cabo Verde já é uma referência na região, e as indústrias ligadas à economia digital, azul e verde. Cabo Verde tem o potencial para se tornar um hub para serviços de transporte, manutenção e operações aéreas e marítimas, aproveitando a sua localização estratégica. O papel da IFC (Corporação Financeira Internacional) será identificar essas novas oportunidades e apoiar o sector privado, não apenas com financiamento, mas também com assistência técnica, para garantir que os projectos sejam sustentáveis e tragam benefícios a longo prazo para a economia do país.
O Banco Mundial faz parte do GAO e recentemente alertou para os riscos fiscais de uma nova companhia aérea. Pode explicar?
Empresas públicas no sector aéreo, historicamente, têm gerado riscos fiscais significativos devido a déficits operacionais. Quando uma empresa deste tipo acumula prejuízos, o governo muitas vezes é obrigado a intervir, comprometendo os recursos públicos. A nossa recomendação é que, caso Cabo Verde decida avançar com uma nova companhia aérea, esta seja bem gerida desde o início, com modelos de governança transparentes e uma avaliação clara dos riscos. O objectivo é garantir que o projecto seja sustentável e não se torne um fardo financeiro para o Estado.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1199 de 20 de Novembro de 2024.