Entrou em vigor a 21 de Março, o decreto-lei que estabelece a proibição da entrada e produção de plástico descartável no país, conforme anunciado no Boletim Oficial. Esta medida abrange uma variedade de produtos de plástico de utilização única, como cotonetes, talheres de plástico descartável, pratos de plástico descartável, palhinhas e varas para balões.
O Governo, ao justificar esta decisão, aponta para o crescente problema da poluição decorrente do aumento da produção de resíduos, particularmente a poluição por plástico, que afecta diversos ecossistemas, incluindo o meio marinho, a biodiversidade e a saúde pública. Além disso, reconhece que essa poluição pode acarretar prejuízos em sectores como o turismo e a pesca.
Com a entrada em vigor do decreto-lei, passa a ser proibida a comercialização, importação e distribuição de uma série de produtos plásticos de uso único, tais como copos para bebidas, talheres, pratos, tigelas, bandejas para refeições, agitadores de bebidas, cotonetes, palhinhas, embalagens e recipientes para alimentos. No entanto, há excepções para produtos biodegradáveis ou que contenham pelo menos 50% de material reciclado em sua composição. Também são proibidos recipientes feitos de poliestireno expandido, como cápsulas, tampas, caixas para alimentos e varas para balões.
Destaca-se que a nova lei do plástico, aprovada no ano anterior, estabelece um regime jurídico para a comercialização, importação, distribuição e produção de sacos, embalagens e outros objectos de plástico de uso único. Esta medida visa contribuir para a redução da poluição plástica e promover práticas mais sustentáveis no país.
População
Durante uma ronda pelo centro da Cidade da Praia, constatamos que muitos cidadãos desconhecem a proibição da entrada e produção de plástico descartável no país. Alguns usuários consideram a medida um tanto exagerada. “Não tenho conhecimento das leis, mas penso que se é uma coisa que toda a população usa e gosta. Deveriam buscar alternativas para que a população se habitue antes de a lei entrar em vigor”, opina Jesuilma, uma comerciante do mercado do Platô.
Na mesma linha, abordamos Emerson, um jovem que carregava uma sacola de plástico preto, típica das lojas chinesas. Emerson revela que sabe um pouco sobre o decreto-lei do plástico que entrou em vigor recentemente, mas admite que, na prática, não compreende completamente como funciona.
“Eu li sobre a recente proibição do uso de plástico, mas é algo que passa despercebido no dia-a-dia. Acredito que se fosse mais divulgado na comunicação, as pessoas estariam mais bem informadas e não cometeriam tantas infracções. Por exemplo, temos a sacola de plástico que não cumpre os requisitos de ter na sua composição pelo menos 50% de plástico biodegradável, mas é algo que um leigo não entende e acaba por ignorar por completo”.
Casas comerciais
Em conversa com a gerente comercial de um dos mini-mercados da capital do país, ela explica que entende a preocupação e o impacto que essa situação pode ter para muitos estabelecimentos. Como responsável por uma loja, a entrevistada, que preferiu prestar declarações em anonimato, diz que compreende que a proibição da comercialização de produtos de plástico de uso único é uma medida importante para proteger o meio ambiente e combater a poluição plástica. No entanto, sublinha que é compreensível que essa nova legislação possa causar dificuldades às empresas que já possuem produtos de plástico em estoque e aguardam encomendas.
“Como responsável comercial, posso dizer que a loja investiu em produtos de plástico com base na demanda existente e nas práticas comerciais vigentes até então. Não tinha conhecimento prévio dessa mudança na legislação e, como muitos outros comerciantes, estou agora diante do desafio de lidar com o estoque existente e as encomendas já realizadas. Apesar das dificuldades que essa situação pode causar no curto prazo, acredito que é importante priorizar o cumprimento da lei e encontrar forma de nos adaptarmos a essa nova realidade. Estou disposta a explorar alternativas mais sustentáveis e buscar soluções criativas para minimizar o impacto negativo nas operações da loja. Acredito que a lei deve ser melhor socializada e que a entrada em vigor deve ser aos poucos.”
Essa responsável defende que essa transição não será fácil, mas acredita que se todos os comerciantes tiverem tempo para evacuar o produto em estoque, estará prontamente comprometida em trabalhar dentro das novas directrizes e em colaborar com outras empresas e autoridades para garantir uma transição suave e responsável para todos os envolvidos.
Por sua vez, Patrícia Semedo, responsável pela loja Mundilar 5 de Julho, afirma que a loja já teve conhecimento da entrada em vigor do decreto-lei que proíbe a comercialização e a entrada no país de produtos plásticos de utilização única. Esta responsável compreende os impactos ambientais provocados pela poluição dos plásticos e assegura que a loja, da qual é responsável, já providenciou medidas para se adaptar à procura dos clientes e colaborar com o meio ambiente simultaneamente.
“Ao saber da entrada em vigor do decreto-lei, cancelamos as encomendas dos referidos produtos de plástico de utilização única e estamos em transição para produtos que sejam biodegradáveis e estejam em conformidade com as directrizes estabelecidas. Eu acredito que não haverá constrangimentos no cumprimento da lei. Se os produtos proíbidos não entrarem no país, as pessoas vão-se adaptar às novas opções. A preservação do meio ambiente e a promoção de práticas comerciais mais sustentáveis são objectivos que todos devemos apoiar e priorizar, mesmo que isso exija sacrifícios e ajustes a curto prazo”.
Análise Jurídica
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Júlio Martins Júnior, esclarece que não foi com a Portaria Conjunta de 5/2024 de 21 de Março que se estabeleceu a proibição de colocação e disponibilização no mercado de objectos de plástico de utilização única. Na verdade, este responsável explica que tal proibição já decorre da Lei 22/X/2023, de 18 de Abril, e que entrou em vigor no dia 15 de Outubro de 2023.
“Essa Lei veio estabelecer o Regime Jurídico de Comercialização, Importação, Distribuição e Produção de Plástico de Utilização Única e que se aplica a todos os sectores de actividade económica e industrial e a todos os agentes económicos que pratiquem tanto o comércio a grosso como a retalho, formal ou informal, e a todas as fases de fabrico, processamento e distribuição de materiais e objectos de plástico de utilização única, com excepção das áreas da saúde, da cosmética e de higiene pessoal”.
O Bastonário sublinhou que por uma questão de segurança jurídica, a Portaria Conjunta de 5/2024, de 21 de Março, veio estabelecer a lista dos materiais de plástico de uso único considerados proibidos.
“Embora a Lei 22/X/2023, de 18 de Abril, tenha entrado em vigor no dia 15 de Outubro de 2023, a verdade é que as proibições nela estabelecidas ainda não entraram imediatamente em vigor, por força de uma norma transitória que determina que as normas relativas às proibições constantes na presente Lei entram em vigor no período de um ano após a sua publicação, ou seja, no dia 19 de Abril de 2024. Consequentemente, as lojas que actualmente têm os produtos proibidos terão necessariamente de os retirar das prateleiras, na medida em que a proibição abrange igualmente a sua comercialização local”.
Não obstante tal proibição decorrer da Lei 22/X/2023, de 18 de Abril, o Bastonário explica que não deixa de ter relevância o facto de a lista de produtos proibidos ter sido publicada há menos de um mês da data de entrada em vigor daquelas proibições. “Pelo que, é admissível que os comerciantes venham a sentir alguma dificuldade em fazer escoar o seu estoque num curto espaço de tempo. Por esse motivo, acreditamos que as autoridades irão ser sensíveis no tratamento do tema, pelo menos durante um certo período inicial, tendo em conta os princípios da proporcionalidade, adequação, defesa dos interesses dos comerciais, bem como as suas legítimas expectativas”.
“O ideal seria o Governo ter aprovado e publicado essa lista como anexo à Lei 22/X/2023, de 18 de Abril, proporcionando assim um quadro claro e seguro de actuação aos comerciantes, protegendo os seus interesses económicos. Não o tendo feito, gera-se agora esta situação desconfortável e que impõe bom-senso a todos na interpretação e aplicação do quadro legal. Em termos de fiscalização, a lei atribui competências a um vasto conjunto de entidades públicas para levantarem autos de notícias em caso de violação de proibições de comercialização, nomeadamente, as autarquias locais, dentro das áreas de jurisdição, bem como as autoridades policiais e a IGAE”.
Estão previstas na lei a aplicação de sanções em caso de incumprimento, nomeadamente coima de 10.000$00 (dez mil escudos) a 300.000$00 (trezentos mil escudos) ou de 50.000$00 (cinquenta mil escudos) a 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos), consoante o agente em infracção seja, respectivamente, pessoa singular ou colectiva, além de sanções acessórias. Este novo quadro legal surge no âmbito da Convenção de Basileia sobre resíduos perigosos da qual Cabo Verde é parte. Essa Convenção lida com a problemática da gestão dos resíduos nas suas várias vertentes, para tomar o pulso ao enorme desequilíbrio ambiental provocado pela gestão inadequada dos resíduos de plásticos.
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Ministério da Agricultura e do Ambiente
Rumo a um Futuro sem Plásticos de Utilização Única
A Direção Nacional do Ambiente esteve no terreno para sensibilização e socialização sobre a entrada em vigor da lei de proibição de plásticos de utilização única. Num esforço determinado para proteger o ambiente e promover práticas sustentáveis, Cabo Verde dá um passo decisivo em direcção a um futuro mais verde e sustentável.
A implementação da lei de proibição de importação e comercialização de plásticos de utilização única é um marco crucial nesse caminho. Nesta jornada rumo à sustentabilidade, uma equipa da Direcção Nacional do Ambiente está actualmente no terreno, trabalhando lado a lado com operadores económicos e comerciantes. O objectivo? Não apenas cumprir com as regulamentações, mas também educar e sensibilizar sobre os impactos negativos dos plásticos de uso único no nosso ecossistema.
Em reuniões produtivas, a equipa compartilhou informações cruciais sobre os efeitos dos plásticos descartáveis no ambiente marinho e terrestre, bem como a apresentação de alternativas viáveis e acessíveis aos sacos de plástico tradicionais. É crucial reconhecer que esta transição não acontece da noite para o dia. No entanto, com uma abordagem colaborativa e determinação mútua, pode-se alcançar o objectivo proposto. O tempo de agir é agora.
“Apelamos a todos os cidadãos cabo-verdianos a se juntarem a nós nessa jornada. Juntos, podemos criar um ambiente mais limpo e sustentável para as gerações futuras. Vamos abraçar essa mudança. O futuro do nosso planeta depende disso”, lê-se numa postagem do Ministério da Agricultura e Ambiente na sua página do Facebook.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1167 de 10 de Abril de 2024.