Os Global Carrier Community Meetings são eventos de destaque no cenário da indústria das telecomunicações a nível global, sendo realizados em países-chave de regiões estratégicas para o sector. Com foco na inovação e na exploração de novas oportunidades de negócio, cerca de 150 líderes, especialistas e stakeholders vão reunir-se em Cabo Verde para partilhar reflexões sobre as tendências e o futuro da indústria. A Carrier Community, criada em 2008, é um clube global exclusivo de telecomunicações e plataforma de media, marcas e redes do sector para provedores de serviços de telecomunicações, incluindo voz, dados, SMS, dispositivos móveis, Data Centers e outros sectores relacionados. Desde o seu lançamento, o clube de telecomunicações qualificou mais de 8.500 membros, representando mais de 2.300 operadoras, de mais de 130 países. A Carrier Community oferece à indústria um ponto de encontro onde os membros podem compartilhar ideias, contactos e informações comerciais, têm a possibilidade de conectar-se com os pares, ter acesso às últimas notícias do sector, publicar artigos e anunciar as empresas nas publicações do clube. João Domingos, Presidente do Conselho de Administração da Cabo Verde Telecom, explica ao Expresso das Ilhas o que vai estar em cima da mesa nesta cimeira do Sal.
Vamos falar deste Global Carrier Community Meeting, em primeiro lugar. Como é que surgiu esta oportunidade de ter este encontro em Cabo Verde, recebido pela CVTelecom?
Somos membros da Carrier Community há cerca de dois anos e no encontro que se realizou em Omã, no outono passado, desafiamos a Carrier Community a realizar, pela primeira vez, o seu encontro na região ocidental africana. Zanzibar, do outro lado do continente, já tinha recebido este encontro por duas vezes. Pela primeira vez surgiu esta oportunidade de termos aqui, na África Ocidental, esta grande família de operadores de telecomunicações, que trabalham em rede, através desta comunidade, e que, ao mesmo tempo, aproveitam esta rede como uma oportunidade de fazer negócios. Quando desafiamos a Carrier Community a escolher Cabo Verde, pensamos logo que seria uma grande oportunidade para mostrar aquilo que Cabo Verde tem vindo a fazer e a importância do nosso país no ecossistema digital a nível regional.
Estes encontros costumam ser realizados em países-chave de regiões estratégicas para o sector. Por isso, o que significa, este evento para Cabo Verde?
Antes de mais, é uma grande oportunidade para mostrarmos aquilo que temos vindo a fazer no sector digital. Sabemos, através dos diversos relatórios e dos indicadores, que Cabo Verde, na região ocidental africana, tem dado um salto significativo. E também partimos da experiência mais recente de Cabo Verde na realização de grandes eventos para ajudar o país a erigir-se como uma plataforma de realização de encontros a nível internacional e acolher os eventos internacionais que ocorrem um pouco noutras geografias. Temos, nos últimos tempos, assistido a um grande esforço do governo no investimento no sector digital, juntamente com a Cabo Verde Telecom, por exemplo, o investimento nos cabos submarinos internacionais. E queremos mostrar a esses operadores internacionais que existe uma oportunidade aqui em Cabo Verde, assim como, juntamente com os outros players nacionais, aproveitar a oportunidade para nos posicionarmos como fornecedores de soluções e de serviços no digital.
No fundo, é uma apresentação de Cabo Verde, a quem ainda não conhece, do ponto em que o país já está em termos tecnológicos.
Exactamente. Digamos que o encontro da Carrier Community na ilha do Sal pode ser uma vitrina para mostrarmos o estágio de desenvolvimento do sector das telecomunicações e do digital em Cabo Verde e o potencial que o país representa para o mundo.
E o que é que Cabo Verde significa neste momento para o sector?
Diria que temos estado, um pouco, na vanguarda, mas, obviamente, que dada a dimensão do país, nem sempre é perceptível o estágio de desenvolvimento do sector das telecomunicações e da economia digital cabo-verdiano. Ou seja, nesse oceano do digital, nós somos uma gota d'água, não é? Neste momento, eu diria que, ao amarrarmos os cabos que transitam pelo atlântico médio, Cabo Verde concorre para a melhoria do sector na sub-região ocidental africana e para a ligação dos continentes Europa e América a África, de forma segura e estável e com uma latência bastante reduzida. Isto é, a nível mundial agregamos muito valor ao sector. A nível nacional, obviamente, temos dado passos significativos na transição digital e os programas de governação eletrónica justificam aquilo que eu acabei de dizer.
Estes encontros servem para partilhar também conhecimentos, estratégias, há casos de estudos de produtos, etc. Qual acha que vão ser as tendências em debate neste encontro aqui em Cabo Verde?
Nestes encontros participam operadores de diversos países e alguns com dimensão multinacional e, actualmente, os grandes desafios estão associados às questões da cibersegurança e dos grandes investimentos que se têm que fazer para acelerar a transformação tecnológica a nível mundial, por vezes disruptiva, que obrigam os operadores a olhar para a sustentabilidade dos seus negócios e, ao mesmo tempo, realizar os investimentos necessários para se poder estar em alinhamento com o estado da arte. A questão da Inteligência Artificial e da cibersegurança estarão em debate seguramente. As oportunidades de negócio e o aproveitamento de alguma sinergia entre os operadores que estão na mesma geografia, para concorrer para a melhoria do digital à escala global, poderão também estar em cima da mesa.
Como é que os operadores estão a abordar essa questão da cibersegurança e da protecção de dados? E quando falo de operadores, peço o exemplo, claro, da CVTelecom.
Obviamente que constitui um desafio para nós, aliás, todos os países têm-se preocupado com o tema da cibersegurança. Nós, normalmente, acompanhamos as tendências da União Europeia e temos essa questão como sendo central aqui no país. O Governo de Cabo Verde criou uma entidade para se ocupar desta temática e as operadoras estão obrigadas a cumprir as normas da protecção de dados e da segurança individual das pessoas. Obviamente que os desafios da cibersegurança, colocam com maior acuidade por estarmos inseridos numa rede mundial. E quando surgem alguns ataques cibernéticos, a questão da protecção de dados pessoais salta ao de cima imediatamente. Por isso, investimos grandes somas na cibersegurança para garantir a protecção dos dados individuais.
Por falar em Inteligência Artificial, a velocidade dos desenvolvimentos da IA a que temos assistido, principalmente, no último ano, apanhou os operadores de surpresa ou já estavam a contar que isto, mais cedo ou mais tarde, viesse a acontecer?
De surpresa, não diria totalmente, mas creio que se antecipou. Creio que chegou um pouco antes do tempo. E está a desafiar as operadoras a rodearem-se de medidas para que a Inteligência Artificial seja uma ferramenta, um instrumento ao serviço da comunidade nacional e internacional e que não comprometa a segurança das pessoas e a segurança do mundo. Obviamente que, a nível dos países mais desenvolvidos, tem levantado uma série de questões e com sugestões até para travar o desenvolvimento da Inteligência Artificial. Mas não creio que por essa via se consiga o efeito desejado. O melhor que se pode fazer é adoptar medidas que acompanhem o desenvolvimento da Inteligência Artificial, mitigando os riscos que daí possam advir para a nossa segurança.
Tem participado nestes encontros, tem falado com outros operadores e eu terminava esta questão dos desafios com os desafios regulatórios. Quais são os desafios comuns, neste momento, aos operadores do sector?
As entidades reguladoras procuram promover a concorrência, proteger os consumidores, ao mesmo tempo que se preocupam com a sustentabilidade das operadoras, porque se não houver investimentos com retorno, não haverá desenvolvimento do digital. É nessa linha que eu vejo que as entidades reguladoras devem, a nível global, adoptar medidas que concorram para o desenvolvimento do sector digital e colocam o sector ao serviço das populações. O papel dos reguladores, nesse sentido, deve ter um certo equilíbrio para fazer com que as populações beneficiem e que os operadores possam acompanhar, com os investimentos necessários, para servir melhor as comunidades.
Quando tomou posse, em 2020, disse que no seu mandato a grande aposta seria o reforço da transformação digital de Cabo Verde. Neste momento, e falo a nível global, mas também do país logicamente, qual tem sido o papel das operadoras nesta expansão da conectividade global e, ao mesmo tempo, na redução da lacuna digital?
Em primeiro lugar, com os investimentos que estamos a realizar aqui em Cabo Verde, tanto em redes móveis como em fibra óptica, estamos a melhorar significativamente a cobertura do país, permitindo que todas as populações, mesmo as mais recônditas, tenham acesso ao digital. O digital, como eu disse, é uma ferramenta, é um instrumento ao dispor das pessoas e para o desenvolvimento do país. Quanto mais cobertura digital tivermos, melhor estaremos, mais condições vamos criar para que as pessoas concebam as suas próprias oportunidades de negócio, tenham acesso à educação e, diria mesmo, à saúde, porque hoje em dia em Cabo Verde a telemedicina já é uma realidade, graças ao digital. Ao mesmo tempo, também estamos a procurar escala a nível internacional para reduzir os custos dos grandes investimentos que realizamos nos cabos submarinos internacionais e nacionais. Cabo Verde, sendo um arquipélago, só consegue desenvolver o digital através de cabos submarinos, que exigem um investimento significativo. Portanto, estamos a procurar reduzir os custos para os nacionais, procurando escala através de negócios no exterior. Neste momento, já estamos no Brasil, praticamente em fase de licenciamento, e também estamos em Portugal, à procura de uma autorização para estabelecer negócios com outros operadores.
Com a pandemia e a compreensão que as empresas tiveram, de repente, que tinham de apressar a sua transformação digital, isso provocou alguma pressão extra nos operadores, como a CVTelecom?
Obviamente que sim, porque aquilo que antes se estava a fazer de uma forma mais lenta, passou a fazer-se com maior velocidade. Veja, adquiriram-se novos hábitos: o trabalho remoto, as reuniões online. E com isso tivemos que melhorar a qualidade e o nível do nosso serviço para poder atender a essas solicitações.
Qual foi a estratégia para gerir de forma mais rápida a transformação digital e responder às exigências dos consumidores?
A estratégia foi focar nos investimentos centrais e orientados para a procura específica que se estava a fazer, mesmo que em detrimento de algum segmento de negócio, como a telefonia fixa tradicional. Ou seja, sacrificar um pouco esse segmento de negócio para se poder ir ao encontro das expectativas das populações, das pessoas e dos consumidores.
Por falar em estratégias, há alguma surpresa que a CVTelecom tenha na manga para o mercado?
Estamos a trabalhar juntamente com o Governo, acompanhando a política do sector, para colocar Cabo Verde na montra da região ocidental africana e fazer com que Cabo Verde se eleve em gateway para os três continentes. No fundo, aproveitar a nossa localização geográfica e o nosso clima de paz e segurança e transformar essas vantagens em ganhos para a nossa economia.
Quais são as oportunidades de crescimento para os operadores nos próximos anos?
Apostas fortes na internet de banda larga, na redução da latência e na cobertura wireless.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1168 de 17 de Abril de 2024.