O mercado do Platô, na Cidade da Praia, é um ponto central de abastecimento para muitos moradores e tem enfrentado um aumento significativo nos preços dos legumes. De acordo com as vendedeiras entrevistadas, a maioria dos clientes reclama constantemente dos preços elevados dos produtos.
“Os clientes reclamam todos os dias. Dizem que não conseguem mais comprar a mesma quantidade de legumes que antes. O preço nunca foi estável, mas, de uns tempos para cá, começou a subir desenfreadamente. Nós, que compramos dos produtores para vender e garantir o nosso sustento, também sentimos este aumento. Às vezes, sentimos vergonha dos clientes, mas isso está fora do nosso controlo”, desabafa Maria, uma das vendedeiras do mercado.
Na mesma linha, abordamos Dulce, outra vendedeira, que se mostrou esperançosa quanto à possível queda dos preços. Ela aponta que, todos os anos, nos meses em que se espera pelas chuvas, há sempre um aumento nos preços de legumes e hortaliças.
“Todos os anos temos essa subida de preço na época das chuvas, mas acredito que logo os preços vão diminuir. Os produtos que estão mais caros, como o pimentão, a mandioca e a batata-doce, acredito que vão baixar de preço. Temos de ter paciência; os clientes estão a reclamar porque o salário não está a acompanhar esse aumento. Ao mesmo tempo que temos o preço de alguns legumes alto, temos de lembrar que actualmente tudo aumentou de preço significativamente: legumes, carne, peixe, no geral tudo.”
“Nós entendemos que os preços estão subindo por causa de muitos factores, mas os salários das pessoas continuam os mesmos. Isso cria um desequilíbrio”, destaca Ana, outra vendedeira que trabalha no mercado do Platô há mais de 15 anos. Ela explicou que o aumento do custo dos produtores é repassado para elas, o que, por sua vez, eleva o preço final ao consumidor.
Apesar das dificuldades, algumas vendedeiras apontam que ainda existem produtos cujo preço é relativamente acessível, mas alertam que isso pode mudar. “Alguns produtos ainda estão num preço que dá para os utentes comprarem sem gastar muito, mas se as chuvas não chegarem, o país vai ter sérios problemas”, considera Teresa, uma veterana no mercado Cotxi Pó.
Produtores
Os consumidores e as vendedeiras concordam que a intervenção do governo é necessária para estabilizar os preços dos produtos agrícolas. “Se o governo disponibilizar mais apoio aos agricultores, na questão da água de rega, adubagem um pouco por cada área, talvez isso ajude a manter uma estabilidade no preço dos produtos que dê para os utentes terem acesso aos mesmos”, sugere Maria de Fátima, abordada no Mercado de Achadinha.
Maria de Fátima acredita que medidas como subsídios para água de irrigação, incentivos fiscais para agricultores e investimentos em infraestruturas poderiam ajudar a reduzir os custos de produção e, consequentemente, os preços ao consumidor. A falta de políticas de apoio significativas tem levado muitos agricultores a abandonar suas actividades, o que afecta ainda mais a oferta de alimentos no mercado.
Em conversa com o agricultor Ima, percebemos que a mandioca, um dos alimentos básicos na dieta cabo-verdiana, está actualmente a ser vendida por 300 escudos o quilo. Ima justifica que o preço é o reflexo directo da escassez de água, dos elevados custos de transporte e da mão-de-obra, que estão sendo impactados pelos altos custos logísticos e pela falta de chuvas.
“Ser agricultor hoje em dia é trabalhar consciente de que os ganhos não estão a recompensar o esforço. Ao cultivar para vender, temos que incluir todos os custos até o produto chegar, por exemplo, ao mercado do Platô. Temos água, trabalhadores, combustível, transporte, adubagem, entre outras despesas. Não somos nós que determinamos o preço dos produtos; é a evolução do mercado. Muitos produtores, diante da escassez de água, de mão-de-obra e dos custos elevados, estão a deixar de cultivar porque as perdas e o desgaste são maiores que os ganhos. Quando não há muito produto para vender, automaticamente o preço aumenta.”
Outro agricultor, que preferiu não se identificar, apontou que a seca prolongada em Cabo Verde tem afectado severamente a agricultura, resultando em colheitas escassas e, consequentemente, em preços elevados. A situação é agravada pela falta de apoio do governo e também pela inflação, que afecta o custo da produção e transporte de produtos agrícolas, aumentando ainda mais os custos que chega aos consumidores.
Consumidores e poder de compra
Os consumidores também estão preocupados. Dona Júlia, uma cliente assídua do mercado, expressou sua insatisfação, deixando transparecer que antes comprava um quilo de cada produto, mas hoje prefere levar, no máximo, meio quilo, para poder ter maior variedade.
“Se continuar neste ritmo, as pessoas vão perder poder de compra. O que antes dava para comprar o básico para uma família, hoje não dá nem para adquirir todos os produtos de primeira necessidade. Temos de fazer uma gestão, em meio à falta de recursos, para poder ajustar o preço dos produtos de maneira que caiba no orçamento. Não sei até que ponto vamos, mas necessitamos de uma intervenção urgente por parte de quem está no poder para fazer face a este aumento. Todos os dias, as notícias falam de evoluções positivas na economia. Não sei de onde tiram esses dados, mas a realidade não condiz com o que é dito na televisão”, lamentou.
Outro cliente, José, afirmou que as famílias têm enfrentado dificuldades para manter uma dieta balanceada devido aos altos preços dos legumes e de outros alimentos frescos.
“Estamos a tentar adaptar-nos, comprando menos e escolhendo produtos mais baratos, mas é difícil quando se trata de alimentação. Todos os produtos estão com preços elevados. A estratégia é levar um pouco dos mais acessíveis e esperar que os outros baixem um pouco o preço. Agora, imagina uma casa com uma família numerosa: qual será o grau de dificuldade para garantir uma boa alimentação? E não se trata apenas de legumes e hortaliças. No geral, todos os produtos estão mais caros, desde os itens básicos para alimentação até os mínimos de higiene”, comentou.
A situação actual apresenta desafios significativos, tanto para os comerciantes quanto para os consumidores, mas ainda há esperança de que as coisas possam melhorar. “Precisamos de mais chuva e de um apoio mais consistente para a agricultura. Se conseguirmos isso, talvez os preços possam baixar e as pessoas possam voltar a comprar como antes”, comenta Teresa.
Desafios
No Mercado do Sucupira, falamos com Astou, uma comerciante do ramo de alimentação que revelou o desafio que enfrenta diariamente para produzir o pequeno-almoço e o almoço que vende no maior mercado da Cidade da Praia.
Astou analisou os preços ao longo de cinco anos e constatou que houve uma subida gradual até os dias de hoje. Ela destacou que os preços se tornaram ainda mais desafiadores de 2023 para os dias de hoje.
“Actualmente, o preço dos legumes está muito alto, mas não são só os legumes; tudo está caro. Antes, vendíamos uma refeição por 200 escudos, mas este valor tornou-se hoje inviável por conta da subida dos preços dos produtos. Hoje, vendemos um prato de comida por 250 escudos, mas há refeições que temos de vender por 300 e 350 escudos porque não compensa vender por menos”, explica Astou.
A comerciante conta que, para não perder fregueses, tenta negociar e ajustar o valor que o cliente tem disponível para a refeição desejada, mas ainda assim, ela revela que a adesão já não é como antes.
No mesmo mercado falamos com Isa, uma comerciante veterana do Sucupira, que lamentou a actual situação. Isa diz que tem feito um esforço enorme para manter a qualidade e a diversidade, mas que os custos estão a pesar.
“Os ingredientes que usamos para a produção das refeições estão muito caros. Eu optei por manter o preço das refeições, principalmente porque trabalhamos com serviço de entrega, para não perder os clientes. Qualquer aumento de preço tende a diminuir a adesão. Diante dos preços desafiadores actuais, tivemos que reduzir a equipa, o que acarreta mais trabalho para os funcionários, para absorver este aumento sem repassá-lo ao consumidor. Devo dizer que, infelizmente, as coisas não estão bem. Desse jeito, vamos ter que, ou aumentar os preços e perder mais clientes, ou mantê-los, sabendo que o lucro actual já não compensa!”, desabafa Isa.
Dados do INE
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Índice de Preços no Consumidor (IPC) registou algumas variações importantes que indicam mudanças na dinâmica dos preços. Em Julho deste ano, o IPC teve uma taxa de variação mensal de -0,1%, uma redução de 0,8 pontos percentuais (p.p.) em relação ao mês anterior. Apesar desta leve redução no índice geral, a taxa de variação acumulada do IPC foi de 0,8%, sendo 0,3 p.p. superior à observada no mesmo mês do ano anterior.
A taxa de variação homóloga do IPC total, em Julho de 2024, foi de 1,6%, mostrando uma desaceleração de 0,3 p.p. comparada ao mês anterior. Ainda assim, a variação média dos últimos doze meses foi de 1,3%, um pouco inferior (0,1 p.p.) ao registado no mês anterior.
Além disso, o indicador de inflação subjacente (índice total excluindo energia e bens alimentares não transformados) apresentou uma variação homóloga de 1,4%, 0,3 p.p. abaixo do registado em Junho de 2024.
Esses dados revelam que, embora haja sinais de desaceleração na inflação geral, a percepção dos consumidores e vendedeiras nos mercados locais é de que os preços de produtos específicos, como os legumes, continuam a aumentar devido a factores sazonais e elevados custos de produção.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1187 de 28 de Agosto de 2024.