“Sempre tive muito contacto com os mais velhos no Fogo que partilhavam ideias e tradições sobre as plantas locais. Foi assim que comecei a explorar o uso de ingredientes naturais para cosméticos”, conta Adilson.
O engenheiro relembra que a ideia de trabalhar com cosméticos surgiu em 2019, enquanto cursava engenharia alimentar. Faltando poucas disciplinas para se formar, Adilson decidiu aproveitar o tempo livre para aprender sobre a produção de cosméticos com uma professora que fazia mestrado na área.
“A experiência foi tão positiva que resolvi aprofundar os meus conhecimentos e aplicá-los na produção de cosméticos com ingredientes da ilha”, narra.
Do alecrim ao café
No início, Adilson trabalhou com plantas como aloé-vera e alecrim, explorando o potencial de ingredientes disponíveis no Fogo.
“Comecei com a babosa e fui expandindo para outros ingredientes, como a semente de ricínio”, descreve. Mas foi há cerca de dois anos que Adilson começou a incorporar o café nas suas fórmulas, percebendo o diferencial que esse ingrediente local trazia para os produtos.
“O café tem muitos benefícios, principalmente para a pele e o cabelo. Ajuda na circulação sanguínea do couro cabeludo, o que favorece o crescimento capilar e nutre o cabelo profundamente”, explica.
A escolha pelo café do Fogo, em particular, não foi por acaso. O terreno vulcânico da ilha torna o café único, com um aroma mais intenso e propriedades diferenciadas, conforme defende Adilson.
“Esse café é mais caro, mas vale o investimento. Quando testei o café do Fogo nos sabonetes, percebi a diferença e os clientes também”, revela.
Segundo conta, os consumidores notaram que o café local tem um “poder” a mais, uma eficácia superior para os cuidados estéticos. “Hoje, só uso o café do Fogo, e a resposta dos clientes tem sido óptima”, afirma.
Desafios e expansão da marca
Apesar do sucesso local, Adilson enfrenta desafios logísticos e de aceitação cultural.
“No Fogo, as pessoas têm a mentalidade de que o café é apenas para beber. Foi um pouco complicado no início introduzir a ideia de o usar em cosméticos, mas, aos poucos, a aceitação vem crescendo”, comenta.
Outro obstáculo que menciona é a dificuldade em expandir para outras ilhas ou até mesmo para o exterior já que deseja primeiro alcançar o nível de qualidade e design que considera ideal.
“Prefiro investir no aperfeiçoamento do produto antes de pensar em exportar. Quero que os meus cosméticos sejam chamativos e de qualidade superior”, admite.
Além dos desafios culturais, há também o problema da água. Como a produção de matéria-prima é local, Adilson depende da água de consumo, o que limita a quantidade de plantas que consegue cultivar.
“Eu produzo a minha própria babosa e outros ingredientes, mas a água é um grande empecilho. Preciso de água para irrigação e, por enquanto, uso a água de casa, o que encarece o processo”, desabafa.
Se tivesse água suficiente, Adilson aponta que poderia cultivar de tudo um pouco e criar um microclima no espaço onde cultiva.
“Com a água poderia cultivar de tudo um pouco. Desde couve até alecrim, aproveitando cada espaço e minimizando o desperdício”, explica ele.
O óleo de ricínio que produz, por exemplo, tem o seu bagaço reutilizado para fertilizar o solo, e assim manter a produção a mais orgânica possível.
Aliás, Adilson diz-se atento aos detalhes e à qualidade de cada produto, desde o cultivo até à prateleira.
“Quero garantir que o meu produto seja certificado. Assim, quando os turistas vierem terão mais confiança em adquirir um produto local certificado”, planeia, acrescentando que a paciência e o cuidado em cada etapa são essenciais para alcançar esse objectivo.
Quanto ao público, o engenheiro precisa que os produtos naturais da Burcan têm atraído, especialmente, o interesse dos emigrantes, que valorizam itens autênticos da sua terra natal.
“Muitos emigrantes preferem usar produtos da sua ilha, dão mais valor ao que é feito com ingredientes locais. E como a tendência mundial tem sido de recorrer a produtos naturais, vejo isso como uma oportunidade para continuar investindo em cosméticos naturais”, diz Adilson.
Com planos de ampliar a linha de cosméticos e introduzir cremes e máscaras faciais e capilares, Adilson Cardoso continua a desenvolver fórmulas e explorar novos ingredientes locais.
“Para os novos produtos, tenho de fazer mais testes e pesquisas. Quero que tenham o efeito desejado e sejam completamente naturais. É uma prioridade”, afirma.