“Não há uma consciência política apurada em Cabo Verde, que leva ao desinteresse”, disse à Lusa o sociólogo Redy Lima, um dos oradores convidados para a apresentação do estudo feito para avaliar o alinhamento de país com a Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação, que o arquipélago assinou em 2012, ratificou e depositou junto da União Africana (UA) em 2023.
“Há uma desigualdade no acesso às oportunidades que faz com que as pessoas tenham uma relação calculista, mercantilista, que acaba por diminuir a qualidade da democracia, em geral, e isto é um grande problema”, acrescentou.
O sociólogo Nardi Sousa, também orador no evento, classificou o cenário como uma “cidadania adiada” que “obriga os jovens a olhar mais para fora do que para dentro”, levando à emigração.
Em causa está uma sociedade “dominada por dois partidos maioritários”, o Movimento pela Democracia (MpD, no poder) e o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), em que “um jovem observa que se não fizer parte da estrutura e da rede de amigos e afilhados de um partido, as portas ficam quase fechadas”.
“Portugal precisa de mão-de-obra” e um emigrante cabo-verdiano “pode ter um salário mínimo, serviços de saúde, acesso a bens de consumo e passar de uma situação de dependente a provedor de recursos” para a família que fica no arquipélago, encontrando o sentido de cidadania que não encontrou no arquipélago, exemplificou.
Nardi Sousa considerou que “as falhas na democracia já se tornaram algo crónicas e prejudiciais: acho que depois de 50 anos de independência, Cabo Verde devia ser um país de esperança e os jovens podiam até reduzir as pretensões, se a energia fosse criativa para a reconstrução”.
Para o sociólogo seria importante que “os princípios de legalidade, igualdade e justiça social se manifestassem, à semelhança do que aconteceu na altura da independência, em que muita gente trabalhou sem um salário mínimo, sem segurança social, porque se acreditava num projeto”, com esperança, que disse estar “a desvanecer”.
Com o diagnóstico feito, requer-se ação e decisões, referiram, mas Redy Lima apontou o dedo a “uma elite política e cultural que vive numa bolha”.
“Há políticos que já me disseram que só conheceram Cabo Verde em campanha”, contactando diretamente com situações de pobreza, por exemplo, “mas depois esquecem”, referiu.
O estudo hoje apresentado antecipou o feriado de 13 de Janeiro, que assinala as primeiras eleições multipartidárias no país, em 1991.
“Os valores e os princípios da Carta Africana sobre Democracia, Eleições e Governação já constituem práticas em Cabo Verde, tanto a nível formal como funcional”, concluiu o trabalho, feito no âmbito do projeto pan-africano de divulgação da carta, em colaboração com o Instituto Goree, em Dakar, Senegal.
O estudo alertou, no entanto, para um aumento da perceção de corrupção, diminuição do grau de confiança nas instituições públicas, falta de transparência nos concursos públicos, dificuldades no acesso à justiça e algum retrocesso no índice de desempenho do parlamento.
Do lado positivo estão um maior envolvimento de mulheres na política, melhorias na governação eletrónica, reforço da descentralização, autonomia do poder local e criação do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC).
O IPDD é uma instituição de ensino politécnico de pesquisa aplicada e formação profissional fundada em 2019 na Praia, capital de Cabo Verde.