Novo salário mínimo entra em vigor enquanto debate sobre se é suficiente persiste

PorEdisângela Tavares,26 jan 2025 8:08

A Inspecção Geral do Trabalho alertou, no início do mês, que o novo salário mínimo nacional já está em vigor, fixando-se em 17 mil escudos para o sector privado e 19 mil escudos para a Função Pública. Apesar de representar um progresso, trabalhadores e empresários dividem opiniões sobre a sua suficiência face ao custo de vida e aos desafios de sustentabilidade para as empresas.

O novo salário mínimo nacional é uma medida que resulta de um acordo alcançado em Agosto de 2024, durante uma reunião entre os parceiros sociais e o Governo, que determinou o aumento do salário mínimo nacional de 15 para 17 mil escudos no sector privado e para 19 mil escudos na administração pública.

O ministro das Finanças e do Fomento Empresarial, Olavo Correia, destacou na ocasião que o aumento representa um incremento “acima de 50%” face aos valores de 2016, sublinhando a meta de atingir 20 mil escudos entre 2026 e 2027. “O que estamos a fazer é uma melhoria substancial do salário mínimo nacional, dando uma indicação de que temos de valorizar o salário daqueles que trabalham”, afirmou.

O contexto económico também influencia este debate. O Orçamento do Estado para 2025, no valor de 98 milhões de contos, foi aprovado em Dezembro passado e reflecte um esforço para manter o equilíbrio financeiro, com 82,5% dos recursos gerados internamente.

Reacções

Apesar do aumento, vozes como a da presidente da Associação das Empregadas Domésticas de Cabo Verde, Maria Gonçalves, consideram que os novos valores ainda não são suficientes para acompanhar o custo de vida no país, defendendo uma fiscalização mais rigorosa e medidas que assegurem o cumprimento efectivo da legislação.

Maria Gonçalves reagiu ao aumento do salário mínimo, que já entrou em vigor, considerando que, apesar de ser um avanço, o valor ainda é insuficiente para acompanhar o aumento exponencial do custo de vida no país.

“Para a nossa realidade, é evidente que o salário mínimo já deveria estar por volta dos 20 mil escudos. Qualquer pessoa consegue observar o aumento exponencial nos preços, desde géneros alimentícios até aos transportes. Apesar de reconhecermos o avanço com o aumento actual, é crucial trabalhar para atingir um patamar onde o salário acompanhe o custo de vida”, afirmou Maria Gonçalves em entrevista ao Expresso das Ilhas.

A dirigente recordou que, em 2022, as autoridades anunciaram que estavam a trabalhar para alcançar os 20 mil escudos como salário mínimo. No entanto, considera que, em 2025, o montante estabelecido é insuficiente para cobrir as despesas básicas da população.

Outro ponto destacado por Maria Gonçalves é a falta de fiscalização no cumprimento da lei. “Muitos empregadores não cumprem as determinações legais sobre o salário mínimo porque sabem que não há quem os obrigue. A fiscalização é ineficiente, e a Direcção Geral do Trabalho não tem sido funcional”, criticou.

Para a líder da associação, é necessário implementar medidas práticas, como a obrigatoriedade do pagamento de salários por vias bancárias e a emissão de recibos, para garantir que a lei seja cumprida.

A precariedade das condições laborais das empregadas domésticas também foi tema abordado durante a entrevista em que a líder da Associação das Empregadas Domésticas de Cabo Verde mostra revolta em relação ao descaso com o ofício das empregadas domésticas.

“Há empregadores que ignoram o valor do trabalho dos seus funcionários e justificam que, se forem obrigados a pagar o salário mínimo, preferem dispensar os trabalhadores. Nós, da Associação das Empregadas Domésticas de Cabo Verde, temos uma posição clara: se um empregador não tem condições de pagar um salário digno, é melhor não contratar”, afirmou, condenando práticas que considera exploradoras e desumanas.

Maria Gonçalves também sublinhou que menos de um quarto das empregadas domésticas estão inscritas no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o que as deixa sem protecção social, acesso à reforma ou outras garantias básicas.

“Se nem essa obrigatoriedade básica é fiscalizada, o que esperar do cumprimento de outras leis?”, questionou.

Além da falta de protecção social, Maria Gonçalves destacou o impacto das dificuldades económicas e sociais na saúde mental das trabalhadoras.

“O salário hoje em dia não cobre as despesas. Basta olhar o preço do autocarro, dos alimentos, das rendas de casa. Muitas, para economizar, faziam o percurso para o trabalho a pé, mas, com o aumento do vandalismo e da insegurança, essa opção deixou de ser viável”, lamentou.

A presidente apelou ao Governo para implementar uma fiscalização mais rigorosa e frequente, garantindo maior eficiência da Direcção Geral do Trabalho.

“Há uma morosidade excessiva nos trâmites legais. Quando há uma denúncia, o processo é lento e burocrático, dificultando a aplicação das leis. É essencial agir com urgência para proteger os direitos das trabalhadoras e assegurar condições de trabalho dignas”, concluiu.

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AJEC

O presidente da Associação dos Jovens Empresários de Cabo Verde (AJEC), Lenine Mendes, explicou que muitas empresas associadas à AJEC não sentirão o impacto de imediato, pois já praticam salários superiores ao novo salário mínimo. No entanto, sublinhou que o impacto não é uniforme.

“A maioria das nossas empresas associadas não vai sentir esse impacto de imediato, porque já pagam salários acima do mínimo que entra em vigor agora. Contudo, é importante reconhecer que a avaliação do impacto é complexa e depende de factores como o sector de actividade e a localização. Este aumento mexe directamente com o custo das empresas, especialmente para aquelas que empregam um grande número de colaboradores. Por outro lado, o aumento do salário mínimo empodera os colaboradores, resultando num maior poder de compra. Isso pode beneficiar empresas de bens e serviços, criando um ciclo positivo de consumo e crescimento económico.”

Sustentabilidade

Questionado sobre a capacidade das empresas jovens de suportarem o aumento sem comprometer a sustentabilidade, este responsável aponta que a “ara a maioria das empresas jovens, será possível suportar este aumento. Mas temos de admitir que, para algumas, especialmente as que operam com margens de lucro muito estreitas, será um desafio significativo. Empresas no sector da restauração, comércio e serviços, onde as margens são tradicionalmente baixas, podem sentir o impacto de forma mais intensa.”

Quanto às estratégias para lidar com os custos adicionais, Lenine Mendes sugeriu uma abordagem multifacetada, onde os jovens empresários podem adoptar várias medidas para lidar com os custos.

“Uma delas é rever os processos internos para encontrar áreas onde se possa cortar custos sem comprometer a qualidade. Outra é implementar tecnologias que reduzam a necessidade de mão de obra em tarefas repetitivas, aumentando a eficiência. Além disso, ajustar os preços dos produtos ou serviços oferecidos, mas de forma transparente, para que os clientes compreendam o valor agregado, pode ser uma solução viável.”

Apoio Governamental

Sobre o papel do governo e das instituições financeiras, Lenine Mendes foi enfático ao afirmar que a desburocratização é mais importante do que a criação de novos programas.

“Não é preciso criar novos programas, subsídios ou incentivos. O que é preciso é desburocratizar os que já existem e facilitar o acesso em tempo oportuno às empresas que precisam deles. Hoje, muitas instituições financeiras e o governo não falam a mesma língua, e o empresário fica no meio, como uma ‘bola de pingue-pongue’. Fornecer acesso a consultoria gratuita ou a custo reduzido para ajudar as empresas a encontrar soluções personalizadas para seus desafios seria uma medida essencial. Além disso, o governo deve realizar estudos sobre o impacto do aumento do salário mínimo e ajustar as políticas conforme necessário.”

Com a meta do Governo de alcançar um salário mínimo de 20 mil escudos até 2027, Lenine Mendes aconselhou os empresários a planearem com antecedência. Este responsável considera que, apesar dos desafios, o aumento salarial é uma medida necessária, mas que deve vir acompanhada de melhorias nos serviços básicos para que o impacto seja verdadeiramente sentido pelos trabalhadores.

“As empresas devem começar já a montar orçamentos que incluam aumentos salariais, permitindo que se ajustem gradualmente. Investir na formação dos colaboradores para melhorar a eficiência e a produtividade também será crucial. Além disso, práticas que reduzam custos operacionais, como o uso de energias renováveis, podem ser fundamentais para manter a sustentabilidade. O aumento do salário mínimo é importante, mas, sem melhorias na saúde, educação, habitação, energia e transporte, os colaboradores não sentirão esse aumento de forma significativa. O salário por si só não resolve a questão; é preciso aumentar a qualidade de vida no geral. Penso até que 20 mil escudos são insuficientes para o custo de vida em Cabo Verde.”

O presidente da AJEC ainda alertou para a fuga de talentos. “Pergunte a um jovem se prefere um contrato em Cabo Verde por cem mil escudos ou um salário de 900 euros na Europa. A maioria não pensa duas vezes antes de deixar o país. Isso porque o problema não está apenas nos salários, mas na qualidade de vida e nos benefícios que eles e suas famílias podem encontrar a longo prazo.”

Apesar dos desafios, Lenine Mendes acredita que o aumento do salário mínimo pode trazer benefícios a longo prazo, caso resulte em maior poder aquisitivo e dinamize a economia. Além disso, o presidente da AJEC defende ainda que se este aumento permitir que os consumidores tenham maior poder de compra, as empresas podem beneficiar de uma maior procura por produtos e serviços, criando um ambiente mais favorável tanto para os colaboradores quanto para os empregadores. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1208 de 22 de Janeiro de 2025.

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Autoria:Edisângela Tavares,26 jan 2025 8:08

Editado porFretson Rocha  em  27 jan 2025 7:20

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