Nesta reportagem, contamos as histórias de Sofia Lopes e Viviana Almeida. Uma encontrou a resposta fora do país e a outra segue na tentativa, lidando com a pressão social e os desafios emocionais que a luta pela maternidade carrega.
Sofia Lopes tem 35 anos. Durante quatro anos, conta, tentou engravidar sem sucesso. Consultou vários médicos, recebeu diagnósticos distintos como endometriose e dismenorreia e seguiu tratamento sem obter resultados.
Diante da frustração, em 2019, decidiu buscar ajuda no Senegal, aconselhada por conhecidos que tiveram êxito face ao mesmo problema, naquele país.
“Quando lá cheguei, fiz alguns exames numa clínica que a hospedeira que me recebeu indicou e recebi um novo diagnóstico”.
“A médica garantiu que estava tudo bem, mas prescreveu ácido fólico e outro medicamento para regular o ciclo menstrual. Caso não engravidasse em seis meses, deveria regressar ao Senegal com o meu marido”, narra.
O tratamento, no entanto, foi eficaz em pouco tempo. “Regressei a Cabo Verde em Maio e, em Julho, já estava grávida. E pensar que gastei muito dinheiro para tratar algo que nem havia aqui no país. Em Dakar gastei muito pouco entre a viagem, estadia e consulta”, conta.
E quem está ainda na luta?
Ao contrário de Sofia, Viviana Almeida, de 29 anos, continua na tentativa. Chegou a engravidar, mas teve um aborto espontâneo.
“Desde que me casei, em 2022, parei de usar métodos contraceptivos. Tentava engravidar, mas sem grande pressão. A cada atraso da menstruação, ficava esperançosa, e quando vinha, sentia alívio e preocupação ao mesmo tempo”, admite.
Após a perda gestacional em 2023, Viviana, realizou exames que indicaram normalidade, apesar de um factor que afirma não ser alarmante. Os médicos recomendaram calma e receitaram vitaminas que precisou mandar vir de Portugal, já que não se pode encontrar nas farmácias nacionais.
“Aqui não se fazem exames de fertilidade para casais, apenas para mulheres, o que pode dificultar um diagnóstico completo”, lamenta.
Viviana diz que se mantém forte devido à sua fé, mas confessa que deixou de sentir prazer em participar em convívios com familiares e amigos devido à pressão para ter filhos.
“Sempre perguntam quando terei filhos, e é do que estamos à espera e isso afecta o psicológico. Mas sigo tentando, sem ansiedade, porque sei que pode dificultar o processo”, afirma.
Procura por ajuda aumenta perante tentativas falhadas de engravidar
O Expresso das Ilhas tentou saber junto do Ministério da Saúde quais as opções de tratamento para infertilidade no país, mas não obteve respostas. Entretanto, segundo relata uma médica obstetra que preferiu manter o anonimato, a procura por ajuda médica devido a tentativas falhadas de engravidar tem aumentado.
A especialista explica que é fundamental diferenciar dificuldade para engravidar e infertilidade.
“A infertilidade refere-se a um período superior a 12 meses sem concepção em casais com uma vida sexual frequente, regular, sem qualquer método anticoncepcional ou coito interrompido. Para pessoas com mais de 35 anos, a investigação pode começar após seis meses”, explica.
Segundo esta especialista, entretanto, cerca de 35% dos casos de infertilidade têm causa feminina, 30% são de origem masculina, 20% resultam de factores combinados do casal e 15% têm causa desconhecida.
Entre as principais causas de infertilidade feminina, elencou problemas tubários, endometriose, alterações metabólicas e idade avançada.
“A reserva ovariana vai diminuindo desde o nascimento da mulher, mas a partir dos 35 anos a queda é muito mais acentuada”, acrescenta.
Em Cabo Verde, a médica aponta que o diagnóstico de infertilidade envolve exames clínicos detalhados e testes específicos, tanto para mulheres como para homens.
“No caso masculino, o espermograma é fundamental, e se houver alterações, são pedidos exames mais avançados. Para as mulheres, os exames variam consoante os sintomas e podem incluir ecografias, análises hormonais e histerossalpingografia para avaliar possíveis obstruções tubárias”, esclarece.
No que toca ao tratamento, a especialista admite que Cabo Verde tem opções limitadas.
“Dispomos apenas de indutores de ovulação em comprimidos e algumas opções cirúrgicas, como histeroscopia para remoção de pólipos ou miomas e miomectomia. No passado, tivemos laparoscopia, mas neste momento não está disponível”, enfatiza.
Para quem necessite de tratamentos mais avançados, como a fertilização in vitro, a solução passa por procurar serviços no exterior. “Também não temos a opção de congelamento de óvulos”, indica.
Custo faz com que algumas desistam do processo
Quanto à dificuldade para engravidar, a obstetra observa que a ansiedade, apesar de não ser uma causa determinante, pode influenciar a capacidade de engravidar.
“Muitas mulheres decidem tarde que querem engravidar e esperam resultados imediatos, o que pode gerar bloqueios. Algumas desistem rápido ou recorrem a métodos tradicionais”, afirma.
Apesar disso, refere que Cabo Verde tem menos tendência para esse tipo de práticas em comparação com outros países africanos. A médica alertou ainda para a importância de agir rapidamente quando há suspeita de infertilidade.
“Quando uma paciente de 40 anos me procura, se não encontrarmos uma causa tratável, aconselho avançar directamente para a procriação medicamente assistida. A idade é um factor crucial e não se pode perder tempo”, aconselha.
Por outro lado, evidencia que há um número crescente de jovens a adiar a maternidade para investir na carreira e em estabilidade financeira.
“Ao mesmo tempo que vemos um aumento de adolescentes grávidas, também notamos que mais mulheres da classe média estão a adiar a maternidade e até já temos quem congele os óvulos no estrangeiro para garantir a possibilidade de engravidar no futuro”, exemplifica.
O tratamento da infertilidade no país tem custos elevados, uma vez que envolve exames específicos e procedimentos que muitas vezes precisam de ser realizados em clínicas privadas.
“Os exames hormonais, por exemplo, não podem ser feitos em qualquer momento do ciclo e nem sempre estão disponíveis nos hospitais. Isso faz com que algumas pacientes desistam do processo”, concluiu a especialista.
Barreiras culturais dificultam adesão masculina aos exames de fertilidade, apesar de maior adesão
Em 2022, Emanuel Moreira criou o MinLAb, Laboratório de Análises Clínicas para combater a infertilidade masculina.
Ao Expresso das Ilhas, o CEO da empresa afirma que tem havido uma adesão crescente de homens aos serviços laboratoriais como o espermograma.
“Nos últimos anos, temos verificado um aumento da procura por exames como o espermograma, o que nos permite avaliar a saúde reprodutiva masculina com mais precisão. Observamos alterações na qualidade do esperma, algo que também é uma tendência mundial”, relata.
Emanuel Moreira cita que entre os principais factores que afectam a fertilidade masculina estão hábitos de vida inadequados, o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, a exposição a poluentes e o stresse.
“Temos de considerar que há um problema que, talvez agora, não seja evidente para a maioria, mas que pode ter consequências graves a longo prazo. O adiamento da parentalidade e o aumento da emigração também contribuem para esse cenário. É essencial começarmos a pensar em soluções desde já”, considera.
Apesar da crescente procura, ainda há barreiras culturais que dificultam a adesão dos homens aos exames de fertilidade.
“Infelizmente, o machismo ainda impede muitos homens de procurarem ajuda. Existe a percepção errada de que a infertilidade é um problema exclusivamente feminino, quando, na verdade, cerca de 40% dos casos têm origem masculina”, observa.
Para reverter esta situação, Moreira acredita que é necessário intensificar as campanhas de conscientização sobre a saúde reprodutiva masculina e facilitar o acesso aos exames.
A falta de estudos aprofundados sobre a infertilidade masculina em Cabo Verde é outro desafio, mas Emanuel Moreira está a preparar um estudo sobre o tema.
“Tenho dados, mas que, no entanto, ainda não foram trabalhados estatisticamente, porque quero acumular por mais anos, mas garanto que temos tido vários casos que carecem de atenção e tratamento”, sustenta.
O MinLAb tem projectos para conduzir uma pesquisa sobre o tema, recolhendo dados que permitam compreender melhor a situação local e propor soluções, incluindo análises laboratoriais e questionários sobre factores ambientais e hábitos de vida.
No horizonte está também uma parceria com a clínica EUGIN, em Coimbra, Portugal, especializada em tratamento reprodutivo.
“Este será um passo importante para os pacientes cabo-verdianos que necessitam de tratamentos mais avançados. A nossa visão a longo prazo sempre foi trazer para Cabo Verde um vínculo com clínicas especializadas em reprodução assistida, e agora estamos a concretizar essa meta”, garante Emanuel Moreira.
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Além da culpa e vergonha, surgem outros sentimentos
Para a psicológa perinatal, Maria Dias, as pessoas ainda não têm consciência do suporte psicológico necessário na “penosa jornada” da infertilidade.
“A cada mês em que não se engravida existe uma perda simbólica que precisa ser acolhida e trabalhada. Por isso, todos os tentantes deveriam fazer consultas com psicólogos”, defende.
Segundo a especialista, o desejo de engravidar, aliado às tentativas frustradas, pode afectar profundamente o emocional dos casais.
Quando se deparam com o diagnóstico de infertilidade, explana, o impacto é devastador. Muitas vezes os casais acreditavam ser férteis e enfrentam um choque que abala a autoestima e desencadeia uma crise psicológica.
“Essa perda de conexão entre o passado e o futuro gera um grande sofrimento, principalmente para a mulher, que é a primeira a ser acusada pela sociedade”, analisa.
Aliás, refere que historicamente a culpa pela infertilidade tem recaído sobre a mulher.
“A mulher é quem, muitas vezes, inicia os exames de fertilidade, mesmo quando não é ela a infértil”, reforça.
Além da culpa e vergonha, outros sentimentos como inadequação, auto-desvalorização e tristeza surgem com o tempo. A vida sexual do casal também é afectada, quando o acto de tentar engravidar se torna mais uma obrigação do que um momento de prazer.
Ou seja, o foco excessivo no calendário fértil torna a relação mecânica, retirando a intimidade e a conexão. O estigma social também pesa sobre os casais que não conseguem engravidar.
“As pessoas começam a dar conselhos não solicitados, como posições sexuais específicas ou até sugestão de adopção”, diz a psicóloga.
Esse tipo de pressão, prossegue, pode gerar mais frustração, isolamento social e até mesmo transtornos como a depressão ou ansiedade.
Lidar com essa ansiedade a cada ciclo menstrual sem sucesso é um grande desafio.
“A comunicação aberta no casal, a procura por informações credíveis e a prática de actividades relaxantes são fundamentais para aliviar a pressão. Além disso, cuidar de outros aspectos da vida, como manter o relacionamento saudável e praticar actividades prazerosas, pode ajudar a aliviar a tensão emocional”, recomenda.
Maria Dias avança que, de modo geral, a procura por assistência psicológica tem aumentado, mas ainda não é suficiente, especialmente no caso das tentantes.
“Há uma grande falta de consciência sobre a necessidade de apoio psicológico, especialmente durante os ciclos em que não há gravidez”, constata.
Nesse sentido, enfatiza que cada mês sem engravidar é uma perda que precisa ser reconhecida e trabalhada, para que o casal possa seguir em frente de maneira saudável, seja com a gravidez natural ou através de tratamentos como a fertilização in vitro (FIV).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1214 de 5 de Março de 2025.