Sandra da Veiga, manicure de profissão, bicampeã de bikini fitness de Cabo Verde e motociclista apaixonada, descobriu o gosto pelas motos de uma forma inesperada.
“A minha paixão pela moto nasceu por meio de um amigo meu que andava de moto e que, um belo dia, ofereceu-me uma boleia. Foi nessa boleia que despertei o meu gosto pela moto”, recorda.
A partir desse momento, matriculou-se numa escola de condução, tirou a carta de Categoria A e, desde então, faz da estrada o seu palco de liberdade.
Embora o número de mulheres motociclistas esteja a crescer, Sandra admite que ainda são poucas na capital.
“Ser mulher motociclista em Cabo Verde, falo especificamente da cidade da Praia, é ainda estranho. As pessoas olham para nós de forma diferente, sempre se espantam quando vêm uma mulher de moto, como se fosse algo feito exclusivamente para os homens. Mas também admiram. Sempre ouço comentários de que é bonito ver uma mulher de moto, e onde passa uma mulher de moto chama a atenção”, afirma.
Se nos treinos da carta de condução os instrutores sempre a encorajaram, a realidade na estrada foi um desafio.
“No início, senti dificuldades, mas fui ganhando o 'cotovelo' até se tornar algo normal”, conta.
E o esforço compensou. Hoje, pilotar é, para Sandra, mais do que um simples meio de transporte.
“Eu considero uma verdadeira terapia, porque basta ter um dia cansativo, stressante... Só o facto de andar de moto, tudo vai no vento, evapora”, descreve.
Sandra sonha em criar um grupo exclusivamente feminino de motociclistas na Praia.
“A minha vontade é que tivéssemos um grupo para que, a cada Dia da Mulher, pudéssemos fazer um desfile de moto só de mulheres. Mas parece que as mulheres têm medo”, lamenta.
Ainda assim, não desiste da ideia. “Sei que há muitas mulheres que gostam de motas, mas não têm nem a mota, nem a carta de condução”.
Outro obstáculo são os preconceitos. “Alguns homens no trânsito mandam bocas, dizem que as mulheres querem fazer tudo o que é suposto apenas os homens fazerem”, partilha.
Para contrariar essa ideia, Sandra pretende lançar um projecto de ensino de condução para mulheres, ajudando-as a ganhar confiança e a prepará-las para as aulas e os exames de instrução.
No capacete, Sandra leva uma câmara GoPro para gravar o dia-a-dia do trânsito e registar as passeatas. Esses registos são depois partilhados nas redes sociais, um espaço onde também encontra apoio e incentivo de fãs e amigos.
Felizmente, Sandra tem recebido apoio de amigos e fãs que oferecem esses equipamentos.
E, claro, nem tudo é um mar de rosas. “O lado mau de andar de moto é que sempre há uma batalha entre o meu capacete e o meu cabelo”, brinca.
No meio de tantos homens nas passeatas de moto, o assédio também já foi uma realidade. “No início, acontecia, com alguns a fazer comentários. Mas sempre impus respeito e acabam por respeitar. Isso acontece em todas as partes do mundo, em todas as áreas”, reconhece.
Mas, no balanço geral, Sandra não troca a mota por nada. “A mota deu-me muitos amigos, pessoas que admiram mulheres motociclistas. A minha mãe mesmo diz que me tornei outra pessoa”, diz, satisfeita.
Mindelo já tem grupo de mulheres motociclistas
Em São Vicente, falamos com Gizela Lima, tesoureira de uma seguradora. Conforme nos conta, sempre teve uma paixão por motos, e não é de hoje.
“A minha paixão pela mota começou desde pequena. Sempre gostei de duas rodas. Tudo o que era bicicleta e que estava em casa, parado, tinha de andar nele. Quando via os meus irmãos de moto, apesar de não me deixarem, gostava de os ver andar”, partilha.
Gizela cresceu no Sal e, mais tarde, mudou-se para São Vicente, onde a cultura de motos é mais forte. Foi ali que o seu interesse pela condução de motas cresceu e, em 2020, decidiu tirar a carta de condução.
Se antes era raro ver mulheres a pilotar, agora é uma cena mais comum. “As pessoas já não estranham tanto ver mulheres a andar de mota em São Vicente. Já foi uma coisa 'uau', mas agora está mais normalizado”, afirma.
O amor pela mota levou-a a criar um grupo de mulheres que partilham o mesmo gosto.
“Desde que comecei a andar de motas, comecei a querer ver mulheres a andar comigo. Fui conhecendo outras mulheres que pilotam, fomos criando contacto e, de duas, passámos a três. Hoje, temos um grupo de cerca de 13 mulheres.”
No entanto, organizar passeatas de motas com mulheres é mais desafiador do que com homens, devido às responsabilidades familiares e profissionais. “Organizar saídas de mota com mulheres é cansativo, pois temos as nossas casas, filhos e trabalho. Por isso, acabamos por sair mais com os homens”, conta.
Embora o assédio no meio dos grupos de motociclistas não seja tão presente entre as mulheres que fazem parte do seu grupo, Gizela não esconde que é uma realidade em algumas situações.
“Há muito assédio. Ouço frases como 'o meu sonho é que uma mulher me carregue na mota' ou 'quem me dera que uma mulher pilotasse para mim'”, relata.
No trânsito, a realidade também é diferente para as mulheres. “Só por ser mulher, já acontecem coisas inusitadas. As pessoas, por vezes, não respeitam a mota no trânsito. Já associam quem pilota mota a pessoas loucas, com pressa e velocidade. Quando sabem que uma mulher está a pilotar, ficam à espera de que faça algo errado”, comenta.
Além de partilhar o amor pelas motas, o grupo de mulheres também se envolve em causas sociais. “Sempre que nos juntamos, fazemos campanhas sociais, como angariação de fundos para ajudar em alguma causa ou em datas comemorativas. Já fizemos isso com algumas entidades.”
A ambição de Gizela não se fica por aqui, pois deseja ver mais mulheres a andar de mota em Cabo Verde e acredita que a presença feminina neste mundo pode ser ainda mais forte.
Número de mulheres na categoria A, aumenta
Ao Expresso das Ilhas, o director da escola de condução Radical, Mário João Cordeiro, afirma que o número de mulheres nas escolas de condução tem aumentado em todas as categorias, incluindo a categoria A, que permite pilotar motociclos.
“Por acaso, o número de mulheres tem aumentado em todas as categorias, desde a formação para manobradores de máquinas até à mecânica, que sempre foi vista como uma área mais complicada”, diz Mário João.
Relativamente aos motociclos, o director salienta que o número de mulheres nas motas ainda é inferior ao de homens, mas que a tendência tem sido de crescimento.
“Todas as escolas de condução têm notado um aumento significativo de mulheres na categoria A, a de motas. Nós vamos aos exames e estamos sempre em contacto com as listas da Direcção-Geral dos Transportes (DGTR), por isso temos uma boa ideia do número de pessoas que têm feito cartas na categoria A. E o aumento de mulheres é evidente”, evidencia.
Mário João salienta que não há um perfil fixo para as mulheres que procuram a categoria A, mas existe uma faixa etária predominante entre os 18 e os 30 anos.
“As mulheres não têm mais dificuldades do que os homens. Ao contrário do que dizem, não é porque brincaram com bonecas em vez de carros de lata. Aliás, na teoria, as mulheres aprovam mais do que os homens, embora na parte prática os homens ainda tenham uma vantagem”, comenta.
As mulheres, prossegue, em geral, mostram mais cautela nas aulas, o que resulta em menos acidentes comparativamente aos homens.
“Talvez seja porque os homens têm mais excesso de confiança”, especula o director.
O futuro, segundo Mário João, é promissor para as mulheres no universo das motas. “Acredito que o número de mulheres a procurar a categoria A vai aumentar. E isso já é visível no dia a dia. Hoje, há um bom número de mulheres que não fazem a categoria A, mas que conduzem ciclomotores”, explica.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1217 de 26 de Março de 2025.