Mortes nas estradas de Cabo Verde diminuíram, mas ainda persistem desafios

PorEdisângela Tavares,9 jun 2024 9:06

Entre 2022 e 2023, Cabo Verde registou uma notável redução de 6,43% no número de mortes nas estradas, de acordo com dados fornecidos pela Direção-Geral dos Transportes Rodoviários (DGTR). No entanto, os utentes das vias apontam que o transporte de carga continua a representar um desafio para a segurança.

Nas estradas da Cidade da Praia é comum ver veículos transportando cargas diversas, como materiais de construção, géneros alimentícios e botijas de gás. Numa das áreas mais movimentadas pelo comércio de materiais de construção civil, entrevistámos o senhor Sérgio, um condutor com mais de 30 anos de experiência profissional, proprietário de uma Toyota Dina 150. O senhor Sérgio admite que muitos condutores não prestam atenção ao excesso de carga nem à capacidade dos veículos.

“Eu penso que todos têm direito de trabalhar, claro que existem leis para serem cumpridas, mas não vejo mal. Por exemplo, aqueles Triciclos Eléctricos de Carga, quando transportam materiais de construção ou chapas, ultrapassam a capacidade do veículo, mas se for por uma curta distância, temos que entender que todos estamos a enfrentar dificuldades para colocar comida na mesa.”

Um grupo de condutores de Toyota Dina 150 e Hilux, que frequentemente estaciona à porta de um centro comercial de artigos de casa, também reconhece os perigos do transporte indevido de cargas. Embora não admitam praticar tais imprudências, destacam que driblar a lei para “pôr comida na mesa” justifica o perigo iminente que o transporte indevido de carga provoca para a vida dos utentes na via pública, para o veículo e para a vida do próprio condutor.

“Aqui estamos sempre equipados para fazer o transporte da maneira mais segura possível. Agora usa-se aqueles Triciclos Eléctricos de Carga, com caixa atrás, que eram usadas para vender verduras e peixe, para transportarem cargas de grande porte. Mas devemos estar cientes de que muitas vezes é o ganha-pão de um chefe de família. O custo de vida está muito elevado em Cabo Verde, o desespero pode provocar atitudes que põem em risco a vida de várias pessoas. Mas temos que entender que ninguém sai à rua para provocar acidente: é só uma maneira de sobreviver às crises”, testeminhou Zé, um dos condutores abordados.

Excesso de carga nas estradas de Cabo Verde: um problema persistente

Em entrevista ao Expresso das Ilhas, o engenheiro civil, João Benício Cardoso, gestor da Estradas de Cabo Verde e que também gere a página “Provedor da Praia”, levantou uma grave preocupação sobre a segurança rodoviária. Nas suas observações, este gestor relata a frequência alarmante de veículos transportando excesso de carga, incluindo camiões e veículos mais leves, como os conhecidos Galuxo e Toyota Dina.

“Diariamente, vemos nas estradas veículos com excesso de carga, mal acondicionada. Já publicámos sobre isto centenas de vezes. Não entendo como a polícia não age, pois é algo visível e perigoso. Já causou acidentes e mortes”, lamenta João Benício Cardoso.

O gestor de Estradas de Cabo Verde destaca que cargas perigosas, como chapas metálicas e sacos de cimento, são frequentemente transportadas em excesso, transformando-se em verdadeiras armas fatais em caso de acidente. Além disso, materiais como areia e brita, transportados de forma inadequada, têm provocado acidentes graves e até mortais.

Este responsavél também aponta a ineficácia das medidas de fiscalização. “O Banco Mundial financiou balanças metálicas para a pesagem dos veículos nas estradas, mas estas nunca foram usadas. Chegaram até a estragar por falta de utilização, apesar de terem sido formados polícias para operá-las”, denuncia.

Estas balanças móveis, como explica este gestor, deveriam ser instaladas em diversos pontos estratégicos, como na estrada da Ribeira Grande de Santiago/Cidade Velha ou perto do cais da Praia para garantir que os veículos não excedam o volume máximo permitido de carga. No entanto, a falta de uso destes equipamentos reflecte, segundo João Benício Cardoso, um grau alarmante de irresponsabilidade por parte das autoridades.

Além da ameaça à segurança, o excesso de carga danifica as estradas, reduzindo significativamente a sua vida útil. João Benício Cardoso critica a falta de acção das autoridades: “A polícia deveria estar nas estradas a fazer este controlo, mas frequentemente só vemos agentes a verificar documentos dos veículos no centro da cidade, enquanto a sua presença é mais necessária nas áreas onde se origina o transporte de cargas, como os centros comerciais e industriais.”

Este responsável deixa um apelo urgente por maior rigor na fiscalização e aplicação das leis de trânsito para proteger a vida dos cidadãos e a infraestrutura das estradas.

“Parece haver uma falta de vontade, e quem paga somos nós, com acidentes graves e até fatais. É imperativo que as autoridades tomem medidas imediatas para resolver esta situação.”

Direção-Geral dos Transportes Rodoviários (DGTR)

Em entrevista ao Expresso das Ilhas, Ana Paula Silva, Directora-Geral da DGTR, destaca a importância de entender o contexto global em que os esforços de segurança rodoviária se inserem. Ana Paula Silva salienta a influência das directrizes estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Assembleia Geral das Nações Unidas na definição de metas e estratégias para os países membros, incluindo Cabo Verde.

“Desde 2004, a comunidade internacional, através da Organização Mundial da Saúde, tem reconhecido a sinistralidade rodoviária como uma questão de saúde pública de extrema importância (…) Esse reconhecimento desencadeou uma série de iniciativas globais, como a ‘Década da Acção Global para a Segurança Rodoviária›, proclamada pela ONU e que vigorou entre 2011 e 2020. Durante esse período, foram implementadas diversas medidas visando combater os acidentes rodoviários e promover maior segurança e acessibilidade para todos os usuários das vias.»

Um dos principais desafios enfrentados, segundo Ana Paula da Silva, é o comportamento imprudente dos condutores, que muitas vezes resulta em transgressões do código de trânsito e manobras perigosas. No entanto, ela destaca os esforços contínuos da DGTR em abordar essas questões por meio de campanhas de sensibilização, fiscalização rigorosa e parcerias com outras entidades responsáveis pela segurança rodoviária.

Acidentes

Sobre os dados mais recentes de acidentes rodoviários, Ana Paula da Silva compartilhou que entre 2022 e 2023 houve uma diminuição de 6,43% do número de mortes nas estradas de Cabo Verde, indicando um progresso significativo na implementação das medidas de segurança. A directora esplica que está delineado pela agenda das Nações Unidas a redução do número de sinistralidades com feridos graves e de mortes, e neste sentido esses objectivos têm sidos alcançados por Cabo Verde, embora “seja natural que o número de acidentes aumente à medida que o parque automobilístico cresce. Diariamente enfrentamos pequenos acidentes o que reflete directamente nessas estatísticas”.

“Em relação aos dados, se calhar vamos fazer referência ao ano de 2022 para 2023, uma vez que ainda estamos no primeiro trimestre de 2024. Em relação ao número de acidentes entre 2022 e 2023, diminuiu cerca de menos 19, muito embora o número de feridos tenha aumentado em 4%, mas o número de mortes diminuiu em 6,43%, ou seja, menos 17 mortes nas estradas. Eu posso dar o exemplo da Cidade da Praia, que é a maior cidade do país. Podemos dizer que nós temos menos 7 mortes por cada 100 mil habitantes. Ou seja, significa que estamos a cumprir com aquilo que nós propusemos. Vendo toda a estatística dos últimos 10 anos, digamos assim, ou nesse último 2023, podemos dizer que constatamos que sim, há uma diminuição significativa em relação aos anos anteriores”.

Desafios

No entanto, esta responsável enfatizou que ainda há trabalho a ser feito, especialmente no que diz respeito ao transporte inadequado de cargas e ao cumprimento das leis de trânsito. A DGTR destacou a importância da consciencialização e da fiscalização rigorosa para garantir que todos os condutores cumpram as regulamentações estabelecidas.

A DGTR desenvolve anualmente um plano de actividades que se baseia no plano estratégico nacional de segurança rodoviária, em estreita colaboração com a Polícia Nacional, particularmente com a Polícia de Trânsito, incumbida da fiscalização nas estradas. Este plano é multifacetado e abrange uma série de iniciativas, incluindo campanhas de sensibilização e a produção de spots publicitários que abordam diversos aspectos relacionados com a segurança rodoviária, desde a promoção do cumprimento das leis até à consciencialização sobre a responsabilidade na formação dos alunos das escolas de condução: a DGTR actua como uma autoridade central neste campo.

Os esforços de sensibilização não se limitam apenas às escolas de condução, mas também se estendem aos técnicos do sector, que recebem formação específica para estarem devidamente habilitados. O objectivo é não só garantir que os condutores conheçam as regras de trânsito, mas também que compreendam a sua responsabilidade como cidadãos na protecção da vida, tanto a sua como a dos outros.

Importância do cumprimento

A DGTR ressalta a importância do cumprimento das leis de trânsito e das regulamentações específicas relacionadas ao peso e às condições dos veículos.

“A legislação aplicável ao transporte de cargas está contida no Regime Jurídico Geral de Transportes Rodoviários, no Regulamento de Veículos Autorizados a Circular (RVAC) e no Código da Estrada. É fundamental que todos os condutores estejam cientes dessas leis e as cumpram para garantir a segurança de todos nas estradas.”

Quando questionada sobre as medidas de fiscalização, Ana Paula da Silva destacou a colaboração entre a DGTR e a Polícia Nacional para garantir o cumprimento das regulamentações.

“O transporte de cargas muitas vezes não está em conformidade com a lei, mas isso não passa despercebido para nós. Nós realizamos a sensibilização das pessoas para que conheçam as leis estabelecidas e também estamos sempre em sintonia com a polícia nesse sentido. A fiscalização desses transportes é diária e intensiva, tanto por parte da DGTR quanto da polícia, que trabalham em conjunto para garantir o cumprimento das regras estabelecidas. Recebemos informações directamente da polícia e, em caso de denúncia, tomamos medidas imediatas, incluindo o reforço da fiscalização e a conscientização sobre os riscos envolvidos. Estamos comprometidos em agir de acordo com o Código da Estrada para garantir a segurança rodoviária e o cumprimento da lei”.

A directora geral da DGTR faz um apelo aos cidadãos para que adoptem uma condução prudente e respeitem as leis de trânsito. “A segurança rodoviária é uma responsabilidade de todos nós. Devemos estar cientes das nossas acções e fazer nossa parte para garantir estradas mais seguras para todos.»

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1175 de 5 de Junho de 2024.

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Autoria:Edisângela Tavares,9 jun 2024 9:06

Editado porJorge Montezinho  em  2 dez 2024 23:28

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