“Não precisamos muita análise. Análise leva a paralisia. O principal é ter uma mensagem de empreendedorismo para a gente jovem. Temos que inspirar a juventude”, disse Gunter Pauli no decorrer da conversa com Ulisses Correia e Silva, na Praia, esta segunda-feira.
Ulisses Correia e Silva e o economista belga Gunter Pauli, autor do livro The Blue Economy, falaram sobre o potencial da Economia Azul para o desenvolvimento de Cabo Verde, num evento integrado no programa Cabo Verde Next, no âmbito da rubrica Prime Minister’s Speaker Series.
Numa intervenção com vários exemplos, Pauli foi deixando várias mensagens durante as duas intervenções. “Se você tem matéria-prima, tem que gerar valor agregado. Essa é a verdadeira lógica da Economia Azul”, resumiu o economista e empresário.
Um dos exemplos que deu foi a ligação entre o café, os cogumelos e as galinhas. O desperdício que fica depois de prepararmos um café, mostrou um estudo da Universidade de Hong Kong, é óptimo para cultivar cogumelos – actualmente já existem 6 mil fazendas de café, em África, que estão a cultivar cogumelos. Depois também se descobriu que os resíduos que ficam após os cogumelos serem recolhidos, são um bom alimento para as galinhas. “Isso é Economia Azul. A Economia Azul é produzir muito mais do que se pensava que fosse possível”, disse Gunter Pauli, fluente em sete idiomas, um deles o português, língua em que falou durante as suas intervenções.
É também um empresário que não tem problemas em criticar as grandes empresas. “É claro que a Nestlé, a maior empresa do mundo de café, não tem nenhum interesse em cultivar cogumelos. Fizemos o cálculo. Se a Nestlé transformasse todo o desperdício de café em cogumelos, podia dar de comer a 100 milhões de pessoas em África. Não fazê-lo é um problema ético. Porque fazer o mal é mau. Mas negar fazer o bom é mau também”.
Economia Azul em Cabo Verde
Com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de cerca de 740.000 Km², o mar representa 99% do território cabo-verdiano, o que o torna, logicamente, um recurso estratégico para o desenvolvimento do país.
A Ambição 2030, presente no PEDS II, propõe uma estratégia para a mudança de paradigma em relação ao mar, para o transformar numa das principais âncoras do desenvolvimento, da diversificação e da especialização da economia cabo-verdiana.
Os oceanos e as zonas costeiras são vistos como uma nova fronteira promissora para o crescimento económico futuro, abrangendo vários sectores, incluindo o turismo, as pescas, a aquicultura, as energias renováveis, os transportes marítimos, as indústrias extractivas, a biotecnologia marinha bem como a bioprospecção.
Transformar potencial em valor
Inovar é fazer as coisas de outra maneira. Continuando nos exemplos, muito usados por Puli para ilustrar como se obtêm mudanças, o economista belga falou do principal problema da pesca, que não é sobre a pesca em si, mas devido ao facto dos pescadores apanharem peixes fêmeas grávidas. Se essa prática for proibida, em cinco anos haverá o triplo do peixe. “Não é uma inovação complicada. É simplesmente uma cultura de celebrar a vida. Mas os pescadores hoje não sabem diferenciar uma fêmea de um macho. Se você não sabe a diferença entre uma fêmea e um macho, o que sabe você da vida? Nada! Isso é inovação”.
Outro exemplo que o empresário belga deu foi o das ilhas Bonaire, a ilha caribenha um município especial dos Países Baixos. Pauli foi desafiado pelo Primeiro-ministro neerlandês a desenvolver a economia da ilha. Quando visitou o território, descobriu uma particularidade, apesar de ter apenas 17 mil habitantes – na altura – tinha três campeões do mundo de Windsurf (o documentário "Children of the Wind" conta a história destes campeões).
“Explicaram-me que era o ecossistema. Devido ao Recife de Corais, a ilha tinha uma baía perfeita para desenvolver capacidades técnicas de Windsurfing”. O que o economista propôs ao governo foi semear mais corais, os pescadores transformaram-se em criadores de corais e o turismo de mergulho e de Windsurf transformou-se numa atividade de alto valor acrescentado. “Quem paga? O rico europeu paga. Porque é um prazer poder aprender a mergulhar, aprender a semear corais. E quem tem mais benefício? O pescador, que vende um coral por cinco euros. Quantia que não recebia por 1 kg de peixe. Isso é a transformação do turismo”, disse Gunter Pauli.
O que não fazer
E agora? Quais os caminhos a percorrer? Para o criador do conceito de Economia Azul, há maneiras de fazer e atalhos a evitar.
Para envolver as comunidades, o truque é não fazer reuniões. “Isso é muito fastidioso. Não dá resultado. É preciso uma estratégia que interesse o jovem. Tem que chegar com surpresas. A surpresa é uma técnica de comunicação. Não precisamos meter toda a gente em círculo e falar e falar”.
Outra estratégia é não fazer planos de negócios. “Esse, para mim, é o erro fundamental. Não se pode traduzir tudo em planos de negócios. A estratégia para um país é fazer modelos matemáticos”.
Último conselho, nada de capitais de risco. “Você mora em Cabo Verde, não em Silicon Valley. Você tem que pensar em transformar o dinheiro que já existe em projectos com muito mais valor agregado. Capital de risco não, por favor. Não funciona. E se funcionar, funcionará só para quem dá o dinheiro, não para você”, concluiu Gunter Pauli.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1222 de 30 de Abril de 2025.