Maruca tem 30 anos e as suas redes sociais mostram uma vida de luxo: joias, viagens, vídeos de alta produção e um quotidiano marcado pela ostentação, com o objectivo de transmitir sucesso e abundância, embora viva em casa da mãe.
“Para mim, o dinheiro é tudo. Há coisas muito essenciais que não conseguimos com o dinheiro, mas, na minha visão, o dinheiro é tudo para o que almejamos viver”, afirma.
O jovem confessa que quer viver uma vida de luxo e de ostentação. “Almejo viver uma vida de artista, de viagens constantes, de receber a minha família em casa sem faltar nada”, descreve.
No seu perfil público no Instagram, é comum ver imagens onde exibe ouro e muito dinheiro.
“Gosto de ter dinheiro para viver bem e gosto que as pessoas saibam que eu tenho dinheiro e que vivo bem. Por isso, mostro os meus ouros nas minhas redes. Faço questão”, reitera.
Apesar do seu único trabalho ser a música, a produção artística não é barata. “Gasto muito com videoclipes. O último que fiz custou mais de 100 mil escudos. Costumo ter retorno do que gasto com os videoclipes, quando aparecem ‘shows’ e com as visualizações no YouTube e em outras plataformas, já que monetizei as minhas redes”, conta.
Maruca reconhece que o estilo de vida que escolheu é dispendioso. “Gasto sempre mais do que ganho. Ainda assim, consigo fazer uma poupança. A poupança é importante”, opina.
Entretanto, o jovem reconhece que, por ter mais gastos do que ganhos mensais, muitas vezes tem de recorrer às poupanças que faz com o objectivo de um dia ter o seu próprio estúdio profissional de gravações.
“Mas tento sempre repor aquele dinheiro”, justifica.
Resistir aos impulsos
Também ouvimos Iva de Pina Valdez, de 29 anos e estudante de Relações Públicas, que afirma preferir um caminho “mais consciente”. Embora goste de partilhar o seu dia-a-dia no mundo digital, garante que não se deixa levar por pressões externas ou consumismos impostos pelo ambiente online.
“Sinto-me satisfeita quando sinto que as pessoas se identificam com algumas partilhas”, admite.
No entanto, garante que essa partilha não implica, necessariamente, consumo desenfreado. Para Iva, o dinheiro tem um valor além do material, embora reconheça que nem sempre conseguiu resistir aos impulsos.
“Já gastei mais do que podia. Tenho uma amiga que sempre diz que, às vezes, fazemos ‘bazofaria’ que nos ultrapassa. Acho que é no calor da emoção do momento que eu faço isso e, depois, esse dinheiro faz-me falta”, confessa.
Apesar de hoje gastar com consciência, Iva diz que já houve uma altura em que sentiu pressão para parecer bem-sucedida nas redes sociais.
“Deixei de sentir essa pressão após compreender que nem sempre o que vemos nas redes sociais corresponde à realidade”, complementa.
Independentemente de gastar com consciência, Iva não consegue definir com precisão o seu orçamento mensal, uma vez que inclui despesas fixas e os cuidados com a filha.
“Acho que estou a gerir o meu dinheiro para sobreviver e não para ter uma poupança no futuro”, constata. Mas Iva afirma que o facto de ter criado uma empresa na sua área de formação recentemente representa uma esperança de maior estabilidade financeira.
Vive com a mãe, o irmão e a filha, por escolha própria. “Ajuda muito financeiramente, emocionalmente e com todos os projectos pessoais, porque tenho um suporte, um apoio com a minha filha”, aponta.
A maior dificuldade financeira que Iva enfrentou foi a acumulação de três meses de propinas em atraso. A solução surgiu de forma inesperada, após uma actuação espontânea durante uma actividade académica que a colocou em contacto com o ministro da Educação, que acabou por conceder-lhe uma bolsa.
Com um salário que considera suficiente para cobrir as necessidades básicas, Iva prefere aplicar o pouco que sobra em experiências. “Prefiro gastar dinheiro com experiências, porque levamos desta vida o que vivemos. E experiências levam ao conhecimento”, diz.
Influenciar sem gastos extravagantes
Belva Monteiro, jovem influencer digital em ascensão, começou a partilhar os seus conteúdos, sobretudo focada em compras online e moda.
No entanto, garante que a sua relação com o trabalho nas redes sociais e o dinheiro é ponderada e responsável.
“Eu já fazia compras online, porque queria renovar o meu guarda-roupa com peças que combinassem mais com o meu estilo actual. Depois veio a vontade de partilhar experiências e ajudar quem procura fazer compras mais conscientes. Não compro tudo para mostrar, uso as peças várias vezes e tento reutilizar”, relata.
A influencer ressalta que não sente pressão para estar sempre a comprar só para ter conteúdos para o seu público.
“Foi uma escolha pessoal investir no meu guarda-roupa, com peças versáteis que posso usar em várias ocasiões”, sublinha.
Por essa razão, sugere vários looks com a mesma peça de roupa, por ser consciente de que nem todos conseguem fazer uma compra de roupas e acessórios de dez mil escudos todos os meses e ainda custear o preço do envio.
Para reduzir custos, Belva sugere soluções práticas, como estar atenta às promoções e cupões e dividir as compras entre amigas para pagar menos pelo envio. “Às vezes, comprar online acaba por ser mais barato do que nas lojas locais, apesar do custo do shipping”, orienta.
Como as redes sociais influenciam o comportamento financeiro dos jovens
Maria Maurício trabalha no Departamento de Operações de Mercado da Bolsa de Valores e também na área da Educação e Literacia Financeira, e tem partilhado conteúdos nas redes sociais sobre gestão do dinheiro, devido à necessidade de tornar acessíveis conhecimentos que, na sua experiência, mudaram a sua vida.
“Há cerca de cinco anos, comecei a notar mudanças na minha própria forma de lidar com o dinheiro. Percebi que estes conhecimentos deviam ser públicos e partilhados, porque podiam ajudar outras pessoas a melhorar a sua vida”, conta.
Para esta profissional, uma das maiores dificuldades dos jovens em gerir o dinheiro está ligada à mentalidade imediatista e à influência constante das redes sociais. “Os jovens vivem muito o momento, por vezes pensando viver o hoje porque o amanhã não é garantido. No entanto, o que consumimos hoje tem consequências no futuro”, alerta.
A pressão para consumir tudo o que se vê nas redes sociais pode levar a decisões financeiras pouco sustentáveis, conforme explica. “Isso é fruto de uma comparação constante. A grama do vizinho parece sempre mais verde, e essa comparação gera um desejo imediato de consumir o que vemos nas redes sociais”, ressalta.
Para contrariar esta tendência, Maria aconselha a definição de metas claras e realistas, que ajudem a orientar as decisões financeiras no curto, médio e longo prazo. “Quando definimos metas, percebemos o que faz sentido consumir agora e o que devemos adiar”, recomenda.
A especialista lembra ainda que o controlo financeiro não significa privação, mas sim gerir melhor o que se tem disponível. “Não devemos limitar-nos a não gastar, mas sim aprender a gerir o dinheiro que recebemos, muitas vezes um valor limitado, e a fazer escolhas conscientes”, acrescenta.
Maria Maurício sublinha que a educação financeira começa em casa, com conversas abertas e práticas simples, como dar uma mesada controlada para ensinar as crianças a gerir o seu próprio dinheiro.
“É importante que os jovens entendam que o dinheiro é fruto de esforço, que não nasce do nada e que é para nos servir, não para sermos escravos dele”.
Redes sociais intensificam pressão para o consumo e a ostentação
Ao Expresso das Ilhas, o sociólogo Elísio Semedo diz que as redes sociais intensificam a pressão para o consumo e a ostentação.
Conforme explana, para muitos jovens o status social está ligado a objectos de consumo, como roupas de marca e telemóveis caros.
“A identidade, infelizmente, está marcada também pela forma de se afirmar, de se mostrar”, refere.
O sociólogo nota que, muitas vezes, os jovens tentam ocupar um “patamar superior” na escala social, mesmo que isso esteja para além das suas possibilidades económicas.
Segundo o especialista, jovens oriundos de famílias com poucos recursos financeiros procuram outros meios para corresponder a essas expectativas, e que nem sempre as escolhas feitas são honestas ou legais.
Este fenómeno, conforme o sociólogo, não é um problema exclusivo dos jovens, mas sim um reflexo das condições sociais e da falta de orientação adequada por parte dos adultos e das instituições.
“O jovem é produto do ambiente em que vive. Se o ambiente não tem ferramentas de controlo para o manter num caminho mais adequado, ele segue a pressão”, afirma.
Elísio Semedo refere que o desafio para a sociedade cabo-verdiana reside em encontrar formas de apoiar os jovens para poderem exercer o seu direito ao consumo com responsabilidade, enquanto resistem às pressões sociais que lhes são impostas, particularmente através das redes sociais.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1229 de 18 de Junho de 2025.