O veleiro, capitaneado por Nhô Henrique de Lola, partiu do Porto de Fajã d’Água, na ilha Brava, em 27 de Agosto de 1943, e nunca chegou ao seu destino.
A história da embarcação foi reconstituída pelo escritor Artur Vieira, um natural da Brava, no livro "Matilde, viage di Distino", que se baseou em testemunhos para descrever a tragédia.
A obra relata que o veleiro ia sobrecarregado, com colchões, vasilhames com água e mantimentos, lenha, pilão, moinho, cabras e um novilho, transportadas da Furna para Fajã d’Água por dois botes: “Elisabeth” e “Santo Antão”. A viagem realizou-se à noite para fugir ao controlo das autoridades no Porto da Furna, conforme deixa entender Artur Vieira.
Além de passageiros, incluindo os próprios proprietários do navio, naquela fatídica noite Matilde transportava uma quantidade de carga exagerada, mesmo para uma viagem dentro das ilhas.
O desaparecimento do 'Matilde' só foi confirmado meses depois, um telegrama dos Estados Unidos informou que não havia notícias do veleiro, mergulhando a ilha Brava num luto profundo.
Da lista dos ocupantes do veleiro, além de naturais da Brava, constavam mais dois nomes, sendo um da ilha da Boa Vista e outro do Fogo.
No seu livro, bilingue, Matilde, viage di Distino (Matilde, viagem de Distino), o autor explica as razões que levaram os 53 homens a encetar o caminho da América no dia 27 de Agosto de 1943.
Na altura, diz, a Europa vivia em guerra, pelo que os EUA apelaram a todos os seus cidadãos no exterior a regressarem. Na ocasião, encontravam-se na Brava muitos homens naturalizados norte-americanos. Sem possibilidade de viajar por causa do conflito e falta de barco, muitos viram no Matilde a grande oportunidade de sair da ilha e estavam dispostos a pagar o que fosse necessário para isso.
Para o antropólogo Manuel Brito-Semedo, com o livro Matilde, Viage di Distino, o autor fixa para a posteridade uma “página triste da história trágico-marítima das ilhas”.
A fome que assolava o arquipélago foi também um dos factores que empurraram aquelas pessoas a partirem para a terra do Tio Sam. Relatos recolhidos por Artur Vieira revelam que nas filas da câmara municipal, “criancinhas morrem nas costas das mães sem que elas percebam”. Por isso, era preferível partir. E houve quem defendesse que, na América, quem fosse à guerra, pelo menos, teria futuro garantido.
“Se morrer [na guerra], a família ficará amparada. Aqui [na Brava], é a fome que nos esmaga”, assim pensavam muitos dos que encetaram o caminho do mar.
Artur Vieira escreve que, na altura, o bilhete de passagem custava 200 dólares, mas quem não pudesse pagar apresentava um fiador que assinava um termo de responsabilidade podendo a dívida ser quitada nos Estados Unidos.
Alguns passageiros acabaram por não embarcar, como o contra-mestre, que teve uma forte dor de cabeça. Mesmo sob insistência dos passageiros não viajou. Outros ainda não quiseram embarcar naquela aventura. É o caso dos passageiros Leopoldo Oliveira e Humberto Bala que, vendo o convés do barco rente às ondas, exigiram do capitão o retorno deles à terra. Conseguiram, porém, fugir num dos botes do Matilde.
Um outro sobrevivente desta tragédia é Henrique Rosa, filho do capitão do Matilde. Contou ao Artur Vieira que, desde a véspera da partida, se encontrava a bordo varrendo, quando viu no porão uma moeda de dez tostões. Ao apanhá-la, verificou com espanto que do fundo emergiam diminutas bolhas de água. Sentiu medo e pediu ao guarda que o levasse à terra para comprar goiaba.
Diante da sua insistência, o homem o levou à terra recomendando-lhe que não demorasse, o que não aconteceu, tendo ficado a brincar com outros meninos e a vaguear nos canaviais até anoitecer. Refugiou-se num pardieiro e, escondido entre feixes de palha, pôde seguir o embarque dos tripulantes.
No dia seguinte, depois do navio já ter seguido viagem, Henriquinho regressou a casa. A mãe zangou-se com ele por ter rejeitado o “caminho d’ América”, mas justificou-se contando sobre as infiltrações que presenciara no navio.
Matilde, segundo Vieira, construído em São Vicente, pertenceu à Casa Carvalho, que lhe deu o nome, passou para Manito Bento, abastado comerciante da Praia, e posteriormente foi adquirido pelos irmãos Daniel e Abel do Sr. Ramos, grande comerciante de Cova Rodela, Brava.
Em 1993, para assinalar os 50 anos do desaparecimento do veleiro, os emigrantes americanos mandaram erguer um monumento em honra aos filhos da Brava desaparecidos nessa viagem. Nele estão escritos por ordem alfabética os nomes dos 53 passageiros.