Quando comparados com os jovens do Continente, os cabo-verdianos têm fracas ambições profissionais, um empreendedorismo mais limitado e focam-se no imediato. Os resultados da pesquisa Novas perspectivas sobre as vidas dos jovens em São Vicente, dentro do projecto FUMI, acabam por não surpreender o autor do estudo, o norueguês Jørgen Carling, professor e pesquisador em Estudos Migratórios, profundo conhecedor da realidade cabo-verdiana, mas não deixam de impressionar.
“Os jovens de São Vicente sonham em ter uma casa e com a subsistência, em criar os seus filhos, em vez de terem grandes sonhos sobre profissões, por exemplo”, explica o especialista em Geografia Humana ao Expresso das Ilhas. “É uma diferença marcante em relação à África Ocidental continental”, continua.
“Para os cabo-verdianos, o trabalho serve apenas para conseguir pagar a renda e colocar comida na mesa. É uma questão de sobrevivência”, sublinha Carling. “Pode dizer-se que isso talvez seja natural uma vez que é um país pobre, mas quando se olha para o Gana e para a Gâmbia, que são países ainda mais pobres e onde mais pessoas têm problemas em colocar comida na mesa, no entanto, sonham em ser enfermeiros, engenheiros ou músicos famosos”.
“De certa forma, no continente têm sonhos maiores”, conclui o investigador, “em São Vicente, sonham menos do que os outros jovens e os sonhos estão focados no imediato, na sobrevivência”, reitera.
A pesquisa FUMI
A pesquisa FUMI é um inquérito por amostragem a jovens adultos (18-39 anos) em três áreas urbanas da África Ocidental: Serekunda (Gâmbia), Tema (Gana) e São Vicente (Cabo Verde). Este relatório apresenta resultados descritivos, discriminados por género, idade e riqueza para cada cidade.
Esta investigação é uma componente central do projecto Future Migration as Present Fact (FUMI), financiado pelo Conselho Europeu de Investigação. Estas subvenções são atribuídas com base na excelência científica, sem ter em conta as prioridades políticas.
O ponto de partida para o projecto é uma estatística impressionante: a maioria dos jovens adultos da África Ocidental afirma desejar deixar o seu país e estabelecer-se noutro local. No entanto, a grande maioria nunca parte. Se a migração é desejada, mas nunca se concretiza, quais as consequências?
“Existe este cenário em que a maioria dos jovens deposita as suas esperanças na migração e, de certa forma, apenas espera por essa oportunidade em vez de investir num futuro local”, explica Jørgen Carling. “Fazer perguntas às pessoas sobre esta migração imaginária ajuda a compreender algo sobre as suas vidas neste momento e quando tantas pessoas dizem que gostariam de ir, isso diz-nos algo sobre a percepção de falta de oportunidades em Cabo Verde. E é impressionante que haja tantas pessoas que têm um emprego a tempo inteiro, mas, ainda assim, se ganham o salário mínimo, sobreviver pode ser muito difícil”.
O projecto FUMI rompe com as abordagens tradicionais ao mudar o objecto de estudo da migração observada no presente para a migração imaginada no futuro. Embora esta migração futura possa nunca ocorrer, ela materializa-se em pensamentos, sentimentos e comportamentos no presente. Para compreender como os jovens adultos pensam sobre a migração, é preciso situar a migração nas suas vidas e sonhos de uma forma mais ampla.
O inquérito FUMI tem uma amostra aleatória de 1.000 indivíduos em cada local e as questões do inquérito abrangem a família e o agregado familiar, a satisfação com a vida, os indicadores socioeconómicos, os meios de subsistência, os laços sociais, a governação, o envolvimento cívico, as atitudes de risco, as aspirações migratórias, as percepções relacionadas com a migração e as redes migratórias.
Os resultados em São Vicente
O inquérito, como referido anteriormente, aborda vários temas. Analisando alguns deles em São Vicente, este mostra que em questões como Trabalho, Dinheiro e Canseira, em São Vicente, entre os mil jovens que responderam, +80% dos homens (H) e +70% das mulheres (M) trabalha ou tem negócio. Menos de 20% dos homens e mais de 20% das mulheres recebe dinheiro todos os meses. Entre 40% (H) e 50% (M) conseguiria dinheiro para uma emergência. Quase 20% (H e M) já passou um dia sem comer o suficiente. E 20% dos homens e 30% das mulheres acha a vida muito cansativa.
No item Satisfação com a Vida, entre os homens 54% estão satisfeitos, 38% considera-se mais ou menos satisfeito e 8% estão insatisfeitos. Entre as mulheres 50% estão satisfeitas, 40% estão mais ou menos e 11% estão insatisfeitas. Mas se analisarmos pelas condições, entre os de alta condição 65% estão satisfeitos, 32% sentem-se mais ou menos satisfeitos e 3% estão insatisfeitos. Nos de baixa condição 41% dizem estar satisfeitos, 42% sentem-se mais ou menos e 18% estão insatisfeitos.
No tema Sentimentos e Preparação Relacionados com a Emigração, 70% das mulheres e 80% dos homens dizem que prefeririam emigrar. Cerca de 90% (H e M) iriam se tivessem visto e passagem. Mais de 60% (tanto H como M) considerou seriamente emigrar. Mas só cerca de 20% (H e M) se preparou para emigrar e quase 20% (H e M) menciona emigrar como um sonho.
“Como fazer negócios não tem tanto apelo em Cabo Verde como no continente, isto levanta a hipótese da esperança perdida em ter uma vida melhor. Há este sentimento de que, provavelmente, só vão ganhar o salário mínimo para o resto da vida e por isso é bastante forte este sentimento que a única saída é migrar”, refere Carling.

“É difícil para a maioria dos jovens imaginar construir uma carreira e ascender na hierarquia profissional”
Jørgen Carling
Comparando com jovens da Gâmbia e do Gana, os cabo-verdianos de São Vicente são os mais satisfeitos com a vida, os que mais conseguem dinheiro para uma emergência, os que menos consideram a vida cansativa e os que menos passam fome. No entanto, são os que menos acham que o país e a cidade são bons lugares para viver, são os que consideram que têm menos oportunidades de negócio e são os que menos acham que quem quer trabalhar pode sustentar-se.
Isto nota-se na forma como encaram o futuro. Enquanto a maior parte dos cabo-verdianos diz que vive um dia de cada vez, na Gâmbia e no Gana a maioria dos jovens faz planos específicos.
Por exemplo, quando questionados de que maneira gastariam uma prenda de 150 contos, 31% dos cabo-verdianos usaria o dinheiro para o negócio, 21% com a casa e 12% para necessidades básicas. Na Gâmbia 51% usaria em negócio, 10% com a casa e 11% em necessidades básicas. No Gana 65% usaria em negócio, 6% com a casa e 5% em necessidades básicas.
E quando lhes foi pedido que escolhessem entre quatro oportunidades, os resultados foram: visto e passagem (Cabo Verde 52%, Gâmbia 45%, Gana 52%); curso para obter diploma (Cabo Verde 14%, Gâmbia 12%, Gana 8%): emprego fixo a receber 30 contos/mês (Cabo Verde 15%, Gâmbia 12%, Gana 14%); 300 contos para montar um negócio (Cabo Verde 18%, Gâmbia 31%, Gana 25%).
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Pergunta aberta no inquérito
Kal é ke bo sonho mas importante na vida?
- Ser advogada pa ijdá nha familia
- Terminá nhas estudo e abrí um negoss
- Obté um kasinha, nem ke seja de tambor
- Da nha mãe um vida kel ta merecé
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Profissões mais procuradas em São Vicente (entre os 17% que tem sonhos profissionais)
Mulheres
1. Empresária
2. Polícia
3. Advogada/juíza
4. Enfermeira
5. Professora
Homens
1. Futebolista
2. Empresário
3. Músico
4. Barbeiro
5. Professor
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As diferenças
Para o professor e pesquisador em estudos de migração e transnacionalismo no Instituto de Pesquisa da Paz de Oslo (PRIO) – instituto de pesquisa independente, internacional e interdisciplinar – a disparidade de resultados entre os jovens de São Vicente e os do continente podem ser explicados pelas diversidades dos valores culturais.
“Em Cabo Verde as fomes dos anos 40 ainda marcam as pessoas, além disso, a tradição católica atribuí um grande valor à humildade. Ter a mania da grandeza, é uma fonte de vergonha. Ser humilde é bom. Já no Gana, por exemplo, onde a influência das igrejas carismáticas é muito forte, ter sonhos pequenos é um indício de que não tem fé em Deus, não acredita que Ele tornará as coisas possíveis. Mas se tem sonhos muito grandes, significa que tem uma fé forte em Deus e confia que Deus tornará tudo possível para si”, sublinha Jørgen Carling.
As políticas
Esta investigação é essencialmente científica e sem objectivos relacionados com as políticas públicas, no entanto, como refere o investigador, os decisores podem, e devem ter em atenção os resultados da pesquisa.
“Acho muito importante este sonho de ter uma casa. É algo que se destaca bastante em contraste com o continente. E acho interessante ver estes resultados em relação aos resultados do último censo, que mostraram que 25% das casas em São Vicente estão vazias e isso é uma grande ironia. Temos tantas pessoas cujo maior sonho é ter uma casa e há muitas casas que não estão ocupadas”, diz Jørgen Carling.
“Outra questão central é que construir uma carreira profissional já não está presente na mente dos jovens. É uma descoberta bastante impressionante e, de certa forma, bastante preocupante se pensarmos nos avanços que o país está a ter. Quer dizer, muitas partes da economia estão a crescer, o turismo está a crescer, e, de certa forma, seria de esperar uma força de trabalho cada vez mais qualificada”, explica o investigador.
“Mesmo os meus colegas académicos cabo-verdianos dizem que os estudantes universitários muitas vezes não estão focados na sua vocação profissional, mas mais em obter o diploma para conseguir um emprego melhor. O trabalho que fizemos foi, de certa forma, mapear a situação. A questão seguinte, como é que isto pode ser alterado, está para além deste projecto”, conclui Carling, que, além da geografia humana, baseia-se bastante em trabalhos de outras disciplinas, incluindo antropologia, economia e sociologia.
No fundo, é essa a directriz do projecto FUMI, está orientado para o progresso científico, mais do que para a formulação de políticas públicas, e para compreender as vidas e os sonhos dos jovens, para melhor entender os desejos de emigrar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1249 de 05 de Novembro de 2025.
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