Cabo Verde aceitou todas as exigências americanas

PorAndre Amaral,7 jul 2018 6:49

EUA têm acordos SOFA assinados com mais de uma centena de países. Países da NATO ou aliados como a Austrália ou Israel estão entre os signatários. No entanto, cada país tem uma versão diferente do acordo onde se estabelecem direitos e deveres das forças militares norte-americanas aí presentes.

O draft proposto pelos EUA para cada acordo SOFA (Sta­tus of Forces Agreement) é sempre o mesmo. No início das negociações é apresenta­do um texto inicial que é ne­gociado entre as partes.

Aconteceu com Cabo Ver­de e, por exemplo, com o Se­negal. Cada um destes países assinou mais ou menos recen­temente um acordo deste gé­nero com os EUA.

No entanto, fazendo uma comparação, saltam à vista diferenças entre os textos as­sinados entre as partes. A pri­meira diferença, desde logo, encontra-se no artigo 3º do acordo. Cabo Verde, no pon­to 2 deste artigo, “reconhe­ce a especial importância do controlo disciplinar exercido pelas autoridades das Forças Armadas dos Estados Unidos sobre o pessoal dos Estados Unidos e, em conformidade, autoriza os Estados Unidos a exercer jurisdição penal sobre o pessoal dos Estados Unidos durante a sua permanência no território da República de Cabo Verde”.

Um ponto que não surge no acordo firmado entre Senegal e Estados Unidos da América e que significa que, na even­tualidade de qualquer crime cometido por forças ameri­canas presentes no Senegal, serão os tribunais senegaleses a julgar o caso e não a justiça militar americana como é pre­visto no acordo assinado entre Cabo Verde e EUA.

Negociação?

Como já foi dito, antes da assinatura do acordo há sem­pre um primeiro ‘draft’ que é apresentado ao governo de cada país com quem os EUA querem assinar um acordo de cooperação.

Cabe depois a cada país negociar e apresentar alterna­tivas para a retirada de deter­minados artigos com os quais possam não concordar.

Cabo Verde, no entanto, teve uma postura negocial diferente. O ‘draft’ inicial e o acordo final não têm diferen­ças, ou seja, Cabo Verde acei­tou todas as exigências postas em cima da mesa pelos Esta­dos Unidos da América.

Assim, com a assinatu­ra deste acordo, os militares americanos que cometam qualquer tipo de crimes em território nacional, por exem­plo, ficarão sob alçada da jus­tiça militar do seu país não sendo julgados nos tribunais cabo-verdianos.

No entanto, o acordo prevê que se “Cabo Verde o solicitar, os Estados Unidos informarão Cabo Verde sobre o estado de quaisquer processos penais relativos a infracções alegada­mente cometidas no território da República de Cabo Verde por pessoal dos Estados Uni­dos que envolvam cidadãos cabo-verdianos, incluindo so­bre a decisão final das investi­gações ou da acção penal, em conformidade com a legisla­ção e a política dos Estados Unidos. Se solicitado, os Es­tados Unidos envidarão esfor­ços para permitir e facilitar a comparência e observação de representantes de Cabo Verde durante tais processos”.

Outra ressalva prevista no acordo é que os “Estados Unidos envidarão esforços para facilitar a participação de vítimas e testemunhas cabo-verdianas em processos judiciais, conforme solicitado pelo tribunal, em conformida­de com as leis e regulamentos dos Estados Unidos, incluindo o Código Uniforme de Justiça Militar e os regulamentos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos” e que ambas as partes se comprometem a prestar assistência judiciária mútua na investigação de in­cidentes.

Inconstitucionalidade?

Um outro artigo que está a causar polémica é o artigo 12º deste acordo. Segundo o texto, EUA e Cabo Verde “re­nunciam a todas e quaisquer demandas entre si (excepto as resultantes de direitos con­tratuais) por danos, perda ou destruição de propriedade da outra Parte, ou por lesão ou morte de pessoal das forças armadas ou pessoal civil de qualquer das Partes, decor­rentes do desempenho das suas funções oficiais no âm­bito das actividades ao abrigo do presente Acordo”.

Os referidos artigos levan­taram dúvidas ao maior par­tido da oposição. A presiden­te do PAICV solicitou mesmo um encontro de urgência com o primeiro-ministro e que acabou por se realizar no pas­sado dia 26 de Junho.

À saída do encontro Jani­ra Hopffer Almada voltou a destacar as dúvidas que o seu partido tem levantado quanto à constitucionalidade de al­gumas normas presentes no acordo e denunciou que ape­sar dessas incertezas, que já tinham sido apresentadas ao governo, o “acordo que nos foi apresentado pelo primeiro­-ministro e que mereceu as nossas dúvidas foi exactamen­te o acordo que foi assinado sem a mudança de uma vírgu­la”. Para a presidente do PAI­CV levantavam-se igualmente receios sobre a constituciona­lidade deste acordo.

Um argumento que foi prontamente rebatido pelo Ministro da Defesa, Luís Fili­pe Tavares que também este­ve presente no encontro.

“O governo não tem ne­nhuma dúvida quanto a esta matéria. Antes de assinarmos tínhamos facultado esta in­formação a todos os sujeitos políticos, nomeadamente ao PAICV e UCID, e na altura não houve nenhuma manifestação em como havia inconstitucio­nalidade. As pessoas têm o di­reito de ter a sua opinião, nós temos a nossa, muito clara. Para o governo não há nenhu­ma inconstitucionalidade. É um acordo político muito im­portante, da maior relevância, com os EUA. Estamos abso­lutamente tranquilos, respei­tamos as opiniões contrárias. Estamos convencidos que é um bom acordo para Cabo Verde”, apontou.

Soberania em causa, reconhece o Departamento de Estado

A existência de um ‘draft’ do SOFA é polémica mesmo nos Estados Unidos da Amé­rica.

Um documento do Depar­tamento de Estado a que o Ex­presso das Ilhas teve acesso, e que foi elaborado pelo In­ternational Security Advisory Board, aponta que em “mui­tos casos nos últimos anos, embora alguns novos SOFAs tenham sido negociados, os negociadores do Estado acre­ditam que surgiu uma lacuna entre as disposições abran­gentes desejadas pelos Esta­dos Unidos e aqueles com os quais os países anfitriões hoje estão dispostos a concordar”.

Os SOFA, aponta o mesmo documento, “implicam, por definição, algum comprome­timento dos direitos sobera­nos que as nações anfitriãs teriam sob a regra básica de direito internacional de que estrangeiros presentes numa nação estão sujeitos à lei da­quela nação - frequentemente levantam questões de orgulho nacional, controvérsia sobre a cooperação com os Estados Unidos, relutância em con­cordar com as exigências dos EUA por causa de um senso reduzido de dependência dos Estados Unidos em relação à segurança, resistência a re­nunciar a receita tributária significativa e autoridade re­gulatória, e competição com vizinhos que são vistos como tendo acordos de status “me­lhores””.

Para além disso, prosse­gue o documento entregue ao Departamento de Estado, “algumas outras nações po­dem relutar em aceitar dispo­sições de status que protejam apenas o pessoal e as activi­dades de defesa dos EUA em seu território, sem conceder direitos recíprocos ao pessoal e às actividades de defesa de seus países nos Estados Uni­dos”.

Para além das questões de soberania interna, também a necessidade de aprovação pelas diversas agências envol­vidas de qualquer alteração ao acordo causa transtornos ao Departamento de Estado norte-americano.

“Procedimentos internos dos EUA - como a exigência de que todas as variações signifi­cativas do formulário obrigam a autorização entre agências - acabam por tornar desneces­sariamente difícil para nos­sos negociadores chegarem a compromissos que variando os termos padrão”, aponta o estudo elaborado pelo Inter­national Security Advisory Board.

“O resultado”, prossegue o estudo, “não é protecção acor­dada ou, na melhor das hipó­teses atrasos na obtenção de acordos - e renúncia ao enga­jamento militar útil e activida­des, ou conduzi-los sem pro­tecções de status acordadas”.

Assim, uma “abordagem mais eficaz levaria melhor em conta que um único “global”O modelo SOFA raramente será necessário para fins dos EUA em todos os países e ne­gociável com a nação anfitriã. Melhorar as perspectivas de negociação e a implementa­ção de um SOFA requer mais consideração às questões do contexto de SOFA particular, reciprocidade, a natureza das actividades militares dos EUA na nação, e prioridades entre possíveis provisões de protec­ção”, aponta ainda o mesmo estudo.

Aprovado na generalidade

O acordo sobre o estatuto das forças militares dos Estados Unidos da América em Cabo Verde foi aprovado na última sessão parlamentar do mês de Junho, com votos a favor da maioria e abstenção da oposição.

O SOFA foi aprovado na generalidade com 34 votos a favor do MpD e abstenção de 20 deputados da oposição, dos quais 17 do PAICV e três da UCID.

O acordo, que estava a ser negociado há mais de oito anos, foi assinado a 25 de Setembro em Washington, pelo primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, no âmbito da sua primeira visita oficial àquele país.

SOFA - Senegal by Morabeza on Scribd

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 866 de 4 de Julho de 2018.

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Autoria:Andre Amaral,7 jul 2018 6:49

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  7 jul 2018 19:00

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