Carlos Vasconcelos aposta na diversificação da economia de São Lourenço dos Órgãos

PorAntónio Monteiro,12 ago 2018 9:29

Carlos Vasconcelos
Carlos Vasconcelos

​Assinala-se esta sexta-feira, 10 de Agosto, o 13º aniversário da criação do município de São Lourenço dos Órgãos. Para o edil Carlos Vasconcelos este acto administrativo trouxe ganhos aos laurentinos, mas o concelho essencialmente rural continua a ser um dos mais pobres de Cabo Verde cujos recursos financeiros incluindo o Fundo de Apoio Municipal não conseguem cobrir as despesas da folha salarial da autarquia. Entretanto, o presidente da Câmara Municipal perspectiva um futuro mais próspero para o concelho suportado pelo turismo rural, pela agroindústria e pelo empreendedorismo.

Valeu a pena a criação do município de São Lourenço dos Órgãos?

Com certeza. Hoje ninguém duvida das vantagens que a criação do município trouxe à população de São Lourenço dos Órgãos. Estou a referir-me à autonomia que passamos a ter, mas também aos investimentos que a câmara municipal tem levado a cabo com impacto directo na vida dos laurentinos e do município em geral.

Que ganhos pode referenciar nestes 13 anos?

Antes, São Lourenço dos Órgãos pertencia ao município de Santa Cruz. Em 2005, foi desintegrado do concelho de Santa Cruz e criado o Município de São Lourenço dos Órgãos. O que mudou nestes 13 anos é a qualidade de vida dos munícipes. Hoje temos um município com infraestruturas próprias, estou a falar do Liceu [Luciano Garcia], traçamos a nossa política para a educação. Hoje, os nossos alunos podem estudar quer no país, quer no estrangeiro graças às parcerias da câmara municipal com várias universidades e escolas profissionais portuguesas. Neste momento temos cerca de 400 alunos que estudam em Portugal no âmbito dessas parcerias. Já neste mês vai arrancar a construção do novo Centro de Saúde; temos apoiado várias famílias de baixa renda a reabilitarem as suas casas, além de outras actividades a nível da promoção social, da cultura e do desporto no município.

Uma das principais actividades que marcam os 13 anos da criação do município foi a Gala “Nos Djentis”. Vai ter continuidade?

A Gala “Nos Djentis” é uma actividade que queremos instituir no município e tem como objectivo homenagear pessoas singulares e entidades que deram o seu contributo nas diferentes áreas para o desenvolvimento de São Lourenço dos Órgãos, nomeadamente a nível da cultura, da saúde, do associativismo, do empreendedorismo, etc. Com isso queremos distinguir as pessoas que deram o seu contributo em prol do município, mas também promover a cultura do servir. Isto é, queremos incentivar mais munícipes a se destacarem pela positiva nas mais diferentes áreas.

Apesar do fraco rendimento das famílias neste ano de seca, os alunos do Liceu Luciano Garcia não desistiram das aulas.

O arranque das obras para a construção do novo Centro de Saúde estava previsto para o mês de Agosto e já entramos no mês de Agosto.

Já estamos no mês de Agosto e já está tudo a postos para o arranque das obras. A empresa vencedora do concurso já foi contactada e já assinamos o contrato de adjudicação já foi também assinado. Tínhamos previsto arrancar as obras no dia 9 de Agosto, mas devido à agenda do ministro da Saúde o lançamento da primeira pedra será a seguir à festa de São Lourenço, portanto, no dia 13 de Agosto.

O que este Centro irá significar na melhoria dos cuidados se saúde dos laurentinos?

Melhor saúde, melhor acesso aos cuidados de saúde, pois trata-se de um centro de saúde moderno que irá ser dotado de melhores valências em relação ao que temos neste momento.

Na conta gerência de 2017, apresentada no mês de Julho, a taxa de execução do orçamento ronda os 33 por cento. A que se deve esta fraca prestação camarária?

A minha equipa camarária tomou posse em Outubro de 2016. Tínhamos três meses para elaborar o orçamento e apresentá-lo à Assembleia Municipal. Mas logo a seguir à nossa entrada deparamo-nos com vários problemas deixados pela gestão cessante que foram na altura denunciados tanto na comunicação social como nas redes sociais. Ou seja, herdamos uma câmara com 350 mil contos de dívida e excesso de pessoal. Tivemos aí de fazer toda uma engenharia financeira para podermos pôr de pé esta câmara. Tínhamos previsto grandes projectos, nomeadamente este centro de saúde avaliado em 100 e tal mil contos; tínhamos também previsto o arranque das obras do estádio municipal, mas constatamos que o terreno pertencia a um privado. Aí tivemos que negociar com o dono do terreno e indemnizá-lo. Tudo isso causou um certo desequilíbrio na nossa conta gerência. Por isso, a maioria dos investimentos que tínhamos previsto, dependiam do apoio do governo. Como não houve esse apoio, registou-se esta queda na conta gerência da Câmara Municipal de São Lourenço dos Órgãos. Entretanto, convém ressalvar aqui que apesar da taxa de execução do orçamento ter-se situado à volta dos 33 por cento, nunca dantes a câmara municipal conseguiu ultrapassar os cinquenta por cento.

Para arcar com todos estes custos, tivemos que reduzir as despesas com os vereadores e colocar esses recursos a favor dos munícipes, sobretudo, dos nossos estudantes.

Quanto arrecada esta câmara e quanto gasta?

Incluindo o Fundo de Apoio Municipal, esta câmara arrecada aproximadamente 120 mil contos anuais. Entretanto, só com a folha salarial da câmara municipal ultrapassamos de longe o Fundo de apoio Municipal mensal. Isso significa que é uma câmara que sempre funcionou no vermelho, porque com quase trezentos funcionários não temos grande margem para cumprir com todas as nossas obrigações, quer em termos salariais, quer em termos das nossas obrigações fiscais. Portanto, em termos financeiros esta câmara está numa situação bastante sensível. Como disse, trata-se de uma situação herdada da gestão camarária anterior que tem comprometido seriamente o desenvolvimento do município. Nós encontramos uma câmara que mal conseguia pagar os salários e para complicar ainda mais esta situação, a equipa cessante, no momento de sair, colocou todos os trabalhadores como quadros desta autarquia e aumentou o salário dessas pessoas, o que trouxe um grande constrangimento para a nossa gestão.

Qual é a saída para esta situação?

A câmara municipal por si só não consegue sair desta situação. Precisamos do apoio do governo e o governo está a par da situação que a câmara municipal atravessa neste momento. Na primeira visita realizada no início do ano passado o primeiro-ministro prometeu um saneamento financeiro ao nosso município. Neste momento os inspectores do ministério das Finanças já fizeram um levantamento das dívidas da câmara municipal, já elaboraram um relatório que o ministro das Finanças deverá apresentar ao Conselho de Ministros para um possível saneamento financeiro. Isto acontece pela primeira vez na história da municipalidade cabo-verdiana: nunca um município teve necessidade de ter uma intervenção directa do governo.

Qual é a extensão deste saneamento financeiro?

Significa resolver problemas financeiros do município, colocando-o em situação de poder honrar pelo menos com os compromissos para com os seus munícipes. É que, segundo o que estabelece a lei das finanças locais, apenas 40 por cento das receitas arrecadadas devem ser utilizadas para o funcionamento do município. No nosso caso, ultrapassamos de longe esta fasquia, estamos a mais de 100 por cento. Quando entramos na câmara encontramos a equipa cessante a fazer descoberta bancária para poder pagar o salário líquido dos funcionários. Isto é, sem os descontos do IUP e sem pagar o INPS. Portanto, é nesta situação que o governo nos pode ajudar, sobretudo com os fornecedores com os quais temos dívidas há mais de 10 anos. Temos despesas de funcionamento, mas também temos que ter margem para investir. O papel da câmara não é só pagar salários dos funcionários. Temos pessoas que precisam de apoio e que não são funcionários da câmara municipal, temos investimentos que vão trazer melhoria da qualidade de vida das pessoas – requalificação, saneamentos básicos – que são atribuições das câmaras municipais e que temos que cumprir. Portanto, temos que conseguir dar resposta a essas questões.

A câmara municipal desprofissionalizou recentemente três dos seus quatro vereadores. Em que sentido vai esta medida?

Dentro da nossa política de acudir à nossa população neste ano de seca, a câmara municipal decidiu reduzir as suas despesas de funcionamento desprofissionalizando três vereadores e colocar esses recursos a favor dos nossos estudantes que já terminaram o curso, mas não conseguiram tomar os seus diplomas, porque têm propinas em atraso. Este foi um dos motivos, mas tivemos também que apoiar jovens estudantes com transporte para que, devido ao mau ano agrícola, as famílias não deixassem os seus filhos fora do sistema escolar. Segundo dados que temos, apesar do fraco rendimento das famílias neste ano, os alunos do Liceu Luciano Garcia não desistiram das aulas. Isto é, não houve abandono escolar, porque a câmara garantiu pelo menos o transporte escolar desses alunos. Também garantimos o transporte diário, nos dois períodos, dos alunos que estudam nas universidades da Praia e de Assomada, mediante o pagamento de apenas dois mil escudos para cobrir as despesas com combustíveis e outras. Para arcar com todos estes custos, tivemos que reduzir as despesas com os vereadores e colocar esses recursos a favor dos munícipes, sobretudo, dos nossos estudantes.

Não estarei a exagerar se disser que São Lourenço dos Órgãos é um dos municípios que mais sentiu o impacto da seca em Cabo Verde. Mas apesar do mau ano agrícola, não tivemos necessidade de dar cestas básicas às pessoas

Qual foi o impacto da seca num município que vive quase exclusivamente da agricultura e pecuária?

São Lourenço dos Órgãos vive ainda apenas da agricultura, pecuária e do turismo que está a dar os primeiros passos. Portanto, não estarei a exagerar se eu disser que São Lourenço dos Órgãos é um dos municípios que mais sentiu o impacto da seca em Cabo Verde, pelos efeitos que o mau ano agrícola teve a nível dos recursos das famílias e também a nível do emprego. Porque temos muitos proprietários que vivem da agricultura e empregam várias pessoas durante o ano. Estou a falar de produtores de morango, de hortícolas, etc. que infelizmente este ano não conseguiram fazê-lo por causa da falta de água.

Como decorreu a implementação do plano de mitigação do mau ano agrícola?

Segundo os dados que temos, o plano teve um grande efeito, pela positiva, no município de São Lourenço dos Órgãos. O plano foi dividido em três eixos: emprego, gestão da escassez da água e gestão de pastos. A gestão da escassez de água foi feita pela Agência Nacional de Águas e a Câmara Municipal ficou com a gestão da criação de postos de trabalho. Só neste projecto conseguimos criar 205 postos de trabalho. A estes números podemos acrescentar cerca de 500 postos de trabalho criados através de programas de limpeza de floresta e um projecto POSER [Projecto de Oportunidades Socio-económicas no Meio Rural] que está a decorrer neste momento na zona de Covada. Tínhamos um contrato-programa assinado com o Instituto de Estradas em que empregamos mais de 70 pessoas. Ou seja, foram criados mais de 700 postos de trabalho, beneficiando directamente 700 chefes de família e indirectamente acima de duas mil pessoas. E os resultados estão à vista: apesar do mau ano agrícola, não tivemos necessidade de dar cestas básicas às pessoas. Isto porque a maioria das famílias tiveram um rendimento desde Dezembro do ano passado até agora. Quanto à gestão de pastos, não vimos nenhum animal morrer e não vimos nenhum animal a ser vendido ao desbarato. Isso demostra que, de certa forma, a mitigação teve um impacto pela positiva no nosso município.

Se a seca se prolongar por mais este ano, tem a Câmara Municipal um plano B?

As chuvas deviam ter já caído, mas já estamos no mês de Agosto e ainda não choveu. Temos que estar preparados para essa eventualidade, mas num município como São Lourenço dos Órgãos, vivendo quase que exclusivamente da agropecuária, a margem de manobra é pouca. Isto já depende de uma política nacional, do governo e quiçá, internacional. Ou seja, a solução não será local, mas a nível nacional.

Quanto à gestão de pastos, não vimos nenhum animal morrer e não vimos nenhum animal a ser vendido ao desbarato. Isso demostra que, de certa forma, a mitigação teve um impacto pela positiva no nosso município.

Qual é a visão que tem para que a Câmara Municipal se torne viável?

Temos primeiramente que diversificar a nossa economia. É que dando às famílias mais recursos, isso alivia a câmara municipal. Mas a câmara por si só não pode criar emprego para todos os laurentinos. Por isso temos que desenvolver outros sectores, nomeadamente o turismo, o empreendedorismo, etc. Neste momento temos um projecto para o desenvolvimento de turismo sustentável no vale de São Jorge. São Jorge é uma localidade que tem grandes potencialidades a nível turístico. É em São Jorge dos Órgãos que fica o único Jardim Botânico do país, temos um instituto de investigação com história e temos a Escola de Ciências Agrárias e Ambientais, da Uni-CV. Tudo fica em São Jorge, são instituições que têm trabalhado na investigação e com resultados palpáveis. Queremos agora criar um Centro Interpretativo em São Jorge que irá debruçar-se sobre todos os aspectos referentes à Botânica, à Fauna e à Flora para que quando um turista visitar o Jardim Botânico fique a conhecer também a história da investigação agrária em Cabo Verde. O projecto já foi elaborado, já deu entrada no Fundo do Turismo para financiamento e estamos a aguardar. Temos também um Centro de Capacitação e Formação Profissional, na cidade de João Teves, aqui em São Lourenço dos Órgãos. Estamos aqui a trabalhar na formação dos jovens do nosso município. Neste momento, em cooperação com esta instituição já formamos cerca de 70 calceteiros no concelho que antes não havia. Por exemplo, temos trabalhos de requalificação urbana, mas os calceteiros vêm da Praia, porque localmente não há. Há cerca de uma semana esses jovens terminaram a sua formação e estão capacitados para entrar no mercado de trabalho. Temos também em São Jorge um Centro de Transformação de Produtos Agroalimentares. Já assinamos um protocolo com este Centro para a administração de cursos de transformação agroalimentar para jovens de São Lourenço dos Órgãos. Tudo isso visa formar e colocar os jovens no mercado de trabalho para que possam ter um rendimento. Uma das medidas tomadas por esta gestão camarária foi não contratar mais nenhum quadro. De modo que conseguimos diminuir esse efectivo, sem ter necessidade do recurso a despedimentos. Por exemplo, estamos a negociar com as delegações do ministério da Educação e do ministério da Saúde para absorverem os quadros da câmara municipal que estão ao serviço dessas instituições. Só na delegação do ministério da Educação temos a trabalhar mais de 40 funcionários da câmara municipal. São na sua maioria ajudantes dos serviços gerais pagos pela câmara. Estamos a negociar com o governo para que esses serviços desconcentrados pos­sam absorver esses traba­lhadores, o que traria um certo alívio à tesouraria da câmara municipal. Neste momento temos uma grande parceria com o governo através da municipalização de alguns fundos, nomeadamente o Fundo do Ambiente, o Fundo Rodoviário e o Fundo do Turismo cujos recursos vamos utilizar para transformar, requalificar, reabilitar e desencravar várias localidades do concelho. Grosso modo são essas políticas que temos para ultrapassar alguns dos problemas que o município enfrenta.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 871 de 07 de Agosto de 2018.

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Autoria:António Monteiro,12 ago 2018 9:29

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  13 ago 2018 11:16

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