A sua candidatura à presidência da Rede de Mulheres Parlamentares tinha como lema “Fala Mulher”. Porquê este lema? O que se pretende?
Não obstante todas as leis que existem – e já existem muitas – não obstante todos os ganhos que tem havido e que também já se podem considerar, de alguma forma, assinaláveis, continuamos a constatar que existe um silêncio, muitas vezes consentido, por parte da mulher. Então é preciso que a mulher ganhe coragem para falar, para denunciar, para se insurgir contra, para se preparar e poder intervir dinamicamente a nível social, económico, político, lá onde ela estiver. Este “Fala Mulher” é no sentido mais lato possível, sobre o ‘ser mulher’, o falar, o intervir...
Uma das razões para as mulheres estarem tão silenciadas é a falta de presença de mulheres nas esferas do poder. Como está a situação da CEDEAO?
No Parlamento da CEDEAO, a lei diz que qualquer delegação nacional deve primar pela paridade. Por exemplo, onde são cinco [deputados] como é o caso de Cabo Verde, devemos ter 3-2. Três mulheres, dois homens, ou vice-versa. Por acaso Cabo Verde cumpre, tal como a Guiné-Bissau ou o Benim, mas são poucos os países que cumprem essa paridade a nível das delegações nacionais. A Nigéria, por exemplo, tem 35 deputados (porque isso é definido de acordo com a população do país, mas não tem sequer 10 mulheres deputadas. Daí que o Parlamento da CEDEAO já tomou a decisão de rejeitar qualquer delegação nacional que não leve em consideração a questão da paridade.
Uma medida para fazer cumprir a lei, portanto…
A mulher continua invisível na esfera do poder. E não importam as leis que se façam se a sua implementação, seguimento e monitorização, não forem feitos. Em termos de leis, temos o Acto Adicional feito em 2015, relativo à Igualdade de Direitos entre as Mulheres e os Homens para o Desenvolvimento Sustentável no Espaço da CEDEAO. É fundamental. Já temos também o Plano de Acção contra as Fístulas Obstétricas, temos também o Plano de Acção da CEDEAO para a perspectiva de género e comércio 2015-2020, temos para género e migração. Portanto há um conjunto de leis nacionais e internacionais, mas a grande dificuldade, neste momento, é fazer com que as leis sejam efectivamente implementadas e seguidas. Aliás, Cabo Verde também tem esse problema. É preciso, repito, que as leis sejam implementadas, seguidas, monitoradas, avaliadas e reconfiguradas lá onde for necessário.
Mas quais são os grandes objectivos da rede? Quais as prioridades?
Na ECOFEPA, o objectivo que temos, enquanto rede, é precisamente esse: lutar contra a invisibilidade da mulher no espaço do poder, nos órgãos de decisão. E quando nós falamos de espaço de poder estamos a falar no sentido mais amplo possível. Estamos, por exemplo, a falar da política activa. Cabo Verde neste momento, só tem 23% de mulheres no Parlamento quando até o Código Eleitoral diz que deve ter 30%, no mínimo.
Um panorama que irá mudar com a Lei da Paridade…
Ainda não foi aprovada. Mas o código já fala em 30. No Supremo Tribunal de Justiça só temos duas mulheres. Não temos nenhuma no Tribunal Constitucional. Nas empresas públicas, e até nas privadas, onde encontramos mulheres presidentes de um Conselho de Administração? Não as encontramos. Mesmo a nível da administração pública, em 106 dirigentes, temos apenas 36 mulheres. Em Cabo Verde dizemos que a “luta” já avançou bastante e não o podemos negar, mas há muito por fazer. Temos a lei da VBG e há algumas organizações, institutos – o ICIEG, a ONU mulheres etc, – que vão fazendo o acompanhamento, mas ainda não se consegue fazer a sua implementação efectiva. Continuamos a ter muitos casos de VBG, denunciados ou não. Tivemos os feminicídios e vemos que a lei continua frágil. Há respostas que não se conseguem dar. Por exemplo, a Polícia, em si, não consegue entrar em casa do infractor para obrigá-lo a sair. E, portanto, normalmente quem sai é a mulher, que já foi violentada, que já foi violada, consoante os casos, com os filhos ao colo, à noite. Casas de Abrigo ou de Passagem, não as temos em número suficiente para poderem dar respostas às demandas e à realidade do país. São recentes e praticamente inexistentes. Portanto é preciso que revisitemos a lei da VBG, isto sem esquecer que também não temos a lei da paridade, mas há países da Costa Ocidental que já têm a Lei da Paridade. Nós ainda não...
Pois, mas em termos de leis, da sociedade, e mesmo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Cabo Verde parece estar muito “à frente” do resto dos países da CEDEAO. Essa percepção corresponde à realidade?
Estamos num certo sentido. Não temos a violência sob outras formas de hábitos e práticas culturais. Não temos MGF, por exemplo. Já temos a lei do casamento e do divórcio devidamente regulamentados, que distinguem e identificam os poderes e os deveres de cada um. As mulheres têm direito à terra, têm direito à herança e aos bens familiares. As mulheres, as meninas sobretudo, não são submetidas ao casamento infantil, não temos a negação ao direito da educação às meninas... Portanto, nestas matérias, de facto, Cabo Verde está bem mais avançado. Tem uma realidade distinta. Mas depois, no que diz respeito ao empoderamento político, à esfera do poder, (que é onde a mulher tem de estar para que as coisas possam mudar, e possamos fazer com que a dualidade de géneros seja vista não como um elemento de discriminação, não como elemento de tortura ou de violência, mas sim como elemento de reforço de coesão social e desenvolvimento sustentável), a nossa realidade é praticamente a mesma que a da maioria dos outros Estados-membros. Temos que ver em Cabo Verde, por exemplo, a questão das mulheres no governo, que não pode continuar a depender da perspectiva do Primeiro-ministro. Temos que ter instrumentos que façam com que aquele que foi eleito Primeiro-ministro, numa lista que obedece à igualdade do género, ao constituir o seu governo não negue esse princípio democrático que esteve na base da sua própria eleição e, portanto, constitua o seu governo nessa base.
Voltando novamente o olhar para a região, falou há pouco sobre o “ser mulher” em África.
Queremos contribuir profundamente para a “desconstrução” do que é ser mulher em África. Ser mulher em África, não obstante todos os avanços e leis que já referi que existem, continua ainda a ser [visto como um] ser menor, um ser frágil, um ser que precisa de alguém, neste caso do homem, que cuide dela. Isto quando, segundo as estimativas, 53% da população africana é mulher. Mais de metade da população e estamos a impedir que a grande franja da população participe do desenvolvimento sustentável dos respectivos países e do continente. Há aqui uma contradição. Veja que não obstante todo o financiamento que através dos organismos internacionais e regionais é feito à agricultura, apenas 10% é que vai para as mulheres, quando 80% da comida, dos alimentos que são postos à mesa, passam directa ou indirectamente numa cadeia de valores, pela mão das mulheres. A contradição surge, desde logo porque elas não têm direito à terra. A lei já mudou em vários países mas há alguns em que a mulher ainda não tem direito à terra, mesmo por herança. Tem de ser um irmão, um marido, algum filho, a assumir, e consequentemente, como não tem direito à terra, não tem propriedade, não tem financiamento. Encontramo-nos num círculo vicioso, que é preciso mudar.
Tem vindo também colocar o foco na importância da educação como forma de dar voz às mulheres...
O acesso à educação é um elemento fundamental. Cabo Verde, no que diz respeito ao acesso à educação, está muito bem. Não tem mais progresso, agora é uma questão de manter e até, diríamos, de ter um olhar mais atento em relação aos rapazes. As meninas têm acesso, vão aos jardins infantis, às escolas de ensino básico, aos liceus, à universidade. O acesso das crianças, das meninas e das jovens em Cabo Verde, está garantido. Mas no resto da comunidade isso não acontece. Temos países que já têm uma situação bastante boa como o Senegal ou o Burkina Faso, mas ainda temos países em que o acesso das meninas à educação não chega aos 30%. E, não há como empoderar, como falar das mulheres na esfera de decisão – como empresárias, como PCAs, juízas, etc, etc –, se não houver um processo de direito efectivo à educação, à instrução. É apenas através da instrução que as mulheres poderão ajudar a transformar a África.
Em termos de saúde reprodutiva, em 2017 os líderes políticos dos países da CEDEAO comprometeram-se a tentar reduzir a taxa de natalidade na região, passando dos actuais 5,6 filhos por mulher, para três. Em Cabo Verde já estamos nos 2,5. É outro ponto em que a realidade é já muito diferente.
Sim, mas pertencemos à Comunidade e Cabo Verde não pode ser membro apenas para as políticas comuns e intervir lá onde também tem problemas. Tem que ser um Estado interveniente no sentido de, onde tem experiências boas, ser o valor acrescentado na resolução dos problemas dos Estados-membros que ainda têm esses problemas. Ou seja, neste momento Cabo Verde tem a obrigação moral de, por exemplo, no acesso à educação ou nas questões de Saúde reprodutiva, ser uma mais-valia dentro da comunidade levando as boas práticas e as boas experiências de modo a ajudar os Estados-membros a acelerarem e rapidamente alcançarem bons indicadores seja a esses níveis, seja no que diz respeito à taxa de mortalidade, de morbilidade, etc.
O Parlamento da CEDEAO não tem poderes legislativos. Em concreto, para além de advocacy, o que a ECOFEPA pode fazer?
Entendeu-se, na sua génese [a CEDEAO foi fundado em 1975], que o parlamento devia nascer como parlamento consultivo. A maior parte dos países [africanos] começou pelo monopartidarismo e portanto não havia propriamente um parlamento pluripartidário, na verdadeira acepção da palavra. Os parlamentos começavam a surgir num contexto democrático. Então, ter em 74-75 um parlamento da Comunidade totalmente legislativo, quando a nível nacional, a realidade ainda era aquela… Assim, os chefes de Estado tiveram a visão de, no imediato, não fazer do parlamento da CEDEAO um parlamento legislativo. Deveria ser um parlamento consultivo para se ir inteirando dos problemas da comunidade, dar os pareceres necessários, etc, mas os pareceres eram todos facultativos. A partir de 2016, passamos para a segunda etapa. Já existem os parlamentos nacionais com pluripartidarismo, as mulheres também já estão, ainda que numa escala inferior, nos parlamentos nacionais e consideramos que era o momento de darmos o segundo salto. Passamos para parlamento co-decisor. Ou seja, desde 2016 que o Parlamento da CEDEAO já toma decisões conjuntas, não com os chefes de Estado ainda, mas já com o Conselho de Ministros. Há determinadas leis, determinadas matérias que têm de ser submetidas obrigatoriamente ao Parlamento e em que o seu parecer é vinculativo, embora ainda haja outras em que o parecer é consultivo, é facultativo. Mas há um grande ganho aqui que é: todo o orçamento da Comissão da Comunidade tem de ser aprovado pelo Parlamento. Ora se no Orçamento não constatarmos que há políticas, orçamentos, verbas, para políticas públicas de igualdade e equidade do género, o Orçamento não é aprovado.
Alguma previsão de quando será transformado num parlamento decisor?
Começamos agora em 2016 e o mandato é de quatro anos. Portanto, no próximo mandato, a partir de 2021, 2022, já teremos sobre a mesa esse salto final para um parlamento verdadeiramente legislativo. Mas já demos um grande salto.
Esse “salto final” implica que passe a haver eleições?
Também é isso. Para que nós possamos passar a verdadeiramente legislativo, tal como acontece no Parlamento Europeu, terá de haver eleições directas para o Parlamento da CEDEAO. Ora todos os Estados-membros, a começar pelos deputados e chefes de Estado e do Governo, têm consciência de que há ainda algum trabalho a ser feito
Mas não será isso que vai permitir concretizar a tal máxima da “CEDEAO dos povos”. Esse envolvimento na escolha dos representantes dos 15 países membros?
Sem dúvida, mas a CEDEAO dos povos não passa apenas pela votação. Passa pelas políticas que permitem que haja a livre circulação de pessoas e bens, que passa pela política económica e aduaneira comum, que passa por uma política comum da educação, que passa por uma política comum da agricultura, da saúde... Portanto, “dos povos” é fazer com que todo o cidadão da comunidade, independentemente do país onde está, se sinta parte integrante e sinta que, para além do direito de ir e vir, tem as mesmas regalias, as mesmas garantias, a mesma liberdade, os mesmos deveres, os mesmos compromissos.
Cabo Verde parece um pouco à margem da CEDEAO. Não há um sentimento de pertença à Comunidade.
Não há um sentimento de pertença, mas já não está absolutamente à margem. Já começamos a discutir as várias questões. O que falta, de facto, é um plano de comunicação em tempo real que, de forma eficaz e eficiente, faça com que o cidadãos cabo-verdiano compreenda o que já está a acontecer.Uma informação sistematizada, feita de uma forma contínua e continuada. Mas não é apenas em Cabo Verde. O cidadão comum de outros países também não tem a noção do que é efectivamente o espaço da CEDEAO. Portanto temos de sair, lá está, da esfera dos políticos da CEDEAO dos Estados, onde existem os protocolos, as políticas etc, para conseguirmos chegar a todos e a qualquer cidadão.
Não é um problema específico de Cabo Verde?
Não, não é. Mas isto que é um processo. A União Europeia, desde a CEE até chegar à UE, passou precisamente por esses problemas. E na Europa há determinados países em que o cidadão comum, se lhe perguntar se existe a UE, responde sim, mas quando lhe pergunta em que consiste, se sabe o que é a UE começa a titubear.
O desafio da CEDEAO não será ainda maior do que a UE, devido a diferenças mais vincadas entre os Estados? Por exemplo, as matrizes religiosas e culturais não serão mais díspares aqui? Olhe-se o caso da MGF que em Cabo Verde é algo completamente exógeno…
Certo, mas a grande vantagem é que a maior parte dos Estados, no âmbito da harmonização das políticas, já tem uma lei que proíbe e criminaliza a MGF. O nosso grande desafio é, mais uma vez, mais da produção de leis, conseguir monitorar a implementação dessas leis, fazer a fiscalização, a avaliação intermédia e corrigir e fazer os reajustamentos necessários. Estamos a trabalhar. A MGF, por exemplo, continua a ser feita apesar de 10 ou 11 estados já terem lei que a proíbe. Mas a MGF tem um lado místico, um lado religioso. Considera-se que a menina fica mais pura, imaculada, e não é qualquer cidadão que pode fazer a excisão. É um individuo que tem um “dom”. Portanto, estamos a trabalhar com os líderes religiosos, com os líderes comunitários – neste momento 95% são homens –, as associações de mulheres, as ONGs locais, nacionais, regionais e internacionais. Estamos a trabalhar com os profissionais de saúde, para que fazendo o mapeamento dessas mulheres e dessas regiões, esses profissionais estejam devidamente preparados para intervir e possam trabalhar em parcerias com os vários actores a que já fiz referência. Estamos a trabalhar também, fortemente, no acesso à educação, que continua a ser um eixo fundamental. Na questão da MGF, temos situações em que a mãe se insurge contra a excisão, mas tem uma dependência económica do marido/companheiro. O pai da menina entende que o ritual deve ser feito para salvaguardar a filha. Porque há também um lado económico. A menina que está “imaculada”, “pura” terá um bom casamento. Está tudo interligado. Portanto, o pai entende que está a proteger filha, a mãe foge com a menina, mas não tem sustento próprio. Tenta atravessar um corredor entre os países, muitas vezes por países que estão em guerra, e ela própria acaba por ser vítima da violência até conseguir chegar a uma associação ou organismo que possa ajudá-la. Então, para além da legislação, este trabalho está com todos esses actores, em toda a comunidade. Entretanto, dez organismos das Nações Unidas criaram um comité interinstitucional para a erradicação da MGF até 2030. Portanto estamos a trabalhar uma agenda nacional, regional e internacional para a erradicação da MGF.
Quem são os grandes parceiros da ECOFEPA?
A UE é um grande parceiro. O Canadá é um grande parceiro, há um plano que vai de 2019 a 2023 e aqui há uma forte agenda do género em parceria com o Canadá e com a ECOFEPA. As Nações Unidas - a ONU Mulheres - trabalha directamente connosco. Temos em Espanha o Gabinete da Cooperação com África e há uma forte agenda para o género, para a rede de mulheres parlamentares. Temos o Centro da CEDEAO do desenvolvimento do género em Dakar. Estamos a voltar-nos agora também para a América Latina para colher boas experiências também.
A rede de mulheres parlamentares da CEDEAO está a internacionalizar-se?
Sim, não perde o eixo central do papel da mulher na comunidade, mas está a trazer todas as parcerias, todas as experiências, todos os financiamentos, que possa, para poder acelerar a agenda. Temos é que acelerar a agenda.
E como encaram as “resistências” às questões de género que estão a surgir em vários países?
Estamos a seguir atentamente, mas não podemos perder o foco. Quanto melhor e mais preparadas estiverem a mulher e a sociedade no seu todo, homens e mulheres, rapazes e meninas, mais fácil será posicionar-nos contra alguns indícios, alguns sinais de algum retrocesso, que começam a despontar aqui e acolá.
Falando de direitos das mulheres, é incontornável a vertente do empoderamento económico. Temos, em Cabo Verde, as rabidantes e muitas delas trazem inclusive os seus produtos da Costa. Nos outros países, idem. O que a ECOFEPA pensa fazer para promover maior empoderamento e prosperidade das comerciantes “informais”?
Neste caso, os outros Estados-membros estão um pouco mais avançados do que nós, porque o comércio informal em África, particularmente na nossa comunidade é um factor de desenvolvimento económico incontornável. Em alguns países da comunidade, 85% do comércio está na vertente informal feminina. E portanto, há programas de empoderamento junto das Associações, das ONGs. Primeiro: alfabetização lá onde é necessário. Segundo: formação profissional específica para a área do comércio em causa – alimentação, têxteis, produtos de higiene. Em África, temos por exemplo a manteiga de Karité, que é um grande produto utilizado pelas marcas europeias de cosméticos. Compram a manteiga de Karité bruta, por exemplo no Burkina Faso …
E depois transformam-na…
Mas já temos no Burkina pequenas indústrias voltadas para trabalhar a manteiga de Karité, e já fazem localmente. Portanto as mulheres já estão a ser empoderadas do ponto de vista da formação profissional e técnica consoante os casos, de acordo com a vocação comercial que elas já têm.
Mas sendo um comércio informal passa também um pouco à margem das próprias regras comerciais e fiscais. Como juntam a parte informal com as leis?
Se elas já são alfabetizadas, já sabem ler e escrever, já tem um produto, seja qual for, já têm acesso ao financiamento através das Associações, têm um serviço de contabilidade montado, as leis, como o REMPE que temos em Cabo Verde [podem ir nesse sentido]. Portanto, elas terão de construir-se, transformar-se em cooperativas, em micro e pequenas empresas e portanto ficarão cobertas pelas leis. Já está a ser trabalhado, em Cabo Verde e em outros países da Comunidade isso está bastante avançado.
Entretanto, os dados das importações/exportações do INE continuam a mostrar que a relação comercial entre Cabo Verde e o resto da CEDEAO é praticamente nula. Mas temos esse comércio informal. Em que ficamos, na realidade?
Ainda não existe uma troca comercial expressiva. O comércio informal com a Comunidade é um comércio que ainda fica muito diluído nas estatísticas do INE e portanto, praticamente não aparece. No caso de Cabo Verde temos a questão dos transportes. Não havendo transportes não há comércio em grande quantidade. Temos esse problema, mas neste momento há um grande projecto: o Sealink…
De que já ouvimos falar há bastante tempo…
Sim, mas o que acontecia era que não havia financiadores. Neste momento, a própria UE já entra com uma parte de financiamento. Portanto, os Estados membros já estão a trabalhar, e por isso é que nos estamos na América Latina, junto com outros parceiros economicamente fortes, para financiar. Mas alguns Estados africanos da Comunidade são, de facto muito ricos. O problema são as guerras, a instabilidade política, a instabilidade social. É preciso o empoderamento da mulher, dos homens, formação, educação para a cidadania. Havendo isso, haverá respeito pelas eleições democraticamente realizadas, haverá respeito pela divisão e separação dos poderes, judiciário, executivo, legislativo e consequentemente, vamos diminuindo as possibilidades de haver guerra. O continente africano é rico, veja-se a Nigéria, o Gana, o Côte d’Ivoire, têm matéria-prima que a Europa vai buscar, a um preço donné, para a sua própria utilização. Porquê? Eu não estou a falar da exploração da Europa, ou dos outros países. Estou a falar é da nossa incapacidade enquanto Estados africanos de nos organizarmos e fazer com que a nossa riqueza seja partilhada com os demais continentes, incluindo a Europa mas de modo a que seja uma parceria win-win. Temos é de nos organizar, e para nos organizarmos não pode haver guerra. Por isso é que a CEDEAO tem apostado e criado forças para a prevenção de conflitos, e estes têm diminuído.
Já tínhamos falado que, até por questões de comunicação, não há em Cabo Verde muito a sensação de grande pertença à CEDEAO. Por outro lado, o país também não tem dado grande mostras à CEDEAO de querer pertencer plenamente à Comunidade (veja-se a ausência de um embaixador em Abuja). De que maneira esta presidência da Rede de Mulheres pode ajudar a fortalecer relações, de um lado e do outro?
Acho que esta presidência será uma mais-valia. Foi a primeira vez que um país lusófono conseguiu vencer estas eleições. Justamente por isso, nós estamos a usar uma estratégia diferente. Tenho de frisar que tenho um bom bureau. A [primeira] vice-presidente é [Kaboule Reine Bertille Sakande Benao] do Burkina Faso, uma deputada com uma grande projecção nacional no país. Uma líder que fez o percurso político, desde líder comunitária. Portanto, é uma pessoa que realmente percebe, tem visão, conhece bem a matéria. Tenho uma [segunda] vice-presidente, da Nigéria [Biodun Olujimi] que é uma senadora [na Nigéria, o Parlamento é bi-camarário] com uma grande experiência. A secretária geral [Guiro Oulimata] é do Senegal e a tesoureira [Fatoumatta Njai] é da Gâmbia. Portanto, conseguimos aqui ter, sem nenhum desprimor para as direcções anteriores, um grupo de mulheres com um percurso reconhecido a nível nacional, e que têm uma projecção regional e um processo de integração muito bem conseguido. Cabo Verde tem de ser capaz de ser uma mais-valia na presidência da Rede, tem de ser um valor acrescentado para as políticas de integração do país. Temos de ser capazes de mostrar à comunidade da CEDEAO as experiências boas, positivas, vantajosas, de Cabo Verde, em todos os domínios e fazer com que a rede, particularmente a presidente, possa influenciar os ministros ligados à CEDEAO (particularmente o Ministro da Integração Regional, o ministro dos Negócios Estrangeiros), o Primeiro-Ministro, e o Presidente da República, para que estejam mais presentes em todos os momentos em que devem estar. Penso que nesta matéria temos vindo, nos últimos sete, oito anos, a fazer um esforço para estar mais presentes, e ser uma voz mais activa na CEDEAO. Veja que a proposta para 15 comissários, um para cada país, parte de Cabo Verde e é aceite. Conseguimos ter o Instituto da Africa Ocidental, um instituto de pesquisa, que apesar de ter pouca visibilidade, está a fazer um trabalho extraordinário, está a trabalhar todas as matérias. A ECREE está a fazer um grande trabalho. Neste momento, Cabo Verde tem a vice-presidência para a parte da logística dos transportes marítimos. Portanto, há aqui algo que está a mudar de facto, e a Rede estando em todas as sessões parlamentares da CEDEAO, conhecendo todo os dossiers, em todos os domínios, estará em posição de pressionar para que Cabo Verde vá, esteja presente, intervenha e possa também deixar o seu contributo.
Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 901 de 05 de Março de 2019.