Projecto da Lei da Paridade entregue ao Parlamento

PorChissana Magalhães,17 mar 2019 8:56

​A Rede das Mulheres Parlamentares Cabo-verdianas fez, na segunda-feira, a entrega formal do projecto da proposta de Lei da Paridade aos partidos políticos com assento na Assembleia Nacional para que assim se inicie o processo de discussão e aprovação do documento.

Dois anos após a Declaração de Rui Vaz, documento em que as organizações promotoras da criação da lei propõe a adopção urgente de “mecanismos que permitam repor a justiça social e criar as condições de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres” o trabalho desenvolvido no âmbito do Plano de Acção de Advocacy da Lei de Paridade já está materializado no projecto da proposta de Lei da Paridade e foi entregue no início desta semana aos grupos parlamentares do MpD e PAICV, tendo a entrega aos deputados da UCID sido adiada pela impossibilidade destes deslocarem-se à capital na ocasião.

“Espera-se que os grupos parlamentares façam a socialização internamente, distribuindo a proposta a todos os seus deputados e promovendo a discussão do documento no seio dos grupos. Paralelamente, iremos fazer a entrega junto da Mesa da Assembleia. Queremos que proposta seja apropriada pelos deputados, discutida e consensualizada. Foi com esse espirito que entregamos. Não queremos que seja uma imposição da Rede”, diz Lúcia Passos, presidente da Rede das Mulheres Parlamentares Cabo-verdianas (RMPCV), explicando ainda que ao final de dez meses de trabalho o projecto inicial de 24 artigos ficou reduzido a 11 na versão entregue aos parlamentares.

A deputada admite que, à partida, já estão identificados os pontos que “não são convergentes”, nomeadamente os artigos 4º e 6º. Conforme explica, a falta de consenso em relação ao artigo 4º prende-se à obrigatoriedade de paridade na participação política, à exigência de que a paridade seja a 100%, “ou seja, representatividade 50-50 (de homens e mulheres) nos lugares elegíveis”.

“Nesse mesmo artigo, o número 3 fala dos círculos pequenos, círculos de dois. O país tem 13 círculos eleitorais e sete destes são círculos de dois [eleitos]. Se não houver paridade horizontal, mesmo com alternância de listas, não vamos conseguir atingir a paridade nos círculos de dois. Portanto, precisamos fazer esta discriminação positiva. Cada partido politico terá que assegurar essa alternância”.

Outro aspecto não consensual remete ao artigo 6º, que trata a questão da correcção das listas. E a deputada explica: caso os partidos não consigam garantir o cumprimento do previsto neste artigo, abre-se a possibilidade de recorrer ao tribunal de comarca onde a candidatura é entregue para que este proceda à notificação para correcção da lista.

“Caso a notificação não surta efeito, estamos a propor que haja consequências. Essa consequência seria a rejeição da lista por parte do tribunal de comarca onde a candidatura é entregue. E nós estamos a propor esta medida porque o Código Eleitoral actual, no artigo 431, diz que os partidos que apresentem 20% de mulheres nas listas têm direito a um incentivo financeiro. Mas os partidos nunca receberam este incentivo porque nunca cumpriram. Exactamente porque inicialmente foi dado um incentivo e não cumpriram, agora estamos a propor a penalização dos que não cumprirem com a nova norma”.

Incentivo à participação

Lúcia Passos admite saber que a questão vai causar polémica mas, mostra-se optimista de que as negociações e o diálogo que irão travar no seio dos grupos parlamentares permitirão chegar a um consenso e à aprovação da lei. Até porque, diz, a Rede e os seus parceiros não querem uma “lei de letra morta”, que no seu entender será o resultado caso não haja consequências para o incumprimento.

“Acho que não é esse o interesse. Neste momento a discriminação é contra a participação das mulheres e nós queremos eliminar esta discriminação existente e trabalhar para o futuro, para que nenhum dos géneros seja discriminado em termos de participação politica. Entendemos que, com esta lei, vamos repor a justiça social e que haverá uma maior disponibilidade das mulheres. É bom que se diga isso, que esta lei será também um incentivo para que mais mulheres queiram ter participação na política.”

Para isso irá continuar a funcionar o Plano de Acção de Advocacy da Lei de Paridade, elaborado e implementado pelos parceiros, e que deve prolongar-se até depois das eleições de 2021. “Porque, como já disse, não basta ter a lei. Temos também que fazer todo o trabalho de sensibilização junto da sociedade, fazer trabalho de formação e sensibilização dos órgãos dos partidos políticos para que haja essa abertura e haja de facto participação de ambos os géneros”.

Para além dessas formações, a presidente da RMPCV avança que haverá também programas de sensibilização junto dos diversos órgãos de Comunicação Social, vai se insistir na formação dos deputados e também dos dirigentes dos partidos políticos, “para que também haja uma maior apropriação do conceito de paridade e, sobretudo, uma maior sensibilidade e abertura de espirito em acolher a proposta”.

A meta estabelecida há um ano era de que o trabalho desenvolvido pela Rede das Mulheres Parlamentares Cabo-verdianas em parceria com o ICIEG, Associação das Mulheres dos Partidos Políticos, ONGs de promoção da Igualdade de Género, ONU Mulheres e outras organizações parceiras, culminasse com a aprovação da lei já em 2019. E tudo indica que assim será.

“Estamos a trabalhar nesse sentido. Porque o que se quer, no fundo, é a dignidade da pessoa humana. Esta lei é uma vontade política da sociedade cabo-verdiana de repor a justiça social e fazer a correcção da distorção do Código Eleitoral, do próprio processo eleitoral, e dar assim um contributo para a consolidação da nossa democracia. Não podemos continuar a dizer que somos um exemplo em termos de democracia quando temos uma representação de 23.6% de mulheres no parlamento, e quando temos exemplos de países que adoptaram a paridade e hoje apresentam indicadores de desenvolvimento de longe bem maiores do que antes de terem adoptado a paridade”.

E citando os bons exemplos de Senegal, Ruanda, Bélgica, Suécia, Irlanda, França, Espanha e Portugal, a parlamentar salienta que este esforço e conscientização a nível mundial da necessidade de mudança está também reflectido nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, que fixa a meta do planeta 50-50 já para 2030.

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 902 de 13 de Março de 2019.

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Autoria:Chissana Magalhães,17 mar 2019 8:56

Editado porAndre Amaral  em  7 dez 2019 23:21

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