“Aquilo que Cabo Verde conseguiu em termos internacionais, os grandes indicadores, o percurso, não poderiam ser posto em causa pela nomeação de um cônsul, por mais obtusa que fosse a escolha. No máximo, seria encarado como um erro”, diz ao Expresso das Ilhas Eurico Monteiro.
Na terça-feira passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros e ministro da Defesa de Cabo Verde, Luís Filipe Tavares, pediu a demissão dos cargos ao primeiro-ministro, que a aceitou.
Em comunicado, o ministro Luís Filipe Tavares afirmou que no processo de escolha do cidadão português Caesar DePaço para cônsul honorário de Cabo Verde na Florida, esteve “sempre de boa-fé” e que baseou a decisão no facto de o mesmo “ter sido cônsul honorário de Portugal por vários anos, de ser uma pessoa bem colocada e considerada na sociedade americana e de pretender investir em Cabo Verde tendo os recursos próprios necessários”.
Tudo porque uma reportagem da estação televisiva SIC sobre o partido português Chega, identificou que um dos financiadores do partido de extrema-direita era o cônsul honorário de Cabo Verde na Florida.
Para o Embaixador em Portugal, apesar de todo o mediatismo, a imagem de Cabo Verde não sai beliscada. “Todos os sinais que tenho dizem que a imagem de Cabo Verde não está em causa. A nomeação está a ser conhecida mais pela circunstância da demissão do ministro do que propriamente pela escolha. Não vi nenhuma reação de nenhum país, de nenhuma organização, de nenhuma personalidade internacional, de nenhum noticiário focado na nomeação do cônsul”.
Sem correspondência com a realidade
“A importância que se está a dar a um cônsul honorário não tem correspondência com a realidade dos factos”, continua Eurico Monteiro, “esta importância tem de ser relativizada e posta no seu contexto: que é de ajudar o país de forma mais privada, na questão da mobilização dos investimentos, nas parcerias económicas e comerciais, mas mais no circuito privado do que nos corredores das repartições públicas dos estados onde estão acreditados”.
“Nem se pode dizer que um cônsul honorário representa um país ou um Estado. Na Florida, Cabo Verde tem outro cônsul, este era cônsul honorário de uma região da Florida”, acrescenta o diplomata.
No comunicado, na semana passada, Luís Filipe Tavares dizia: “Não inquiri, nem poderia inquirir, sobre as simpatias políticas do Dr. DePaço no contexto americano e português, guiado pela inabalável crença na liberdade de escolha político-partidária que deve ser reconhecida a todos os cidadãos, sem qualquer distinção”.
Eurico Monteiro, explica ao Expresso das Ilhas que “pela maneira como as coisas são postas, parece que há uma central de investigação para estudar o percurso dos cônsules. Na vida real, isso não acontece. Quanto muito, o que aconteceu pode servir de mote para termos um pouco mais de cuidado. Até esta data, partimos do princípio que se quem nos propõe é uma entidade credível nós dispensamos posteriores averiguações”.
Por isso mesmo, o embaixador de Cabo Verde em Portugal considera que a renúncia do ministro deveria ter terminado qualquer polémica. “Acho que a demissão do ministro só pode ser examinada neste contexto, não quis ser uma espécie de catalisador da polémica e entendeu que a sua demissão poderia baixar o nível de crispação e não alimentar mais o facto. A polémica seria menos intensa se não se vivesse o período pré-eleitoral que há em Cabo Verde. Porque se não se demitisse, seria outro tema, porque não se demite? E ele não quis ser tambor dessa festa. Ele foi responsável e aceitou descer da carruagem, mesmo com todos os ganhos que obteve na política externa”.
Na observação de Eurico Monteiro, a política externa não é um rol de episódios, mas deve medir-se pelos resultados globais, de acordo com os eixos principais que são definidos pelo governo. Sendo que os eixos fundamentais são a relação com a União Europeia, com Portugal, com os Estados Unidos, com a China, com o continente africano, principalmente com a CEDEAO, a CPLP e a União Africana, e a participação cabo-verdiana nas Nações Unidas.
“Temos de analisar esses eixos e ver se houve retrocessos ou avanços e podemos verificar avanços significativos em todos, mesmo naquele que, em teoria, se dizia que o governo poderia ser mais fraco, que é o eixo africano. Dou o exemplo da CEDEAO onde Cabo Verde reforçou a sua posição e de forma muito activa. Hoje temos embaixador na Guiné-Bissau, e já foi instalada a embaixada de Cabo Verde em Lagos, na Nigéria, que é o país mais importante dentro da CEDEAO. No quadro da UA, Cabo Verde é mediador em vários conflitos e no quadro da própria UA. Reforçamos a nossa posição na CPLP com uma das presidências mais activas, talvez, de todos os tempos, com projectos importantes como o da mobilidade. Com Angola, conseguimos o acordo de livre circulação. Com a União Europeia já está feita, só falta assinar, a nova parceria e a mobilização de recursos tem sido avultada. Nas relações com Portugal também se conseguiram avanços e mais recursos financeiros além de apoios na integração dos cabo-verdianos que emigraram para Portugal. Com a China mobilizámos cerca de 31 milhões de dólares. Quando avaliamos os vários eixos, temos de concluir que, na senda do que vem acontecendo, neste mandato cresceu-se mais e obtiveram-se mais ganhos e isto não pode ser destruído nem beliscado com um erro de avaliação”, conclui o diplomata.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 999 de 20 de Janeiro de 2021.