O PP, fundado em 2015, concorreu pela primeira vez às legislativas, nas eleições de 2016. O que mudou no, ainda jovem, PP nestes 5, 6 anos?
Todos nós, fundadores do PP, somos homens e mulheres maduros. Ganhámos experiência na política. O que eu posso dizer claramente é que o PP continuou como foi fundado, mas há sempre alteração, há sempre adaptação, muita coisa deve ter mudado. A própria sociedade passou a nos conhecer. Um partido que inicialmente era alvo de chacota de muita gente, com a nossa intervenção pública, deve ter ‘mudado a cabeça’ de muita gente que exerce o poder em Cabo Verde. Também para com o povo, pensamos que muita coisa se alterou com o aparecimento do Partido Popular. Lembra-se da questão da praça do Palmarejo? [NR: em 2018, o PP avançou com uma acção cautelar para embargo das obras de requalificação da Praça do Palmarejo. Várias instâncias judiciais foram envolvidas, acabando os tribunais por dar razão à Câmara Municipal da Praia. A obra foi retomada, estando a sua inauguração prevista para breve]. Houve “N” situações em que tivemos um papel determinante na luta contra a corrupção... muita coisa mudou com o aparecimento do PP.
Mas qual o papel que o PP tem na política e qual o que espera ter?
Na política cabo-verdiana já vamos tendo um papel diferente, luta contra a corrupção, luta por mais justiça social, melhoria da qualidade da democracia, são esses pontos, esses pilares pelos que nós estamos a lutar para que Cabo Verde seja um país mais justo, mais equilibrado. Um país que possa produzir o bem-estar dos que estão aqui e dos que hão-de vir.
E em termos eleitorais. Após estes 5 anos, concorrem em seis círculos, metade dos quais na diáspora. No seguimento da pergunta anterior, qual é o papel que querem ou esperam ter nestas eleições?
Vai depender do voto do povo. Nós já conhecemos a dinâmica das eleições em Cabo Verde, um país pobre com muita limitação. Depois, temos dois partidos com dinheiro do Estado. Em função disso, a dinâmica da eleição em Cabo Verde é muito diferente da dinâmica de uma eleição em países mais ricos, por exemplo, da Europa. Um país pobre como Cabo Verde, com elevada taxa de desemprego, uma administração pública totalmente controlada pelos partidos do arco do poder... É muito difícil nós almejarmos grandes coisas, mas vai depender do voto das pessoas. Na linha do que Jean-Paul Sartre dizia [que a liberdade condena-nos a sermos responsáveis por nossas escolhas], ninguém vai votar com uma arma apontada à cabeça.. você tem a opção de escolher. Tomou o seu grogue, fez isto ou aquilo, recebeu isto ou aquilo, mas você, no momento da decisão, pode votar contrário.. assim, vai depender do que o povo entender.
A julgar pelo que se lê nas redes sociais e outros fora a sociedade civil parece mais predisposta a alternativas, a dar voz aos pequenos partidos. Acha que essa ‘onda’ terá reflexo prático nas urnas?
Não sabemos. Vamos ver a 18 de Abril. Nessa noite é que veremos o que acontece.
É tudo um conjunto de incógnitas e nós não gostaríamos de fazer uma previsão, dizer que teremos X deputados. Depende do que o povo votar. E, mais uma vez, quando o povo vai votar não tem uma arma na cabeça para votar sempre nos mesmos. Tem a liberdade de escolher.
Neste momento, o PP é essencialmente um partido que expõe situações e problemas. Se conseguirem eleger deputados, o que pretendem fazer para os resolver? Estão abertos a coligações?
Se conseguirmos deputados, os nossos deputados seguirão o estatuto do partido e o programa do partido. Quando à coligação, não queremos falar sobre isso, porque o primeiro passo é conseguirmos colocar pessoas no parlamento. Só a partir daí é que havemos de discutir essa questão. O objectivo principal é eleger deputados. Se conseguirmos, havemos de abrir uma nova página, que é a página da coligação. Mas não sabemos como vai ser...
Que balanço faz da legislatura que agora termina?
O balanço é o que costumo fazer. É um balanço extremamente negativo, em todos os sectores, na saúde, na educação, nos transportes, na segurança pública... Em todos os sectores, pouca coisa foi conseguida, face à promessa que foi feita e o resultado que foi conseguido, e é uma grande decepção. Não é por acaso que se diz que Cabo Verde é o segundo país mais deprimido de África. Um país de pequena dimensão, sendo o segundo país mais deprimido. [NR: referência às estimativas globais de saúde, relativas a dados de 2015, e lançadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2019 e que apontavam que 4,9% da população cabo-verdiana sofre de depressão ou transtornos depressivos. Em primeiro lugar está o Djibuti e Cabo Verde partilha o segundo lugar com a Tunísia.]
E que propostas o PP tem para os cabo-verdianos que o fazem merecedor de voto?
Veja a questão da saúde. A saúde em Cabo Verde é quase um luxo. A saúde em Cabo Verde não tem sido um direito. Há muita gente excluída por não pagamento nos hospitais. Eu mesmo já fui chamado várias vezes a socorrer pessoas que ficam presas nos hospitais depois de serem hospitalizadas. A nossa proposta é a redução da taxa moderadora de 300 para 100 escudos. Em Portugal, paga-se 4,5 euros e o salário mínimo é de quase 700 euros. Um cabo-verdiano paga 2,7 euros com um salário mínimo que é 118 euros. Se fizer regra de 3 simples, chega-se à conclusão de que um cabo-verdiano não deveria pagar mais do que 100 escudos de taxa moderadora. A nossa proposta é, precisamente, a redução para 100 escudos. Depois, também a redução das consultas, de todas as outras taxas nos hospitais e a eliminação da senha de visita. Propomos também a recentragem do INPS no seu core business. O INPS quase se tornou num fundo de investimento em capital de risco. O INPS investiu no Novo Banco, o Novo Banco faliu, dinheiro dos trabalhadores, quando alguém tem grande dificuldade em ser evacuado, via INPS... Grande parte dos medicamentos, bons medicamentos, em Cabo Verde não têm a cobertura do INPS. Então o INPS tem de se recentrar na sua missão. Há também grande conflito entre público e privado. O sistema privado factura usando equipamentos do sistema público, faz receita. Ainda dentro do sistema público, o mesmo médico pode atender com muita antipatia, no sistema público, mas na sua clínica... São queixas [que há]. Nós pensamos que deve haver alguma incompatibilidade [entre sistemas]. Propomos também a melhoria também do salário de quem trabalha no sistema público. São essas propostas e pensamos que o eleitor cabo-verdiano, se for razoável, daria voto ao PP, mas não sabemos.
Há pouco falou das taxas na saúde. Para perceber melhor a visão: seriam reduzidas para toda a gente ou só para as camadas com rendimento mais baixo?
Quem tem salário mais alto já pagou também via imposto, já pagou mais. Portanto, é uma taxa única para todos, até porque há muita dificuldade em segregar quem tem meios e quem não tem. Neste primeiro momento, propomos a redução da taxa [moderadora] para 100 escudos. Houve uma alteração feita em Dezembro, medidas mais eleitoralistas, para crianças até 5 anos, mas há dias, em Março, levei a minha filha que tem menos de 5 anos, e o atendedor dizia-me que ainda nada. Todo o mundo continua a pagar porque a medida não foi introduzida no sistema. É muita incongruência.
Falou da Saúde. Que outros sectores considera prioritários?
A questão do Transporte. No Transporte, entendemos que o transporte interno, seja aéreo seja marítimo, devia ser métier do Estado, porque esse negócio, do transporte interno, teria um efeito contágio na economia, teria externalidades nos outros sectores e na questão do emprego. Havia de ajudar a resolver a questão do emprego em Cabo Verde, unificando o mercado cabo-verdiano. Então o transporte também é um outro sector prioritário. Quanto ao transporte internacional, a drenagem do dinheiro público via TACV... nós achamos que o transporte internacional aéreo devia ser feito por companhias estrangeiras em vez de continuar com a companhia de bandeira.
Defendem que se deveria acabar com a TACV/CVA, neste momento?
Claramente. Nós somos dessa opinião. A TACV deveria continuar [a funcionar] a nível interno, inter-ilhas, mas não a nível internacional. Nós somos um país pequeno, não nos podemos dar ao luxo de gastar dinheiro do Estado que faz muita falta à saúde e às outras áreas.
Em geral, qual acha que deve ser o papel do estado na economia?
Em alguns sectores, o Estado devia ter um papel determinante: transportes aéreos, pescas, agricultura, economia marítima, incluindo as construções navais, reparação naval, coisa que havia antigamente e dava emprego a muita gente. É mais nesse sentido.
A vossa plataforma eleitoral é muito diferente da de há 5 anos?
Actualizamos muita coisa, entramos com muita coisa. Agora, a nossa plataforma eleitoral é quase completa.
E como adaptaram objectivos e propostas ao momento que estamos a viver, com a pandemia, que tem impacto em todas as áreas, em todos nós?
Há uma adaptação. Mas veja: nós temos a reforma do estado e entendemos que a pandemia, essa crise, veio alertar a todo o mundo que o Estado tem de ser um Estado mais racional, com menos esbanjamento, um Estado menos gordo. Nós defendemos isso na nossa plataforma, uma redução. Mais uma vez, se você fizer a regra de 3 simples, deputados cabo-verdianos e população cabo-verdiana, e aplicar a Portugal, Portugal teria 1.440 deputados. Portugal tem 230 deputados. O nosso Estado não é um Estado racional. Nós propomos, na nossa plataforma, a redução de deputados para metade, ou seja, 36 deputados, mas o objectivo é chegar a 20. Na regra de 3 simples, pegando na mesma lógica: Portugal tem 10 milhões de habitantes e 230 deputados, trazendo isso para 500 mil habitantes você teria 12 deputados em Cabo Verde.
Mas a representatividade, das ilhas, etc, não iria sofrer com isso?
Se não sofre em Portugal... Hoje, com a tecnologia de informação, não há a questão das ilhas. Veja que nós propomos, na questão das embaixadas, embaixadas virtuais em vez de embaixadas físicas. Temos “N” propostas acerca das reformas. Em Cabo Verde, temos gente demais na política, na Assembleia Nacional. Tem de haver poupança dos recursos do Estado.
É muito difícil ser um pequeno partido em Cabo Verde...
Muito difícil.
… o que vos move?
Cidadania e patriotismo. É um trabalho que se não fizermos agora será muito mais difícil para os que vão chegar. Portanto, é a cidadania e patriotismo o que nos tem nesse trabalho.
Falando da campanha que vai ocupar os próximos dias. O que o PP tem preparado?
Vamos devagar, não temos dinheiro. Vamos fazer uma campanha no Facebook... vamos devagar...
Alguma mensagem especial?
Só pedir que o povo seja razoável e que no dia 18 de Abril escolha as nossas propostas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1010 de 7 de Abril de 2021.