Augusto Neves garante que a instituição que dirige não está parada e responsabiliza a oposição pela actual situação. O edil não quer eleições intercalares e está pronto para nova candidatura, em 2024.
Numa câmara que durante anos foi exemplo de diálogo interpartidário, somos agora confrontados com uma situação em que esse entendimento é aparentemente impossível. Porquê?
É a mesma pergunta que eu faço, porque já estávamos habituados a maiorias relativas, já fiz dois mandatos com maioria relativa e nunca tivemos dificuldades, sempre acabámos chegando a um consenso e resolvendo as coisas. Acho que depende muito das pessoas. Foram eleitas outras pessoas, com outros objectivos, outras formas de pensar e os atritos começaram desde o início do mandato. Eu digo sempre que se fala de crise na Câmara Municipal de São Vicente, mas a Câmara funciona com normalidade. No ano passado, aprovámos o plano de actividades e orçamento, isso é que é fundamental, e estamos cumprindo o plano, pese a situação diferente, devido à crise pandémica e à guerra na Ucrânia.
Como é que se chegou a esta situação em que parece que estamos à beira da ruptura?
Quando se fala de ruptura, a lei é clara: quando não tens instrumentos, não tens como trabalhar. Num caso desses, ter-se-ia que se pensar em eleições antecipadas. A ruptura que existe, acho que é a falta de entendimento entre os vereadores, porque os vereadores da UCID, que são três, e os do PAICV, que são dois, acharam que, juntos, iriam decidir a vida da Câmara. O município tem três órgãos muito bem definidos nos estatutos: a assembleia, a câmara e o presidente. O presidente é que deve apresentar os documentos e é o que temos feito, como sempre fizemos. Para discutir os documentos, como é o caso do plano de actividades e orçamento, os vereadores terão que apresentar as suas propostas. Estes [vereadores da oposição] nunca apresentaram nada. Quando se fez o relatório de actividades do ano anterior, os vereadores tinham que apresentar o relatório das suas actividades. Não apresentaram, porque não fizeram. Apresentei o relatório [de 2021] e, nos pelouros dos vereadores que não fizeram nada, coloquei lá: não apresentou o relatório.
Mas os vereadores da oposição respondem a isso dizendo que o presidente da Câmara não lhes dá condições para trabalharem…
Os vereadores têm todas as condições, muito mais do que os vereadores anteriores.
“Todas as condições” significa o quê?
Em todas as câmaras anteriores, os vereadores tinham os seus pelouros, faziam os seus programas e actividades, apresentavam os seus planos e trabalhavam. Esses não. Esses querem delegação de competências que são do presidente e que a lei diz que poderão ser delegadas aos vereadores. São essas competências que eles querem. Fizemos isso, foi aprovado, mas não ficaram satisfeitos, querem muito mais e esse “muito mais” eu não posso dar, nem a Câmara pode dar. Aquilo que se espera de um vereador é que trabalhe. Eu fui vereador, fiz vários projectos, por exemplo, o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas, que funciona até agora. A Dra. Lídia fez o projecto de acolhimento de crianças com vulnerabilidades especiais.
Não eram propriamente vereadores da oposição...
Eu trabalhei muito bem com vereadores da UCID no penúltimo mandato. Por exemplo, com o vereador Anildo Fortes, que era vereador do ambiente, fizemos um trabalho extraordinário. Também com o vereador Januário havia entendimento, discutíamos os projectos…
Chegámos a ver vereadores da oposição a fazer conferências de imprensa na entrada da Câmara, porque não teriam sido autorizados a subir…
Quando faço uma conferência de imprensa, comunico ao serviço, ao gabinete do presidente, geralmente com um dia de antecedência. Os vereadores resolvem fazer uma conferência de imprensa, chamam a comunicação social e vão entrar…. Têm que ser autorizados. Podem fazer quantas conferências quiserem, mas têm que comunicar.
Os vereadores da oposição têm capacidade para fazer propostas e trabalhar projectos, ou as coisas chegam ao seu gabinete e o Augusto Neves bloqueia?
Não tenho porque bloquear, porque não chegou nada até agora. Geralmente, essas propostas são apresentadas na reunião da câmara. Várias propostas e programas que temos feito são discutidos e aprovados na Câmara Municipal e ouvimos os inputs e melhorias dos outros vereadores. Nós até pedimos inputs à Assembleia, quando fazemos o orçamento. Agora que estamos a preparar o orçamento de 2023, já mandei uma nota para todos os vereadores que, para além da responsabilidade dos pelouros que têm, podem apresentar propostas para o plano de actividades. Mandei também para a Assembleia, aos eleitos municipais que queiram participar activamente no orçamento, para que enviem propostas.
O que é que aconteceu com a reunião de câmara de 2 de Janeiro?
Na última semana do ano, fazemos uma reunião para transferência de verbas e colocamos outros pontos. Numa reunião anterior, tínhamos levado a proposta de eleição de um membro da Zona Económica Especial. Os vereadores [da oposição] disseram que não conheciam a pessoa proposta, reunimos mais documentação, mandei buscar o currículo, mas não concordaram, votaram contra. Nós ficámos à espera de outras propostas, já cogitava outros nomes. No dia 30 [de Dezembro], estava o ponto aberto. Dois dos vereadores da oposição estavam de férias e os outros três não apareceram na reunião. A lei diz que 48 horas depois, pode-se convocar uma reunião com um terço ou mais. Eu fiz isso e essas 48 horas deram-se no dia 2 de Janeiro, domingo. Nós enviámos a convocatória a todo o mundo e começaram com desculpas de que não receberam. Se receberam durante um ano inteiro, pelo mesmo email, porque é que nesse dia não receberam?
Marcar uma reunião para dia 2 de Janeiro, domingo, não é andar atrás de problemas?
Não. Também se marcasse noutro dia, iriam dizer que não, não foram 48 horas, foram 80, 100 horas. Somos políticos, portanto, uma reunião pode ser perfeitamente realizada num domingo. Eu cingi-me à lei.
E depois de 2 de Janeiro, as reuniões não se realizaram porquê?
Nesse dia 2 de Janeiro, eramos mais de um terço. A agenda foi aprovada, aprovámos a transferência de verbas, apresentámos o ponto da eleição do membro da Zona Económica Especial, a proposta foi aprovada, ponto final. Quando souberam disso, tínhamos o Fórum [Pensar São Vicente], tudo ficou com uma calma aparente. Tivemos uma reunião dia 10 ou 12 [de Janeiro]. Tudo correu bem com o Fórum, o governo participou activamente, fez cá o Conselho de Ministros...
O Fórum deu a ideia de que os problemas tinham sido, efectivamente, ultrapassados…
Como todos participámos activamente no Fórum, pensei que este nos iria unir. Tínhamos feito o memorando de entendimento, assinámos o memorando de entendimento…
Esse memorando foi levado a sério por si?
Foi levado a sério. Esse memorando era para dois, três meses e até agora ainda está a vigorar. Agora dizem que está na gaveta. Não está na gaveta, está assinado e eles sabem-no.
Ainda sobre as reuniões de câmara, já sabemos que a ordem do dia não é aprovada e que o Augusto Neves abandona as sessões. Isso não é muito construtivo…
Eu não abandono. Dou a reunião por terminada e faz-se uma acta de não realização.
Não saímos disto, então…
Levamos uma agenda de trabalho, há sempre um preâmbulo, apresentamos a agenda, os vereadores questionam, levantam outros problemas que não têm nada a ver com a agenda dos trabalhos. Não se esqueça que a Câmara deve funcionar com aquilo que lhe compete, há questões que não são competência da Câmara Municipal.
O facto de sucessivas reuniões terminarem com o chumbo da ordem do dia não coloca a Câmara de São Vicente numa situação delicada, até de alguma ilegalidade?
Ilegalidade, não, porque se tem cumprido a lei. Ilegalidade seria se não se apresentasse a reuniões.
Todos dizem que não querem eleições intercalares, mas as eleições andam na boca de toda a gente. O Augusto Neves não está a esticar a corda, a ver se ela parte?
Possivelmente no início do mandato eu tenha querido que isso acontecesse, porque vi que aquele ambiente não era bom.
Chegou a pensar em forçar eleições intercalares?
Forçar, não. Cheguei a pensar que poderia acontecer. Mas agora, fazer uma eleição, meses depois fazer outra, acho que é desnecessário. O país não está preparado para gastar tanto dinheiro. Num ano, fazer duas eleições para o mesmo órgão.
Tenho ouvido o Augusto Neves a distinguir os vereadores dos seus partidos.
O diálogo que tenho tido com os partidos tem sido totalmente diferente, construtivo. Já reuni algumas vezes com a UCID, já conversei com os deputados do PAICV. Um diálogo construtivo, no sentido de pensar São Vicente primeiro, antes de questões pessoais, o que não acontece com os vereadores.
Ainda em relação aos partidos, não tenho ouvido o seu próprio partido posicionar-se relativamente a esta questão. É distracção minha, ou o MpD tem estado em silêncio sobre aquilo que se passa na Câmara Municipal de São Vicente?
O problema do MpD é que estava em eleições internas. Já começaram a organizar-se, para iniciar a actividade política.
Então não sente falta de apoio do seu partido?
Claro que sinto falta do apoio, mas estou em crer que [os novos membros da Comissão Política Concelhia] vão fazer um grande trabalho, porque estão com muita vontade. Um trabalho construtivo, para mostrar a necessidade de mantermos um clima de tranquilidade.
Ao longo desta entrevista, foi elencando problemas e apontando responsabilidades. Ainda não o vi assumir uma parte da culpa pela actual situação na Câmara.
Vou-lhe ser sincero. Eu poderia pensar isso [que tenho culpa], se não tivesse experiências anteriores com maiorias relativas. Mas se já fiz oito anos com duas maiorias relativas e consegui dar-me muito bem com outras forças políticas, porque é que agora, que me sinto com mais experiência, ia ter dificuldades? Esse grupo [de vereadores da oposição] veio com uma imagem diferente, não com a imagem de trabalhar. Muitos que passam a vida a meter lenha na fogueira, que tenham coragem de se apresentar a eleições, ao invés de irem à comunicação social falar mal da Câmara Municipal. Que façam os seus planos, façam projectos e apresentem-nos à população, convençam a população, mas próximas eleições. Já os convidei várias vezes para não se esconderem na altura da eleição, porque estaremos aqui para, caso o partido e o povo queiram, dar continuidade ao nosso trabalho nessa ilha.
O que me está a dizer é que será candidato em 2024…
Estarei sempre disponível, mas também já estou há algum tempo. O partido é que decide, mas eu estarei disponível.
Não admite, em nenhuma circunstância, uma candidatura fora da esfera partidária? Imagine que o seu partido decide por outra pessoa…
Acho que não. Se o fizesse, teria que sair do partido antecipadamente, mas já estou no quarto mandato...
Não me parece muito convencido de que não o faria…
Nunca se diz “desta água não beberei”, mas seria muito difícil. No quarto, para o quinto mandato, acho que não seria de bom-tom forçar uma candidatura. Se o partido achar que tem outro candidato melhor, eu até fico contente, e apoiarei esse candidato.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1075 de 6 de Julho de 2022.