Jair Fernandes: “Só o património traz valor acrescentado ao turismo”

PorChissana Magalhães,10 fev 2018 6:42

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Jair Fernandes, presidente do IPC
Jair Fernandes, presidente do IPC

​Com um orçamento ampliado em mais de 250% e projectos como o dossier de candidatura da morna a património imaterial, a revalorização dos Museus de Cabo Verde e o Plano Nacional de Gestão da Cidade Velha, o Instituto do Património Cultural entrou numa nova fase que irá culminar, ainda este ano, com a revisão do pacote legislativo ligado ao património cultural.

 Nos próximos meses o Instituto verá o seu estatuto adequar-se à lei dos Institutos Públicos, podendo assim consolidar o seu conselho científico e criar o conselho nacional, a ser integrado por departamentos governamentais mas também pela sociedade civil.

A lei de base do património será também actualizada dando maiores poderes ao IPC. Sobre tudo isto conversamos com o novo presidente do Instituto, Jair Fernandes.

São Vários as frentes em que o IPC está a trabalhar em simultâneo. Comecemos pela Cidade Velha. Logo no início do seu mandato, na sua primeira visita ao sítio da Cidade Velha, o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas mostrou-se chocado e preocupado com a situação que encontrou, particularmente em relação ao estado dos monumentos. Hoje como está a Cidade Velha (CV)?

Gostaria de pontualizar o seguinte: como tem sido hábito nas nossas articulações com o gabinete do ministro, o importante é trabalhar sob um plano. Planificar, ver as articulações necessárias, envolver parceiros e, sobretudo, trabalhar na mobilização de fundos para podermos desenvolver as nossas acções. Certamente as declarações feitas pelo sr. ministro podemos enquadrá-las, hoje, dentro de um alarmismo propositado. Basta ver que o investimento que o estado fazia na Cidade Velha era quase irrisório; servia somente para pagar o salário dos funcionários do gabinete técnico do IPC na Cidade Velha, e hoje deparamo-nos com um cenário completamente diferente. Julgo que a estratégia usada pelo ministro surtiu efeito. No caso da igreja de Nossa Senhora do Rosário, já iniciamos os trabalhos de reabilitação e restauro, com um montante disponibilizado pelo Fundo do Turismo no valor de 25 mil contos para este ano e mais 25 mil para o próximo ano. Outro espaço que será alvo de uma atenção muito especial agora, durante o mês de Março, é o projecto de vedação da Sé Catedral. O ministro fez o alarido necessário e hoje já temos dinheiro para investir no edifício. Por fim, tivemos todo o trabalho de sensibilização da comunidade, constituição do gabinete de educação patrimonial, realizou-se o primeiro Fórum Nacional sobre Educação Patrimonial incidindo, por um lado, sobre as escolas associadas da Unesco, enquanto parceiros, mas também sobre a própria comunidade local como forma de sensibilizá-los e integrá-los dentro desse processo de salvaguarda do património mundial. Um outro aspecto que hoje podemos contextualizar, e que não deixa de ser interessante a forma diplomática e célere como tem sido trabalhada, é a questão da Prointur, que é a empresa que faz a gestão do circuito. Infelizmente, o contrato que foi assinado em 2006 é um contrato que lesa em grande medida o estado de Cabo Verde e, hoje, estamos na fase final de rescisão desse contrato. Hoje, contextualizando o que o ministro disse há dois anos, estamos em crer que deu o seu resultado que é, por um lado, o investimento e a própria atenção que se tem dado à Cidade Velha e, por outro lado, de se salvaguardar todo o património urbano já que no próximo ano Cidade Velha irá completar dez anos da sua classificação como património mundial.

Jair Fernandes, presidente do IPC
Jair Fernandes, presidente do IPC

Diz que está a chegar ao fim o processo de rescisão do contrato com a empresa que fazia a gestão turística do sítio. O que se segue? Já há um plano? Um projecto para a substituir?

Aqui temos três cenários sobre a mesa. O primeiro seria passar a gestão para o IPC mas, já tive a oportunidade de aconselhar ao senhor ministro acautelarmos já que a natureza do trabalho do IPC não prevê, por exemplo, a gestão de um restaurante, de uma pausada... É preciso acautelarmos todos os aspectos inerentes a essa primeira proposta. A segunda proposta é de uma gestão compartilhada com a câmara municipal [de Ribeira Grande de Santiago]; há todo o interesse da edilidade em envolver-se e, inclusive, tem demostrado interesse salvaguardando os investimentos que serão necessários no quadro dessa nova reestruturação a nível da gestão da CV. Uma terceira hipótese, que não esta descartada, é trabalhar nos termos de referência e lançar-se um novo concurso internacional com pautas muito claras, salvaguardando o interesse do estado de Cabo Verde e os compromissos assumidos no quadro da inscrição da CV a património mas, sobretudo os interesses da própria comunidade que, até à presente data não tem usufruído plenamente com a gestão da CV e com o compromisso assumido pela Prointur no quadro do contrato assinado em 2006.

A Cidade Velha recebe hoje cerca de 100 mil turistas, entre estrangeiros e nacionais. Considera este um bom número, passados dez anos da inscrição como Património Mundial. Até que ponto a sociedade civil poderia ter um papel mais pró-activo na atracção de turistas?

Estamos agora a trabalhar o Plano Nacional de Gestão da Cidade Velha, que é um documento importante exigido pela Unesco para qualquer sítio ou bem inscrito como património mundial. Estamos já em plena fase de montagem do plano e estamos em crer que no mês de Abril passaremos para a fase de socialização do documento e posteriormente a sua submissão à Unesco. O plano tem um horizonte temporal de quatro anos e tenta abarcar todos os sectores mas, sobretudo salvaguardar os interesses da comunidade. Em relação à questão que me coloca, um dos eixos do plano de gestão é precisamente o turismo. A nossa visão da gestão do património exige uma planificação muito assertiva. Porque estamos a falar de um sector que, como todos nós sabemos falta dinheiro, faltam recursos, desde financeiros a humanos. Então, se não tivermos uma planificação muito assertiva, articular com todos os players que actuam no território, sobretudo a comunidade, corremos o risco de temos a comunidade de costas voltadas para as nossas acções. Em relação ao número de turistas, julgo que será um número razoável porque, se formos ver, a capacidade de carga da Cidade Velha é relativamente limitada. Estamos a falar de uma cidade com cerca de 200 hectares, com 273 casas, 1300 habitantes, ou seja, um espaço muito exíguo e em que a própria oferta hoteleira é limitada. Basta citar que a CV tem cerca de 120 camas. É um número irrisório atendendo ao fluxo que se quer ou se pretende. A maioria dos turistas que chegam à CV são excursionistas; passam lá um máximo de 3 horas. O empreendedorismo local à volta das áreas que se interrelacionam com o turismo, nomeadamente restauração, serviços de guias… não têm tido a primazia por parte da comunidade local. Cito aqui o exemplo de Goreé em que quem conduz as visitas guiadas é o habitante local, que cobra em média 50 USD por cada visita. É esse espirito empreendedor que é preciso incutir nas pessoas da CV. É importante frisar que, mesmo para os nacionais – por exemplo, para quem vive na Praia – se a Cidade Velha oferecesse em abundância desde gastronomia, artesanato, animação cultural, julgo que seria um ex libris e umaforma de rendimento para a comunidade.Um aspecto que é importante levar em conta quando se faz o raio x da Cidade Velha é que, pelo facto de CV estar a cerca de 10 minutos da Praia há uma migração diária muito forte. Cerca de 60% dos residentes vêm diariamente para Praia, quer por estudarem cá, quer para trabalhar. Ou seja, vê-se claramente que a própria comunidade não está virada para as potencialidades que o sítio oferece e para a visibilidade que essa classificação permitiu.

Ainda sobre a Cidade Velha. Em declarações recentes à imprensa reconheceu que as construções à margem da lei não põe em risco o título de património mundial mas ainda assim admite que algumas delas deverão ser demolidas. Porquê?

Por uma razão muito simples: independentemente de se estar na Cidade Velha, na Cidade da Praia, ou em Mindelo, são construções que foram feitasà margem da norma. Ou seja, primeiro, muitas das construções foram feitas em lotes que não pertencem às pessoas que fizeram, não têm projecto arquitectónico aprovado…são, literalmente, clandestinas!

Mas estas pessoas têm condições [financeiras] de construir uma casa dentro das exigências da lei? Geralmente acontece serem pessoas de baixa renda que tentam suprir uma necessidade básica e um direito que é o à habitação. Avançando-se com a demolição, será mediante uma alternativa para essas pessoas?

Nós, para fazermos a gestão da CV trabalhamos com dados, com números de forma a podermos, por um lado, precaver cenários, por outro, termos um raio x exaustivo e realístico da cidade. Temos um levantamento em mãos em como cerca de 54 casas foram construídas à margem da lei, ou seja são “dissonantes”. Uns com maior grau de gravidade, outros nem por isso. A ideia não é agirmos pela força ou pela imposição da autoridade e da legalidade, que em casos normais poderia ser o caminho tendo todo o suporte legal e técnico a nosso favor. O que se quer fazer, já que estamos a falar de uma cidade e quando se fala de património temos que levar em consideração a população que lá vive… E não obstante estarmos perante uma violação flagrante à legislação vigente, a ideia é estudar cada caso a sua harmonização ou não dentro do conjunto CV património urbano.

Nos últimos anos têm acontecido vários casos de demolição ou intervenções em edifícios, públicos ou privados e inclusive igrejas, que mereceram críticas veementes por parte da sociedade civil (em Mindelo, na Cidade da Praia, Tarrafal de Santiago, Maio…) por entenderem ter havido descaracterização ou mesmo destruição de património histórico-cultural. Até que ponto se tem respeitado a lei que obriga a que seja solicitado, previamente, um parecer do IPC e como tem o IPC acompanhado esses casos?

Como antes tinha dito, um dos nossos grandes propósitos é adequar o pacote legislativo relativo ao património à nova realidade que temos em Cabo Verde. Lembro-me que em 2010, enquanto técnico, no quadro da elaboração dos planos directores municipais, pertencendo a vários comités de seguimento dos planos directores, tinha chamado a atenção para a necessidade de se adequar a legislação aos novos planos e a uma nova realidade da gestão do território. Se formos ver a lei do património – que não foi regulamentada – data de 1990, ou seja, num contexto completamente diferente, passados que são 28 anos. Hoje, não só o IPC mas os parceiros que lidam com a questão dos territórios – as câmaras municipais, a Ordem dos Arquitectos, os próprios proponentes que têm os seus interesses instalados nos centros históricos – têm reclamado essa necessidade de se adequar a legislação a essa nova realidade urbanística. Isto naturalmente que impõe uma celeridade, que é a forma que estamos a trabalhar, socializar e envolver os vários actores do território. Precisamente de forma a enquadrar esta nova realidade mas trazendo também a necessidade de salvaguarda do património. A adequação da legislação vai precisamente neste sentido, dar ao IPC mais poder de actuação, ou seja, seremos mais enérgicos e estamos a prever inclusive ter poderes de embargar obras, à semelhança do que fazem o IFAM, no Brasil, ou a DGP, em Portugal. Nós também iremos ter esta observância no quadro da nova legislação, não só nas obras e projectos de cariz civil mas, também religioso. Já começamos a trabalhar nessa frente; recentemente foi nomeada uma comissão mista entre a Igreja Católica, através da Diocese de Santiago, e o IPC. Isto indo ao encontro de duas preocupações imediatas: por um lado de se criar critérios de relacionamento – que foi salvaguardado aquando da assinatura da concordata entre o estado de Cabo Verde e a Santa Sé – muito bem plasmado no que à gestão do património cultural diz respeito, desde património imóvel (igrejas e capelas) até o património móvel, de que a Igreja tem um acervo muito interessante, e que dava para montar vários museus de arte sacra. E essa comissão mista irá trabalhar precisamente nesta frente: apoiar o IPC na realização de um inventário desse património – que já está em curso e chamo a atenção que cerca de 60% do património edificado em Cabo Verde pertence à Igreja Católica, o que naturalmente exige uma boa articulação e uma boa relação. Por isso criou-se essa comissão mista de trabalho e que neste momento tem estado a sensibilizar os párocos locais, pois há muita demanda dos párocos locais ao IPC e é preciso estabelecer-se prioridades num quadro concreto. Esta comissão mista já deu os primeiros passos, por exemplo, vamos já, de imediato, começar a trabalhar na reabilitação e restauro de duas estruturas religiosas, no caso a igreja de Nossa Sra. da Luz, no Maio, e a igreja de Nossa Sra. da Luz, em Alcatraz, São Domingos. Nessa vamos também retomar as escavações na área, com a vinda da equipa de Cambridge no início de Março, e readequar o espaço religioso.

Jair Fernandes, presidente do IPC
Jair Fernandes, presidente do IPC

Essa nova legislação que referiu antes, quando estará pronta?

Em Julho deste ano. Já temos uma equipa técnica do IPC que juntamente com um consultor jurídico está a trabalhar na sua elaboração, precisamente para prever esta dinâmica à margem da preservação dos centros históricos e actuar de forma enérgica lá onde for preciso, independente de ser do privado, do estado ou, particularmente, das câmaras municipais e das igrejas, por exemplo. O que se tem verificado, sobretudo a partir de 2012, é uma grande inflação imobiliária nos centros históricos apetecíveis sobretudo para instalação de comércio e serviços, o que automaticamente acaba por inflacionar o valor do imóvel e, por outro lado, uma descaracterização justificada pela necessidade de adequar o edifício ao fim que lhe é atribuído. Claro que nós não vamos colocar em causa projectos arquitectónicos em que se preserva a fachada, isto é permitido no quadro das normativas da própria Unesco. Agora fazer mudanças drásticas e introduzir elementos contemporâneos, dissonantes e que tiram harmonia de um centro histórico… Isso, não vamos permitir. É esse o nosso desígnio, ter um instituto que possa actuar de forma célere, séria e com alto grau de cientificidade e de tecnicidade dando, por outro lado, uma certa margem de cooperação e colaboração em casos que a legislação irá prever. Naturalmente, essa forma enérgica de actuar que mencionei no quadro da legislação tem também um sentido pedagógico, um sentido de orientação da actuação das câmaras municipais e dos outros actores. É sempre complicado conciliar este binómio: preservação do património/desenvolvimento urbanístico.

Uma área que, ao que parece, vai merecer nos próximos tempos uma atenção especial é a museologia. Já há um projecto para requalificação e valorização dos museus, certo?

Antes de falar dos museus devo dizer que para o presente ano económico o IPC teve um aumento muito substancial do seu orçamento. Estamos a falar de um aumento de cerca de 267%, ou seja, até o ano passado tínhamos um orçamento de investimento de 18 mil contos em que 80% destinava-se a pagamento de salários no quadro dos projectos. Para o presente exercício económico este aumento foi considerável, temos já disponível cerca de 68 mil contos e isto refere-se somente às dotações vindas do tesouro público. Após a apresentação da carteira de projectos já temos em curso algumas articulações para captação de mais fundos. O projecto Museus de Cabo Verde poderá ser o projecto que irá alavancar o sector do património cultural. Porque muitas vezes, tratando-se de matérias um pouco intangíveis, não se tem a percepção dos seus retornos imediatos. Estamos a falar de um país cujo pilar de desenvolvimento é o turismo. Mas o turismo praticado actualmente em Cabo Verde é um modelo já esgotado em outras paragens. A alternativa passa por um turismo de valor acrescentado, e este valor acrescentado só a cultura e o património cultural podem oferecer. O projecto Museus de Cabo Verde foi idealizado pelo ministro da Cultura e das Industrias Criativas e será materializado pelo IPC, e conta no presente ano com um investimento no valor de cerca de 10 mil contos. Este investimento, que é irrisório atendendo a dimensão que se quer dar, vai ser canalizado neste primeiro ano para o Museu da Pesca em São Nicolau – em que estamos a contar com um forte engajamento do Museu da Baleia de New Bedford (EUA) – e para o Museu da Resistência, em Tarrafal de Santiago. Ou seja, cinco mil contos para cada uma destas estruturas. Na próxima semana [entrevista gravada na sexta-feira, dia 2] iremos já com uma equipa avançada fazer um diagnóstico exaustivo e a intervenção no Museu da Resistência, pressupondo por um lado uma redefinição da linguagem expositiva, a implementação de meios interactivos de visita (no caso, um aplicativo que foi trabalhado com outros parceiros, a CV Telecom a UniPiaget), introduzir melhorias no edifício e envolver a própria comunidade. Desde Setembro temos estado a trabalhar com a comunidade residente que é uma comunidade que tem as suas carências e necessidades. O trabalho que a equipa de gestão do Museu tem desenvolvido – muito meritório, diga-se em abono da verdade – envolve sobretudo as crianças. Deparava-nos com uma situação triste: chegavam ali turistas e as crianças iam pedir dinheiro. Hoje quando chegam os turistas são os jovens que fazem pequenas actuações de dança, de teatro, ou seja uma forma de sensibilizar a comunidade de que têm ali um activo económico importante. Os ganhos são visíveis, basta ver que ao final da tarde as crianças vão para o Campo e têm aulas de escrita criativa, de poesia, há recitação de poemas, têm um espaço onde podem ver vídeos… Voltando ao projecto dos Museus: nesta primeira fase prevê-se, até 2021, um investimento de 30 mil contos para cinco equipamentos estrategicamente identificados. A começar pela ilha de São Vicente, estamos a trabalhar na montagem de um novo conceito que é o Museu da Cidade do Mindelo, integrando o Museu do Mar ao Núcleo Museológico Cesária Évora, os espaços de memória – como, por exemplo, a Praia de Bote e outros espaços simbólicos e emblemáticos da cidade de Mindelo – criando uma narrativa muito mais alargada, com vários pontos e itinerâncias que comungam entre si. Esse pode ser um grande ganho para a cidade de Mindelo.

Esse projecto Museus de Cabo Verde contempla a questão da atracção de visitantes? Pretende-se torná-los menos estáticos? Será criada para cada museu uma programação permanente de eventos para diferentes públicos?

Gostaria de acrescentar que todos os projectos do IPC estão alinhados com os instrumentos de gestão do país, a nível macro. Desde o ODS, programa do governo, plano estratégico de desenvolvimento sustentável do país e o próprio plano estratégico sub-sectorial. Isto permite fazer a “lincagem” com os outros sectores. Notamos agora (e por isso o investimento forte nos museus) que faltam em Cabo Verde serviços de suporte ao turismo. E por isso citei há pouco o valor acrescentado que os museus podem trazer para o turismo alternativo. Esta dinâmica tem a ver com estudos prévios. Só para citar um exemplo, a ilha do Sal é a ilha mais turística de Cabo Verde mas, o Museu do Sal recebe anualmente cerca de 4 mil visitantes, o que é um número irrisório, se levarmos em conta que é a ilha que absorve cerca de 40% da demanda turística. Mas o diagnóstico serviu de alerta para as estratégias de captação desse público. Como diz, com actividades de animação mas, a montante, envolvendo ou co-responsabilizando os outros actores, nomeadamente a Câmara do Turismo, a Direcção Geral de Turismo e Transportes, os operadores privados, os pequenos empreendedores e a própria comunidade. Estou aqui a citar a ilha do Sal porque já no início de Março iremos ter ali um fórum, que foi um desafio lançado pela Câmara Municipal e pela Câmara do Turismo, que é “Pensar o Património Cultural da Ilha do Sal”. Temos hoje em Cabo Verde cerca de 24 estruturas museológicas entre público (do IPC e das câmaras municipais) e privado e que infelizmente não têm respondido cabalmente ao conceito de museu que é formação e educação mas também servir enquanto activo económico do território. De uma forma geral, em termos de captação de público, os museus de Cabo Verde não ultrapassam uma cifra anual de 10 mil visitantes, o que é francamente irrisório. Agora, teríamos duas soluções: fechar os museus, que não é o que se quer, ou fazer um investimento muito forte. Optámos pelo investimento: desde trabalhar a interactividade, trabalhar o marketing do património cultural (desde a estratégia de comunicação ao merchandising, que não temos nos nossos museus e que é algo que pode ajudar à própria sustentabilidade da estrutura). Há toda uma nova filosofia e uma nova abordagem, de fazer rentabilizar, se não mesmo tornar os museus auto-sustentáveis. A nossa visão em relação à consolidação das estruturas passa por outro lado pela própria normativa associada à área. Vamos agora criar a lei-quadro dos museus. Antes havia o decreto-lei dos museus mas, é um documento que não responde cabalmente aos desafios existentes. A lei-quadro irá, por um lado, ditar e criar os critérios para edificação de estruturas museológicas, ou seja, iniciativas privadas e das câmaras municipais terão que obedecer a determinados critérios, pressupondo que o IPC passará um certificado de utilidade pública a essas estruturas. Esta legislação está prevista ainda para o primeiro semestre deste ano. Nesta primeira fase de investimento nos museus, a ideia é abarcar cinco a seis estruturas estrategicamente colocadas e que têm uma grande valência para o próprio território: Museu da Cidade em São Vicente, Museu da Pesca em São Nicolau, Museu do Sal (com a musealização de toda a ilha, aproveitando o rico património das salinas de Pedra de Lume), o Museu Etnográfico e o Museu da Arqueologia na Cidade da Praia, o Museu da Tabanca em Santa Catarina de Santiago e o ex-Campo de Concentração de Tarrafal. A escolha destes espaços não foi aleatória, resulta do estudo exaustivo a estas estruturas e a todas as outras existentes.

Falamos aqui bastante do património material. Para terminar, falemos um pouco do património imaterial e, mais concretamente. da candidatura da morna a Património da Humanidade.

Antes de falar sobre o dossier de candidatura da Morna, e já que estamos a falar do património imaterial, permita-me ressaltar aqui mais duas frentes do IPC para este ano. Primeiro, a classificação da tabanca a património imaterial nacional: há um investimento na ordem de 5 mil contos para se trabalhar com os grupos de tabanca da ilha de Santiago e da Ilha do Maio, e reaproveitamento do Museu da Tabanca. Essa classificação é algo que deverá acontecer entre os meses de Maio e Junho deste ano. Outro dossier que iremos retomar com força é o da oficialização da Língua Cabo-verdiana. A questão da oficialização da língua cabo-verdiana acaba por ser um pouco como o da morna: todos querem participar mas, exige uma certa cientificidade nas abordagens. A oficialização da língua, estrategicamente posso avançar, irá passar por desmitificar conceitos. O Ministério da Cultura através do IPC não pretende, a curto prazo, entrar em debates sobre a padronização da língua, que é um outro nível de discussão que infelizmente tem sido muito deturpado. A nossa perspectiva em relação à oficialização é no reconhecimento do património maior de Cabo Verde que é a língua materna. Para este efeito o quê se prevê é a classificação da Língua Cabo-verdiana como património nacional.

E quanto à morna, de quanto foi o investimento no dossier de candidatura e o que é que engloba este dossier?

O governo, até este momento, investiu cerca de 15 mil contos. Se levarmos em linha de conta que pela primeira vez no ano passado a morna teve uma verba consignada, e este ano também voltou a se inscrever um montante de 5 mil contos... É um dossier relativamente barato. Tínhamos anteriormente comissões criadas, que acabam por ser comissões mais consultivas do que executivas e que a sua efectivação pressupunha na altura certos custos. Estamos a falar de 15 comissários, alguns residentes outros não. e que cada vez que a comissão se reunia tinha que se prever custos para um simples encontro. A estratégia actual foi de trazer o projecto para o IPC, criar internamente uma comissão técnica com uma consultoria externa que, em cooperação e articulação com a embaixada de Portugal, disponibilizou um dos maiores experts em matéria de património imaterial. Esse que trabalhou o fado, trabalhou o canto alentejano e conseguiu resultados com a sua inscrição na lista de património imaterial. Falo do Dr. Paulo Lima, que estará em Cabo Verde já no dia 18 para a finalização do dossier. Já estamos na fase de tradução; o IPC irá formalmente entregar o dossier ao sr. ministro no final do mês em curso, que fará os procedimentos protocolares e diplomáticos que um dossier dessa natureza exige. Logo após, iremos começar a implementar o plano de salvaguarda. O resultado só sairá em Dezembro de 2019. Para além do trabalho técnico que a Unesco virá fazer, a nível nacional teremos que implementar o plano de gestão, que passa pela formação dos agentes, pela questão da normativa (que estamos a prever para o primeiro semestre deste ano), pela criação das casas da morna, pela valorização das figuras ligadas à morna. São os grandes eixos que iremos trabalhar, sem descurar a parte diplomática e a parte turística que é preciso envolver no processo. Um dossier para uma candidatura a património imaterial, como este da morna, é muto mais complexo. Primeiro tem que se trabalhar no inventário (já foi feito) e que incide em três itens importantes: os executantes, os compositores e os espaços. Dentro dos espaços incluímos o inventário que é preciso fazer a todo o material associado à morna (normalmente, instrumentos musicais). Posto isto, o inventário terá que ser reconhecido a nível nacional, em termos governamentais é preciso, através de uma portaria, reconhecer este inventário (também já foi feito) e passar para uma outra fase, que é um trabalho paralelo: ter o “visto bom” da comunidade morna, que são as tais declarações ou consentimentos, e que seja representativo do território. Em termos técnicos, é preciso um trabalho audiovisual, um trabalho de montagem (a que daremos acesso já nas próximas semanas) de uma plataforma sobre a morna, e a montagem do dossier, em sí que é altamente técnico e científico que deverá conter toda a justificação para a classificação, todo o historial ligado à morna, terá que ir ao encontro dos critérios exigidos pela Unesco e que, no caso do património imaterial, é muito mais complexo. Por isso a complexidade também na análise, que tarda quase um ano entre a submissão do dossier e o anúncio da classificação. O dossier tem quase mil páginas e irá acompanhado do vídeo, de algumas composições e interpretações, e claro que a imagem icónica da nossa candidatura é a Cesária Évora. Aliás, é unânime que seja ela a bandeira desta nossa candidatura. Temos até 31 de Março para submeter o dossier e, em paralelo, iniciamos já o trabalho diplomático que é mobilizar os países amigos, sobretudo os que estão no comité do património imaterial.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 845 de 07 de Fevereiro de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,10 fev 2018 6:42

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  9 jan 2019 3:22

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