Imagem gerada pela IA
Diz-se, em jeito de desabafo popular, que estamos a viver num tempo de nabos – e não apenas nos campos da agricultura. Multiplicam-se os discursos ocos, as decisões mal amadurecidas, os protagonismos instantâneos e as promessas lançadas ao vento, como se bastasse repeti-las para que se tornassem verdade. A política tornou-se, em muitos casos, um desfile de lugares-comuns e poses ensaiadas. Nabos bem posicionados, mal preparados.
Há nabos nos gabinetes, nos conselhos e até nas salas de aula. Gente que ocupa cargos sem deixar rasto. Gente que fala alto, mas não escuta. Gente que manda, mas não sabe. E o mais curioso: quanto mais superficial é o saber, maior é a convicção com que se impõe.
Mas o problema não está apenas na abundância de nabos – está também na escassez de tomates. Faltam tomates para tomar posições difíceis, para remar contra a corrente, para dizer “não” quando o mais fácil é acenar com a cabeça. Faltam tomates para enfrentar clientelismos, para fazer política com verdade, em vez de encenação. Para reformar, em vez de remediar.
E tomates, entenda-se, não são sinónimo de gritaria nem de valentia teatral. São sinónimo de coragem moral, de rectidão, de capacidade para assumir riscos em nome do bem comum. O tipo de tomates que vai escasseando – nos palcos públicos, nas universidades, nas autarquias e até nas organizações da sociedade civil.
Ao contrário dos nabos, que se reproduzem com facilidade, os tomates exigem cultivo paciente e firmeza no trato. Precisam de solo fértil, mas também de poda criteriosa. E, mesmo no mercado, se tornaram um bem de luxo: caros, raros e cobiçados.
O resultado? Uma democracia anémica, onde se faz muito ruído e se avança pouco. Onde se festeja o acessório e se esquece o essencial. Onde se premeia a obediência e se silencia a crítica. Onde, em suma, há mais decoração do que substância.
Não é pedir muito: queremos mais tomates nas decisões e menos nabos nas aparências. Porque um país não se governa com slogans, mas com carácter. E carácter – ao contrário do que muitos pensam – não se improvisa. Cultiva-se, com tempo e verdade.
.
Nota do autor: Esta crónica faz parte da série Alfinetadas, onde se afinam ideias, se questionam anúncios e se convoca o bom senso – mesmo quando há confettis no ar.
– Manuel Brito-Semedo