Lucy Rose
Nova lei em Rhode Island permite corrigir a raça nas certidões de nascimento
Antonia Noori Farzan
Providence Journal | USA TODAY NETWORK
Lucy Rose nasceu numa família orgulhosamente cabo-verdiana em Providence, nos anos 1950.
Décadas depois, ao solicitar a sua certidão de nascimento completa, ficou chocada ao descobrir que a sua raça estava registada como «Negra».
Não era apenas o termo antiquado e as suas conotações negativas que a incomodavam. Era o facto de a cultura e a identidade da sua família terem sido apagadas por uma enfermeira ou funcionária hospitalar anónima.
«Ainda hoje me pergunto como é que fui identificada como Negra», escreveu mais tarde num ensaio pessoal. «Foram os lábios da minha mãe ou o cabelo encaracolado? Ou seria eu de um tom de castanho que automaticamente me categorizava como Negra?»
Como a maioria dos cabo-verdianos, Rose tem ascendência africana e portuguesa. Ao longo da vida, sentiu dificuldade em encaixar na dicotomia racial americana: sabia que não era branca, mas assinalar a opção afro-americana provocava-lhe uma sensação de «síndrome do impostor», confessou.
Se os pais tivessem tido escolha, acredita, teriam simplesmente declarado que ela era cabo-verdiana.
Hoje, o Departamento de Saúde de Rhode Island reconhece «cabo-verdiano» como identidade racial válida. Rose conseguiu actualizar a sua certidão de nascimento – e este ano convenceu a Assembleia Geral a aprovar uma lei que facilitará o mesmo a outras pessoas.
«Tenho tanto orgulho de ter conseguido recuperar a minha herança.»
«Isto não é reescrever a história», disse. «É corrigi-la.»
Como eram identificados os imigrantes? Sobretudo pela cor da pele.
Os cabo-verdianos começaram a chegar em grande número ao sudeste da Nova Inglaterra no final do século XIX e início do XX, numa era de paranóia racista em que qualquer pessoa com ascendência africana era considerada negra.
Temendo o estigma, os cabo-verdianos «deliberadamente optaram por não se identificar com os negros americanos», escreve a historiadora Marilyn Halter em Between Race and Ethnicity: Cape Verdean American Immigrants, 1860–1965. Mas os imigrantes de aparência mais estereotipadamente europeia, vindos dos Açores, Madeira e Portugal continental, excluíam-nos dos seus bairros, igrejas, clubes sociais e empregos desejáveis. Os cabo-verdianos consideravam-se geralmente portugueses, já que o arquipélago era uma colónia de Portugal. Mas o mundo à volta não os via assim. Alguns conseguiam «passar» por brancos, mas os de pele mais escura enfrentavam segregação em cinemas, barbeiros e nos autocarros.
A história familiar de Rose mostra como as noções socialmente construídas de raça eram subjectivas. Todos os seus avós eram cabo-verdianos. Mas os avós paternos, de pele mais clara, foram classificados como brancos nos documentos oficiais, enquanto os maternos eram identificados como negros ou «Negros» – presumivelmente por terem pele mais escura. O pai de Rose nasceu em East Providence em 1920. A sua certidão de nascimento e o cartão de recenseamento militar diziam que ele era branco. Mas na certidão de nascimento original de Rose lê-se: «Raça do pai: Negro.»
Nos anos 1950, essa etiqueta era especialmente carregada de preconceito. Mas o que mais incomoda Rose é que uma instituição tenha imposto uma identidade à sua família, agrupando-a numa categoria em vez de reconhecer a herança mista.
«Simplesmente não condizia com quem eu sou no meu íntimo», disse.
A luta por uma nova lei em Rhode Island
Em 2012, Rose visitou Cabo Verde pela primeira vez. Quando regressou, conseguiu a dupla cidadania, num processo que exigiu encontrar os registos de baptismo do avô e traduzir e autenticar as certidões de nascimento dos pais.
«Olhe para isto», disse a um jornalista, mostrando o passaporte cabo-verdiano azul e dourado. «É inacreditável.»
No passaporte, Rose não é rotulada como negra nem branca. Em vez disso, lê-se: «Cabo-Verdiana.»
«É isso que eu sou», disse, emocionada. «É assim que eles me vêem.»
Rose queria que a sua certidão de nascimento também reflectisse a sua identidade cabo-verdiana. Mas, embora Rhode Island permita alterar nomes ou marcadores de género nas certidões de nascimento, ela não encontrou nenhuma indicação sobre como actualizar a raça.
Acabou por convencer o Gabinete do Registo Civil a fazer a alteração, apresentando o passaporte cabo-verdiano como prova. Isso foi «um sucesso imediato», disse, mas muitos cabo-verdianos nos Estados Unidos não têm essa possibilidade por não terem dupla cidadania.
Nova lei cria processo para corrigir a raça nas certidões de nascimento
Este ano, Rose fez lobby junto da Assembleia Geral para aprovar uma lei que permite às pessoas solicitar que a sua raça «seja modificada ou corrigida na certidão de nascimento de modo a utilizar uma linguagem e terminologia culturalmente sensíveis».
Os projectos de lei, apresentados pelo senador Robert Britto e pela deputada Katherine Kazarian, ambos democratas de East Providence, foram assinados pelo governador Dan McKee a 30 de Junho e incumbem o Departamento de Saúde de criar um processo para «acomodar todos os pedidos razoáveis».
Embora a legislação não se aplique apenas aos cabo-verdianos, Rose diz que a sua história é comum, e que muitos cabo-verdianos foram empurrados para categorias raciais arbitrárias.
Salienta que não fala em nome de toda a comunidade. Alguns cabo-verdianos sentem-se confortáveis em identificar-se como brancos ou negros, enquanto outros, como ela, sentem fortemente que devem ser identificados como cabo-verdianos.
«Tenho tanto orgulho de ter recuperado a minha herança, e espero inspirar outros para que também consigam recuperar a deles», disse Rose. «Quero mesmo ser quem eu sou. E quero que isso fique registado para sempre, porque as certidões de nascimento duram para sempre.»