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No cinquentenário da independência, o Presidente da República não poupou elogios à diáspora. E bem. Afinal, são eles que mandam divisas, enchem a casa no Verão e lembram ao mundo que existimos. Foram chamados pilar, orgulho, farol – com direito a mais flores do que um funeral de Estado. Mas nenhuma lágrima para os que cá morrem aos bocadinhos, a segurar as pontas.
Já os que cá ficaram… esses levaram apenas um genérico “resiliência” – o novo nome para “aguenta e não chora”. E nada mais. Nenhum aplauso extra para quem semeia cebola em pedra e colhe contas para pagar. Para quem puxa redes no mar ingrato e ainda paga peixe caro no mercado. Para quem segura escolas, hospitais e mercados – para que haja sempre um país à espera dos que regressam para matar saudades e despejar confettis.
Celebrar a diáspora é justo. Mas fingir que quem ficou não carrega o peso de dois é desproporcional. Celebrar os que partem sem agradecer devidamente aos que ficam é como aplaudir a festa e ignorar quem montou a tenda, varreu o chão e engoliu a poeira.
Para o próximo discurso: continuem a atirar confettis para a diáspora – merecem-nos. Mas, por favor, antes que nos engasguemos de vez, varram pelo menos a poeira da cara dos que cá ficam.
Nota do autor: Esta crónica faz parte da série Alfinetadas, onde se afinam ideias, se questionam anúncios e se convoca o bom senso, mesmo quando há confettis no ar.
– Manuel Brito-Semedo