Homenagem à Professora Gabriela Lopes da Silva Mariano
(Santiago, 1935 –)
A educação inclusiva é mais do que uma meta a alcançar – é um compromisso inadiável com a dignidade humana, a equidade e o desenvolvimento sustentável. Uma sociedade que exclui é uma sociedade que falha no seu dever fundamental de garantir oportunidades justas para todos.
Cabo Verde, no seu percurso rumo a um ensino mais acessível e de qualidade, reconhece a necessidade de transformar as suas escolas em espaços verdadeiramente inclusivos, onde cada criança e jovem, independentemente das suas condições, possa aprender, crescer e contribuir para o futuro do país. No programa de Governo 2021-2026, são traçadas directrizes claras para garantir que ninguém fique para trás.
Obstáculos e Soluções: Entre a Esperança e a Realidade
Muitas crianças com necessidades educativas especiais (NEE) – de acordo com dados do Ministério da Educação, no ano lectivo 2023/2024 havia 1.754 crianças e jovens com NEE no sistema, dos quais 1.575 no Ensino Básico – enfrentam desafios que vão para além das barreiras físicas. Deparam-se com uma forma subtil de exclusão, decorrente da falta de estratégias eficazes para dar resposta às suas necessidades.
Embora o discurso político e institucional reconheça a importância da inclusão, a realidade nas escolas cabo-verdianas ainda está longe do ideal. A escassez de professores especializados, a falta de infraestruturas adaptadas e a carência de recursos pedagógicos específicos continuam a ser desafios, para os quais as promessas que ecoam em relatórios e discursos, sem execução real, permanecem apenas como boas intenções.
O Plano Estratégico da Educação 2022-2026 traça um caminho promissor, mas o seu impacto depende de um financiamento sustentado e de um sistema de monitorização eficaz. Uma educação verdadeiramente inclusiva exige mais do que boas ideias – exige acção concreta, estruturada e contínua.
Plano de Acção: Construir uma Escola Para Todos
A construção de um sistema educativo inclusivo passa por um conjunto de medidas transformadoras, que vão desde a capacitação dos docentes até à adaptação dos espaços escolares. Algumas das principais iniciativas incluem:
- Formação Docente: Mais do que uma actualização curricular, é essencial capacitar os professores para que se tornem agentes activos da inclusão. Isso inclui metodologias diferenciadas, comunicação alternativa e aumentativa (como Braille e Língua Gestual) e estratégias para promover a participação activa de todos os alunos.
- Salas de Recursos: Criar e fortalecer espaços de apoio pedagógico para os alunos com NEE, equipados com materiais adequados e supervisionados por profissionais especializados.
- Assistência Personalizada: O reforço de assistentes educativos e terapeutas (psicólogos, terapeutas da fala, ocupacionais e psicomotricistas) é essencial para garantir um acompanhamento adequado e individualizado.
- Tecnologia Inclusiva: A inovação tecnológica pode ser uma grande aliada da inclusão. O investimento em softwares educativos acessíveis, dispositivos de leitura para alunos cegos e sistemas de amplificação sonora para alunos com deficiência auditiva permitirá democratizar o acesso ao conhecimento.
- Infraestruturas Acessíveis: Uma escola verdadeiramente inclusiva precisa de edifícios que respeitem princípios de acessibilidade universal – rampas, casas de banho adaptadas, sinalética inclusiva e mobiliário ergonómico são passos fundamentais nesse sentido.
- Envolvimento da Comunidade: A inclusão não acontece apenas dentro da sala de aula. Pais, professores, colegas e toda a comunidade educativa devem ser sensibilizados para o papel que desempenham na criação de um ambiente de respeito, aceitação e igualdade de oportunidades.
Da Teoria à Prática: Um Caminho de Mudança
É fundamental que a educação inclusiva deixe de ser um ideal distante e se torne uma realidade tangível. Para isso, é imprescindível adoptar medidas concretas de fiscalização, avaliação de impacto e adaptação contínua. O compromisso efectivo na alocação de recursos é essencial para evitar que o sistema educativo continue a falhar àqueles que mais necessitam de apoio.
A implementação de auditorias pedagógicas e de indicadores de desempenho permitirá aferir a eficácia das políticas e garantir que produzem os resultados desejados. O acompanhamento rigoroso destas medidas é crucial para impedir que a inclusão se transforme, na prática, numa exclusão disfarçada.
Inspirar para Inovar: Exemplos que Fazem a Diferença
O Colégio Letrinhas, uma escola privada na ilha do Sal, tem demonstrado que a inclusão não é uma utopia, mas sim um objectivo possível de alcançar quando há compromisso e investimento. A escola investe na formação contínua dos seus docentes, na adaptação de materiais didáticos e na criação de um ambiente verdadeiramente acessível para alunos com NEE.
Uma das iniciativas de destaque é a actividade "Conexões Gastronómicas: Crianças com Necessidades Especiais Descobrindo a Culinária", onde os alunos têm a oportunidade de explorar os sentidos, desenvolver a autonomia e fortalecer competências sociais num contexto prático e interactivo. Esta abordagem demonstra que o ensino inclusivo não se resume apenas ao currículo tradicional, mas passa também por experiências enriquecedoras que valorizam cada criança na sua individualidade.
O sucesso do Colégio Letrinhas prova que, com os recursos adequados e um compromisso genuíno, é possível transformar a educação inclusiva numa realidade acessível a todos.
Um Exemplo Inspirador de Inclusão no Ensino Superior
A Universidade Jean Piaget de Cabo Verde implementou, no ano lectivo de 2023/2024, uma experiência pioneira de educação inclusiva ao acolher uma turma composta por 9 estudantes surdos, 9 cegos e 2 com deficiência física. Esta iniciativa, sem precedentes no ensino superior cabo-verdiano, representa um avanço significativo na concretização do direito à educação para todos, demonstrando que a inclusão é possível também a este nível de ensino, desde que acompanhada de compromisso institucional e investimento em recursos adequados.
Para responder às necessidades específicas destes alunos, a universidade mobilizou intérpretes de Língua Gestual Cabo-verdiana, materiais em Braille, softwares de leitura de ecrã e apoio psicopedagógico especializado. A experiência da Jean Piaget evidencia que a diversidade, quando acolhida com preparação e intencionalidade, pode transformar o ambiente académico, promovendo equidade, inovação pedagógica e enriquecimento colectivo.
Inclusão: Um Caminho Sem Volta
Cabo Verde tem a oportunidade de se tornar uma referência na educação inclusiva, mas isso só será possível se as políticas públicas deixarem o papel e os gabinetes, e forem acompanhadas de medidas concretas e eficazes no terreno.
A inclusão deve deixar de ser uma promessa e tornar-se uma prática diária, alicerçada no respeito pela diversidade e na promoção de um ensino de qualidade para todos. Somente assim conseguiremos construir um sistema educativo verdadeiramente equitativo, onde cada criança tem o direito de aprender, crescer e sonhar sem limitações impostas por um sistema que ainda precisa de evoluir.
Investir numa escola para todos é investir num país mais justo, mais humano e mais preparado para os desafios do futuro. E o futuro pertence àqueles que o constroem hoje com compromisso e acção.
– Manuel Brito-Semedo