Blogs / Esquina do Tempo

Kiki Lima: um amigo, um artista, um legado

PorBrito-Semedo20 jul 2025 13:56

 

kiki-lima.webp

 

 

Foi com profundo pesar que recebi a notícia do falecimento de Kiki Lima, pintor maior de Cabo Verde e meu colega de infância, aos 72 anos. Com ele parte não apenas um artista singular, mas também um amigo leal, companheiro das alegrias e sonhos da nossa geração.

 

Nascido a 17 de Outubro de 1953, no Mindelo, Kiki revelou desde cedo uma sensibilidade rara para as cores da sua terra. Aos 14 anos já pintava, numa vocação precoce que nem as dificuldades conseguiram travar. Em 1974 fixou-se em Lisboa, onde se formou em Pintura Decorativa pela Escola António Arroio, iniciando a sua carreira internacional sem jamais perder de vista o arquipélago que sempre o inspirou.

 

A sua obra, marcada por um vigor cromático inconfundível, captou a essência da alma crioula. Foi um embaixador cultural de Cabo Verde, retratando com mestria a morna, os mercados, as mulheres, as festas populares e as paisagens da infância. Como ele próprio dizia: “O meu objectivo foi sempre exaltar o que é nosso, mostrar ao mundo a beleza do que temos”.

 

Durante mais de meio século de carreira, expôs em Portugal, Cabo Verde, Estados Unidos e outros países, conquistando um reconhecimento crítico e popular pouco comum entre os artistas da sua geração. As suas telas, hoje espalhadas por colecções públicas e privadas nos quatro cantos do mundo, são sinónimo de identidade e resistência cultural.

 

Para mim, porém, Kiki foi muito mais do que o pintor consagrado. Foi o amigo de adolescência com quem cresci num Mindelo pobre, mas sonhador, fértil em talento e solidariedade. Sempre discreto e sereno, impressionava pela determinação inabalável de viver da arte – missão que abraçou até ao fim.

 

Nesta hora de despedida, não posso deixar de expressar um agradecimento especial pela generosidade com que sempre apoiou a minha própria obra literária, cedendo algumas das suas mais belas pinturas para as capas de três dos meus livros. Esses gestos continuam a encher-me de orgulho e a simbolizar a nossa amizade, unindo para sempre as suas cores às minhas palavras.

 

 

Kiki Lima.jpg

 

 

Fica a saudade e a gratidão: pela obra que legou a Cabo Verde e ao mundo, pelo testemunho de um homem fiel às suas raízes e pela amizade que me honrou.

 

A toda a família, amigos, colegas e admiradores, endereço as mais sentidas condolências. Que as cores quentes da sua pintura continuem a iluminar a memória e os corações de todos nós.

 

“A arte deve falar do povo, deve ter a identidade do povo. É por isso que pinto as mulheres cabo-verdianas, as festas da nossa terra, a nossa música. Porque isso sou eu, somos nós.” – Kiki Lima

 

Descansa em paz, meu amigo.

 

Manuel Brito-Semedo

 

 

PorBrito-Semedo20 jul 2025 13:56