Mas, nas mesmas datas, no espaço da Câmara Municipal da Praia, a Livraria Pedro Cardoso realiza também a sua Feira do Livro, com descontos até quarenta por cento. Duas festas, o mesmo público, a mesma cidade, a mesma semana. Morabeza em dobro, leitura em falta. Coincidência? Descoordenação? Concorrência? Seja o que for, revela bem o modo como o país trata a cultura: com entusiasmo, mas sem articulação; com boas intenções, mas pouca conversa entre quem devia conversar. Cabo Verde é fértil em eventos, mas pobre em política cultural.
Durante alguns dias, a capital será fotografada a ler. É a leitura transformada em evento, a cultura em cenário, a memória em programa oficial. Ouvir-se-ão belas palavras sobre o poder dos livros – ditas, naturalmente, por quem lê pouco e publica muito. Haverá entrevistas, aplausos, selfies e promessas de futuro. Depois, como sempre, regressará o silêncio.
Em São Vicente, no tempo da minha adolescência, havia duas livrarias-papelarias – a do Leão e a do Toi Pombinha – e uma Biblioteca Municipal pequena, mas viva, cheirando a papel e a conversa. Era ali que se estudava, lia e sonhava. Hoje, Mindelo tem mais livrarias e mais bibliotecas, mas menos leitores. O progresso tem destas ironias: cresce o número de espaços, esvai-se o hábito.
Na Praia, capital das solenidades, há duas livrarias e uma Biblioteca Nacional que cumpre, com zelo, o papel de guardiã oficial. Municipal, nem pensar. Os livros estão arrumados, as estantes limpas, e o povo continua sem casa para ler. Multiplicam-se campanhas, feiras e semanas temáticas, sempre com a mesma euforia de quem acredita que se muda o país com uma fotografia no Facebook.
O Morabeza é uma invenção feliz – e merece aplauso. A Feira da Pedro Cardoso também, porque insiste em aproximar o livro do leitor. Mas seria bom que, desta vez, a coincidência não se tornasse ruído. Que o brilho da festa deixasse rasto nas escolas, nas bibliotecas e nas casas. Que o livro deixasse de ser pretexto para discurso e voltasse a ser motivo de leitura.
O país precisa de leitores, não de cerimónias. O livro, esse ser paciente, não vive de promessas: vive de quem o abre. Porque um país não se constrói com festivais nem feiras – constrói-se com leitores. E é assim que se morre: de entusiasmo público e silêncio privado.