
Há cem anos, na Praia, nasceu Arnaldo França, homem de saber sereno e palavra limpa. Poeta, ensaísta, professor e servidor público, fez da cultura um exercício de rigor e de entrega. Viveu entre a discrição e a lucidez, sem nunca buscar protagonismo. Preferiu o trabalho paciente, a construção sólida, a lealdade às ideias e às pessoas.
Foi co-fundador da revista Certeza, que deu voz a uma geração em busca de pensamento próprio, e director da revista Raízes, onde ajudou a consolidar a reflexão crítica sobre a identidade cabo-verdiana. Serviu o Estado com a mesma ética com que ensinou, convicto de que educar é também cuidar do país.
Professor de várias gerações, ajudou a erguer o primeiro curso de Estudos Cabo-verdianos e Portugueses e traduziu poetas de duas margens – de Camões a Corsino Fortes – com a fidelidade de quem reconhece nas palavras o território mais puro da pertença. A sua escrita, clara e exacta, foi sempre uma forma de serviço.
Entre tantos papéis – funcionário, mestre, editor, tradutor –, permaneceu o mesmo homem inteiro: atento, discreto, justo. Faleceu em 2015, deixando uma obra dispersa mas essencial, mais tarde organizada pelo Professor Alberto Carvalho sob o título Arnaldo França, uma obra conversável – poesia e prosa (2021), que reuniu o legado poético e ensaístico do autor.
Hoje, no centenário do seu nascimento, não há cerimónias nem discursos – apenas o afecto e a gratidão dos que com ele aprenderam a olhar o mundo com serenidade e exigência.
“Sejais vós ao menos infância renovada da minha vida,
A colher uma a uma as pétalas dispersas
Da grinalda dos sonhos interditos.”
Arnaldo França – mestre, exemplo e claridade.
N.A. – Esta crónica faz parte da série Exaltas, dedicada a reconhecer e celebrar o que eleva o país – os gestos, as ideias e as conquistas que fazem de Cabo Verde uma nação de alma grande.
– Manuel Brito-Semedo
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