O relatório foi concluído em março de 2020, aprovado pelo Inspetor Geral de Finanças em maio de 2020 e homologado pelo Ministro das Finanças a 10 de agosto de 2020, quase três meses depois da sua aprovação. Foi colocado há poucos dias no site do Ministério das Finanças, como tendo sido homologado em 2021, um “lapso” de quase 12 meses…
O inquérito foi realizado pela Inspeção Geral de Finanças, na sequência de alertas que apresentei ao senhor Ministro das Finanças, na qualidade de Administradora executiva, denunciando a prática de atos de gestão que considerei lesivas dos interesses da EMPROFAC. Realço que o meu pedido de audiência para o efeito só foi concedido cerca de um ano depois de solicitado.
Em entrevista ao Expresso das Ilhas (vd Edição do Expresso das Ilhas nº 1021 de 23 junho/2021) expliquei as razões justificativas das ruturas de medicamentos no mercado, refutando acusações de que essas situações estivessem relacionadas com conflitos entre as administradoras da empresa. Na mesma entrevista, afirmei que o relatório do Inquérito corroborava as minhas denúncias, e que os inspetores de Finanças tinham apresentado a proposta de remeter o relatório do Inquérito ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas para apuramento de eventuais responsabilidades civis, criminais e financeiras.
As minhas afirmações parecem não ter agradado ao ex-Presidente do Conselho de Administração da EMPROFAC, que as rotulou de “delírios” em entrevista concedida a um semanário local, tendo afirmado que o relatório fora arquivado, implicitamente sugerindo que nada teria sido apurado.
Pois bem, qualquer pessoa que leia o relatório do Inquérito, há poucos dias disponibilizado no site do Ministério das Finanças, poderá confirmar exatamente o contrário do que o ex-PCA sugere: os inspetores identificaram e relataram os atos lesivos dos interesses da EMPROFAC que denunciei, e mais, afirmaram expressamente que, em diversas circunstâncias, os atos de gestão praticados pelo ex-PCA e os métodos por ele utilizados lesaram a empresa, não foram transparentes e, nalguns casos, lesaram o interesse público e os próprios interesses do Estado. E propuseram, efetivamente, que o relatório fosse submetido ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas para efeitos de apuramento de eventuais responsabilidades civis, criminais e financeiras.
Tendo o ex-PCA da EMPROFAC qualificado as minhas afirmações ao Expresso das Ilhas como “delírios” vou apresentar nos parágrafos seguintes 17 dos “delírios” que os inspetores constataram, utilizando afirmações dos próprios inspetores e apontando as páginas onde podem ser encontrados no relatório da Inspeção Geral de Finanças, agora tornado público.
Delírio 1.
Proposta dos Inspetores de Finanças de enviar o relatório ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas (página 47 do relatório), que passo a transcrever:
«Face às constatações e conclusões feitas no presente relatório, a equipa de inquérito propõe o seguinte: a) Que seja enviado o relatório de inquérito ao Ministério Público, para efeito de apuramento de eventuais responsabilidades, civil e ou criminal…». b) Que se remeta o relatório do inquérito ao Tribunal de Contas para que …sejam apuradas e efetivadas eventuais responsabilidades financeiras…».
Afinal,o delírio corresponde à verdade! Se o Ministério das Finanças remeteu o relatório a essas duas instituições, é caso para ver.
Delírio 2.
Conclusões dos Inspetores sobre dois estudos urdidos e mandados realizar pelo ex-PCA. (página 37 do relatório).
Transcrevo: «Em face às constatações, a equipa de inquérito concluiu o seguinte: a) O processo de contratação ….para a realização de dois estudos.. nos valores de ECV 4.400.000 e ECV 3.861.000(negrito no original)respetivamente não é transparente e lesa os interesses da EMPROFAC, SA.» (negrito meu).
Mais claro do que isso não é possível. Que nome atribuir a este tipo de comportamento de um PCA?
Delírio 3.
Cito ainda os inspetores (página 37 do relatório):
«Os 4 sócios da empresa …[uma das empresas convidadas] são, exatamente os 4 acionistas da empresa … [a empresa a quem foram atribuídos os dois estudos]».
As duas empresas convidadas pelo PCA são propriedade dos mesmos 4 sócios/acionistas. Cada um que tire as suas conclusões.
Delírio 4.
Cito de novo (mesma página):
«O senhor PCA da EMPROFAC, SA deu orientações ao júri do concurso no sentido de dar início à análise das propostas técnicas e financeiras antes do término do prazo limite para a entrega das propostas, alegadamente porque as duas principais empresas já tinham entregue as propostas. Ora, a postura do PCA deixa indícios de que tinha conhecimento prévio que a empresa…… não ia apresentar as propostas/e ou o convite formulado à mesma era apenas para cumprir formalidades» (negrito meu).
Sem cometários.
Delírio 5.
Transcrevo ainda os inspetores(página 37):
«Os requisitos exigidos aos consultores nos termos de referências, elaborado pelo próprio PCA, coincidem com os dos consultores da empresa… [a empresa a quem foram atribuídos os estudos]» (negrito meu).
Estranhas coincidências.
Delírio 6.
Mais uma transcrição (página 38):
«Os relatórios de avaliação do júri para os dois estudos mostram que as propostas financeiras apresentadas são exorbitantes (negrito meu) e o relatório de avaliação para o Estudo sobre o Nível de Satisfação dos Clientes em relação aos Medicamentos Vendidos pela EMPROFAC desaconselhou, de forma implícita a adjudicação dos dois estudos» (negritos no original).
Mesmo assim, os dois estudos foram adjudicados pelo PCA. Porque será?
Delírio 7.
Continuo a citar o relatório, página 38:
«A maioria dos responsáveis da EMPROFAC,SA, designadamente as duas Administradoras Executivas, o Diretor Comercial, o Diretor de Compras e o Diretor Administrativo e Financeiro, considera que o Estudo sobre a Estimativa de Mercado para Produtos Não Medicamentos não atingiu os objetivos pretendidos e previamente estabelecidos nos TDR».
No entanto, o PCA mandou pagar a totalidade do estudo.
Delírio 8.
Mais uma citação do relatório dos inspetores (página 39):
«O senhor PCA pagou à empresa… [que foi escolhida] os restantes 50% do contrato, sem que esta fizesse as correções apresentadas pela EMPROFAC, SA na reunião de apresentação e discussão do relatório preliminar e sem o consentimento das duas Administradoras, situação porque as mesmas na reunião do Conselho de Administração consideraram tal pagamento como sendo indevido. A estes dois factos acima indicados, junta-se, ainda, a libertação da caução, ordenada pelo Senhor PCA, sem que se tenha feito as devidas correções conforme ficou acordado na mesma reunião do Conselho de Administração…» (negrito meu).
Como explicar esse comportamento do ex-PCA?
Delírio 9.
Cito a página 40:
«A caução prestada, no valor de ECV 1.930.500 era insuficiente para cobrir o adiantamento no valor de ECV 4.130.500, violando o nº 2 do art. 104 do CCP, dispositivo que estabelece que nos contratos em que sejam efetuados adiantamentos de preço, deve ser prestada caução de valor igual ao do adiantamento prestado.»
Que nome se deve dar a esta forma de atuar?
Em relação à realização de obras, a maior parte pequenos trabalhos, eis o que os inspetores identificaram e afirmaram:
Delírio 10.
Cito o relatório, página 41:
«Relativamente às obras de Vedação de Terreno e Plataforma de Descarga no Armazém, conclui-se que: a) foi pago indevidamente (negrito meu) o valor de ECV 922.861, referente a trabalhos que não foram executados pela empresa adjudicatária».
O PCA manda pagar trabalhos não executados? Porquê?
Delírio 11.
Ainda e sempre nas palavras dos inspetores de Finanças, cito (página 42):
«Contrariamente ao serviço contratado no âmbito do concurso restrito-vedação de um terreno pertencente à EMPROFAC- foram realizadas obras distintas- fundação de base para construção de armazém e sua vedação-, no valor de ECV 6.622.911, ultrapassando o valor contratual em ECV 3.761.761, correspondente a 132%, e sem a realização de um novo procedimento concursal, com a consequente celebração do respetivo contrato, conforme estabelece o CCP».
Contrata-se um tipo de obra, realizam-se outras obras diferentes que custam mais do dobro do contrato inicial? Com que finalidade? E ainda por cima, como nos outros casos, o PCA aceitou garantias que correspondiam apenas a 5% (331 contos) do valor contratual, que nada tem a ver com o adiantamento de ECV1.970.745 por ele concedido à empresa a quem os trabalhos foram adjudicados (página 42). Porque será?
Delírio 12.
Citando mais uma vez o relatório (páginas 42 e 43):
«Relativamente às obras de Construção de uma Escada Metálica de Acesso à Cobertura de Armazém e Construção de Zonas de Sombra do Armazém Central, conclui-se que: f) Nos sete contratos celebrados, foram realizados trabalhos a mais em cinco obras…. Do ponto de vista da equipa de inquérito, nestas circunstâncias, os trabalhos a mais não se justificam porque trata-se de obras de pequeno porte e de baixa complexidade, onde a imprevisibilidade dos trabalhos a efetuar é praticamente impossível» (negrito meu).
Os “trabalhos a mais” são um excelente mecanismo para inflacionar os custos das obras. Que motivos explicam essa forma de atuar?
Delírio 13.
Continuo a citar a equipa de inspetores (página43):
«Finalmente, a empresa… [ganhadora de contratos de pequenas obras]num período de aproximadamente dois anos, executou 4 obras no valor total de ECV 5.264.489 e, em todas elas, foram realizados trabalhos superiores aos valores do contrato, totalizando ECV 4.661.543, correspondente a 88,55% do preço inicial. Ainda foi-lhe pago indevidamente ECV 922 861…».
A mesma empresa ganha a maior parte das obras, apresentando preços baixos para depois os inflacionar com o conhecido mecanismo de “trabalhos a mais”. Conclua o leitor.
A propósito de uma pretensa auditoria Informática: eis o que dizem os inspetores de finanças no seu relatório:
Delírio 14.
Cito (página 43):
«No processo de contratação do serviço de auditoria informática foram cometidas várias irregularidades que põem em causa a transparência e o interesse público» (negrito meu).
O que quererão dizer os inspetores de Finanças?
Delírio 15.
(página 44).
«O pagamento no valor total do contrato é indevido, porque a empresa contratada não realizou os trabalhos relacionados com a auditoria de segurança do sistema, conforme previsto no contrato» (negrito meu).
O PCA manda pagar trabalhos que não foram realizados?
Em relação a despesas de representação, transcrevo o que opinam os inspetores, na página 44:
Delírio 16.
«Os gastos de representação realizados a favor do Presidente do Conselho de Administração, com serviços de restaurantes, no valor de ECV 833.820 são ilegais…» (negrito meu), porque, segundo os inspetores, cito : «Nenhum dos processos de despesas estava acompanhado de documentos que mostram que as referidas despesas estão enquadradas nas atividades da Empresa».
Que conclusões retira o leitor?
E para concluir os meus “delírios”, mais uma constatação dos inspetores de Finanças, na página 45 do relatório:
Delírio 17.
«O acordo de parceria…para aquisição de produtos medicamentosos no período de 2018 a 2020 e anos seguintes, que se traduz na compra de 50% da quantidade prevista para 2019 de 4 tipos de medicamentos, por preços muito superiores … lesa os interesses do Estado…» (negrito meu). Os mesmos inspetores avaliam o prejuízo desse acordo, só para o ano de 2019, em ECV 10.219.118 (página 45).
A signatária foi afastada do processo de negociações, a partir do momento em que se opôs à abordagem do ex- PCA e foi o único membro do Conselho de Administração que não assinou o acordo.
Todos os atos e ações referidos pelos inspetores no seu relatório ao Inquérito, a que aludi anteriormente, foram concebidos, promovidos, conduzidos e realizados pelo ex-Presidente do Conselho de Administração da EMPROFAC.
Afinal, parece que os meus “delírios” são corroborados por tudo o que os inspetores constataram, relataram e propuseram no seu relatório.
Mas há mais, muito mais.
Aproveitando a situação de pandemia e a ausência de reação da tutela aos resultados do inquérito, o ex-PCA da EMPROFAC promoveu outras iniciativas de teor semelhante, das quais realço apenas dois casos:
Por exemplo, as máscaras cirúrgicas (64 escudos por unidade) custariam ao Estado, via ex-PCA, mais do dobro (+115%) dos preços obtidos pela EMPROFAC (30 escudos por unidade); as viseiras de proteção propostas por intermédio do ex-PCA (551 escudos por unidade) eram 2,5 vezes mais caras do que os preços obtidos pela EMPROFAC (221 escudos por unidade); as toucas descartáveis custariam ao Estado, via ex-PCA da EMPROFAC (28 escudos por unidade) vinte e cinco vezes mais do que os preços conseguidos pela EMPROFAC (2 escudos por unidade). Considerando apenas estes três equipamentos de proteção individual e as quantidades que se pretendia adquirir (máscaras – 300.000 unidades; viseiras -20.000 unidades; toucas -30.000 unidades), o Estado teria pago mais 17,6 mil contos do que devia pagar. Como se justifica tal proposta apresentada pelo Ex-PCA? Felizmente, o Estado não comprou os ventiladores propostos via ex-PCA, cujo preço por unidade era de 4,2 mil contos, quando a EMPROFAC tinha propostas de 1,8 mil contos para cada ventilador. Tendo em conta que se pretendia comprar 30 unidades, o seu custo global na proposta apresentada via ex- PCA excederia em mais de 70 mil contos a proposta obtida pelaEMPROFAC. Que nome se deve dar a esta forma de atuar?
Enquanto fui Administradora da EMPROFAC, efetiva até julho de 2020, e interina à espera de substituição até finais de junho 2021, opus-me aos esquemas do ex-PCA, e fi-lo aberta e assumidamente. A minha oposição não agradou, evidentemente, e provocou retaliações de toda a ordem, incluindo decisões de me retirar os pelouros que me tinham sido atribuídos. Por exemplo, o pelouro de compras, que o ex-PCA sempre pretendeu colocar sob sua responsabilidade direta, foi-me retirado em novembro de 2019, curiosamente depois de os inspetores de Finanças terem iniciado as suas averiguações.
A consciência do que estava em jogo fez com que eu não acatasse tal decisão. Mas, na realidade, a partir dessa data, além da signatária, os outros dois membros do Conselho passaram a fazer aquisições (uma das situações foi relatada pelos inspetores).
Na sequência dessa decisão, dirigi ao PCA uma carta de que apresento alguns extratos:
«Ao Presidente do Conselho de Administração da EMPROFAC
Dou em meu poder a missiva do dia 18 de novembro …em que anuncia indireta, mas claramente, a sua decisão de assumir o pelouro de Compras logo no dia seguinte, a coberto da transferência dos processos de Compras para o Conselho de Administração, onde, como sabe, tem uma maioria automática, qualquer que seja o assunto.
… O seu objetivo com todo este procedimento muito apressado de usurpação de funções é, em última instância, o de controlar pessoalmente os processos de Compra. E para o efeito, pensa ter encontrado na minha pessoa um bode expiatório, utilizando o pretexto das indisponibilidades para atingir o seu objetivo.
..Além de controlar pessoalmente os processos de Compra, o seu objetivo principal, ao tentar usurpar o pelouro Compras (a coberto de transferência de responsabilidade para o CA) visa também atingir-me pessoalmente, como já tinha referido antes...
E isso tem uma explicação simples.
É que, desde o início, tenho-me oposto a decisões e ações suas, que considero lesivas dos interesses da empresa. Manifestei sempre frontalmente a minha discordância, verbalmente, na presença dos Administradores, e em Conselho de Administração quando este ainda se reunia presencialmente, e por escrito, e isso não lhe agrada.
Opus-me à realização de estudos completamente inúteis (como o demonstra o facto de nada se ter aproveitado desses estudos para a ação prática da empresa), estudos esses contratados com base em termos de referência extremamente vagos e imprecisos, com custos claramente exorbitantes face aos seus resultados;
Opus-me à atribuição de contratos de empreitada de construção com cláusulas ilegais sobre trabalhos a mais, como forma de contornar exigências em termos de concurso;
Opus-me à realização de despesas de publicidade excessivas, para uma empresa que tem o monopólio do mercado de medicamentos;
Opus-me à realização de uma pseudo auditoria ao nosso sistema informático, cujo objetivo último era o de aceder à base de dados da empresa.
Opus-me à participação no capital de uma empresa na Guiné-Bissau com um parceiro cujas credenciais eram menos do que convincentes e cujos benefícios para a Emprofac mais do que questionáveis;
Opus-me à realização de obras desnecessárias ou inoportunas.
E fi-lo sempre de forma aberta, argumentando e explicando as minhas razões. E tenciono continuar a agir do mesmo modo. Mas isso não agrada, por certo.».
Estas transcrições da carta que dirigi ao ex-PCA em novembro de 2019, com conhecimento a todas as chefias da EMPROFAC, mostra que nunca me verguei aos ditames desse senhor, nem pactuei com os seus métodos sinuosos. E mostram também que praticamente, desde o início das minhas funções como Administradora executiva, em julho de 2017, as relações com os outros membros do CA foram marcadas por importantes divergências de opinião. O que retira qualquer credibilidade à tentativa de imputar as atuais ruturas de medicamentos a “desavenças entre as administradoras”, como se tem propalado.
A realidade é totalmente diferente. As ruturas, sempre indesejáveis, têm como causa principal, embora não única, fatores externos, nomeadamente as crescentes interdições de exportação, por parte das entidades reguladoras dos nossos principais mercados fornecedores, o que impede, muitas vezes, que os fornecedores disponibilizem os medicamentos em tempo útil. Sem esquecer as questões relacionadas com dívidas aos fornecedores, derivadas das dívidas do Estado à EMPROFAC, que em finais de 2020 ascendiam a mais de um milhão e oitenta e oito contos, quase 90% das dívidas de clientes à empresa.
O problema das ruturas de medicamentos é recorrente em Cabo Verde, vem de longa data. Atinge maiores proporções em certos períodos, dependendo, em grande parte, das limitações e dificuldades dos principais mercados fornecedores. Como devia ser mais do que evidente, a pandemia determinou dificuldades ainda mais acentuadas na aquisição de muitos dos medicamentos mais importantes do nosso mercado, o que veio agravar ainda mais as dificuldades já existentes.
E para os que minimizam o impacto da pandemia na capacidade de adquirir medicamentos, recordo que a economia de Cabo Verde, teve uma quebra enorme de 14,5% em 2020 e de 11% no primeiro trimestre de 2021. A dívida pública de Cabo Verde é de 139% do PIB .
A PANDEMIA explica tanto a quebra da economia como o disparar da dívida pública, que até 2020 vinham evoluindo muito favoravelmente. A PANDEMIA aniquilou o turismo, o principal sector da economia nacional e afetou negativamente todos os outros sectores. E todas as economias do mundo, incluindo as mais poderosas, ficaram de joelhos perante esse terrível flagelo. Cabo Verde não podia ser exceção, naturalmente.
Mas, então, os terríveis malefícios da PANDEMIA não se aplicam à EMPROFAC? As enormes dificuldades que a Pandemia COVID 19 criou à economia de Cabo Verde, às empresas e famílias, não se aplicam à EMPROFAC? Quantas empresas fecharam as portas e quantas viram os seus negócios desabar? A EMPROFAC tinha que ser imune à disrupção das cadeias de produção, abastecimento e exportação de medicamentos, que afetaram todos os mercados fornecedores, em todo o mundo?
É preciso ter presente que o problema de ruturas de medicamentos não é novidade em Cabo Verde, como referi atrás, o mesmo acontecendo nos próprios mercados fornecedores, situação que se acentuou drasticamente com a pandemia.
Vou transcrever alguns extratos de relatórios da EMPROFAC de anos anteriores, a confirmar o que acabo de dizer, pedindo a paciência do leitor, mas é necessário para esclarecer esta questão:
Relatório e Contas de 2011, página 2:
«O maior constrangimento verificado no exercício de 2011 pela EMPROFAC foi a aquisição de medicamentos, o que provocou sucessivas rupturas de stock».
Relatório e Contas de 2012, página 2:
«A aquisição de medicamentos continua sendo o maior constrangimento da empresa, provocando algumas rupturas de stock. O mercado paralelo de medicamentos em Portugal continua a ser um grande obstáculo para o acesso de medicamentos de marca por causa da imposição de quotas de mercado estabelecidas pelas empresas multinacionais. A maioria dos medicamentos de marca é adquirida através de armazenistas, o que torna o acesso a esses medicamentos mais difícil e a preços elevados.»
Relatório e Contas de 2014, páginas 10 e 11:
«As medidas implementadas ao nível da saúde (obs: em Portugal, principal mercado fornecedor da EMPROFAC) tiveram muitas consequências negativas, sendo que uma delas tem a ver com falhas no abastecimento do mercado nacional, em resultado da exportação paralela. Para mitigar os efeitos dessas medidas, as autoridades portuguesas restringiram a exportação de fármacos que estejam em ruptura no mercado e aumentaram o controlo da cadeia de abastecimento. Esse facto afectou directamente o mercado cabo-verdiano, levando a rateios e nalguns casos, rupturas de alguns medicamentos como é caso de Betametasona gotas, gastrografina, Atrovent, entre outros.»
Relatório e Contas de 2017, página 16
«Relativamente às ruturas de stock, os principais constrangimentos sentidos resultaram de rateios e produtos indisponíveis nos fornecedores e fabricantes e cujas alternativas terapêuticas nem sempre foram obtidas, bem como da necessidade de melhorar o procedimento de gestão de stock …».
Relatório e Contas de 2018, página 35:
«Os produtos rateados/descontinuados continuaram a ser durante o ano 2018 um desafio para EMPROFAC, com a agravante do impacto da monitorização dos produtos de difícil aquisição em Portugal feita pelo Infarmed, Entidade Reguladora do nosso principal mercado fornecedor, com a consequente interdição das respectivas exportações…».
Relatório e Contas de 2019, página 23:
«O desempenho comercial em 2019, ainda que muito positivo, o seu segundo trimestre ficou marcado por alguns constrangimentos, dos quais o mais relevante foi a indisponibilidade de alguns medicamentos críticos, nomeadamente hipotensores, de elevada rotatividade, com reflexos e impacto negativo ao nível das vendas. Não obstante as causas habituais, de cariz estrutural, outras de cariz conjuntural ao nível internacional, afetaram sobremaneira o fornecimento de tais medicamentos críticos pela incapacidade dos nossos fornecedores habituais de satisfazerem, nos prazos contratados, as encomendas adjudicadas no quadro do concurso público para aquisição de medicamentos para 2019. Na base de tal incumprimento encontram-se problemas de qualidade das matérias-primas utilizadas no fabrico dos referidos medicamentos, cujos alertas internacionais determinaram a suspensão de fabrico dos medicamentos que utilizam essas matérias-primas.»
Como se pode ver, as ruturas ocorrem praticamente todos os anos. O momento e a gravidade com que ocorrem dependem muitas vezes de fatores externos que nem sempre é possível controlar, como tem vindo a acontecer ao longo da pandemia COVID-19. O processo tem sido mais moroso devido a restrições impostas pelos mercados fornecedores, que fui tentando contornar, envolvendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1025 de 21 de Julho de 2021.