Jotacê à conversa com SAMBA GROOVE: “Tocamos um pouco de tudo, mas sempre com um estilo e uma personalidade muito próprios”

PorExpresso das Ilhas,3 nov 2019 9:31

Nasceram na efeverscência e rebuliço típicos do Carnaval Mindelense, fruto de um feliz casamento entre o ritmo e a paixão. Dizem-se muito mais do que um grupo; uma família e rapidamente conquistaram o seu público, cativando o coração de todos aqueles que trazem a folia e a festa do Rei Momo no sangue.

Fenómeno de popularidade e aceitação, tornaram-se presença obrigatória nas mais diversas e variadas manifestações culturais da ilha do Monte Cara. A fama que granjearam ultrapassou as fronteiras do nosso país e levou-os a serem chamados para participar, como “convidados de honra” no prestigiado festival internacional do ritmo, Percusounds 2020, a ter lugar na Bélgica. Olham para o sucesso, acima de tudo, como uma consequência do trabalho e não uma meta e têm como objetivo primordial, a UNIÃO dentro do Carnaval. Têm a palavra, os SAMBA GROOVE.

Como surgiu o Samba Groove? O que esteve na base da ideia de formação deste grupo? 

A ideia surgiu quando regressávamos de uma viagem a Nigéria no ano passado, onde integrámos um projeto de promoção de Carnaval do Mindelo, no âmbito do qual foram feitos alguns espetáculos, enquadrados nas comemorações do aniversário do AFREXIMBANK. Na altura, o nosso atual presidente, Alberto Santos (Beto) sugeriu a organização de um grupo de percussão completo, que tivesse representatividade de todos os grupos do carnaval da ilha de S. Vicente e que, acima de tudo, simbolizásse a UNIÃO DAS BATERIAS. O grupo tem como objectivo principal divulgar e elevar a nossa cultura ao mais alto nível, tanto no nosso país, como em termos Internacionais.

E o nome Samba Groove de onde vem? Quem “baptizou” o grupo? 

Havia muitas ideias e uma série de alternativas, mas nenhuma reuniu consenso. Diante de várias tentativas em busca de um nome adequado, um dos nossos fundadores, Vady Dias concluiu que seria interessante Samba Groove. É um nome que representa bem a essência deste nosso projeto. 

Falem um pouco da composição do grupo. Quantos são? O que tocam? 

Somos 18 músicos ao todo, quase uma orquestra. Temos 13 percussionistas, representativos de todos os grupos de bateria da ilha de S. Vicente, tocando timbal, surdo, caixa, repinique, tamborim, entre outros e mais 5 elementos na parte harmónica, nomeadamente vocalista, guitarra, piano, baixo e cavaquinho. Dependendo da ocasião e do estilo de apresentação que formos fazer, por vezes reforçamo-nos, acrescentando metais e sopros, com saxofonistas, trompetistas, etc. Até violinos já tivemos. Enfim, tudo aquilo que a música pedir, nós damos.

Vocês esperavam fazer tanto sucesso em tão pouco tempo? Como lidam com isso? 

Temos trabalhado muito ao longo do ano e felizmente temos sido capazes de apresentar um alinhamento musical de Excelência, com um elevado padrão de qualidade, que vem animando o público e correspondendo ao seu nível de exigência, que vai sendo cada vez mais alto. Não podemos falar de sucesso ainda, mas sim de reconhecimento.

Quais são as vossas influências / referências mu­sicais? 

Somos bastante ecléticos em termos musicais. No que diz respeito ao Carnaval, admiramos vários músicos/compositores onde podemos destacar o Vlú, Constantino, Midjoy, Jotacê, Anísio Rodrigues, Vady Dias, entre outros. Influências temos do Axé, pagode, samba reggae etc., para além dos ritmos nacionais. Tocamos um pouco de tudo, mas sempre com um estilo e uma personalidade muito próprios. Tudo com a cara de SAMBA GROOVE. 

Pegando ainda nesse estilo próprio, O SAMBA GROOVE tem realmente uma sonoridade muito original, no fundo uma identidade musical marcante, apesar de pouco tempo de estrada. Falem um pouco mais da vossa proposta musical e da forma como conseguem casar um lado percussivo e rítmico muito forte com a parte harmónica, o que acaba por fazer de vocês muito mais do que uma simples bando de percussão, mas sim um conjunto musical muito completo. 

Reparámos que somente durante a época de carnaval, principalmente durante os desfiles, é que existe uma junção destas duas partes, ou seja só nessa, por força dos desfiles é que se assiste à harmonia e ritmo típicos do nosso Carnaval, tocados em conjunto. Nas festas de carnaval por exemplo, observamos a atuação somente da parte harmónica e para divulgar o nosso carnaval aos turistas por exemplo, apenas a parte de pecurssão. Sentido que teríamos muito a ganhar se juntássemos os dois lados, o grupo ficaria muito mais rico e completo, diferenciando-nos de alguma forma. 

O SAMBA GROOVE de certa forma nasceu do carnaval e afirma-se como querendo promover o carnaval durante o ano inteiro. O que reserva o futuro? Pensam em manter esta ligação ao carnaval, ou estão abertos em explorar outros “Caminhos musicais”? 

Desde a criação do grupo, temos feito uma aposta grande na versatilidade e inovação em relação aos outros estilos musicais aliados ao ritmo do carnaval. Estamos sempre abertos e dispostos a experimentar outros caminhos musicais, experimentando novas linhas melódicas, outros campos harmónicos e ritmicos. Tendo uma identidade musical própria, somos até certo ponto obrigados a criar coisas novas a todo o momento. Temos muitas ideias que vão sendo trabalhadas pelo grupo. Também outros projectos em estudo também, como por exemplo, o lançamento do nosso canal no Youtube e mais, muito mais. Fiquem atentos ao SAMBA GROOVE.

Como vêm a evolução da música de carnaval como um todo e da parte rítmica (percussão) em particular ao longo dos últimos anos? 

Nos últimos anos a música de carnaval tem evoluído de forma muito positiva, fruto sobretudo das apostas feitas em novas sonoridades, levada a cabo pelos produtores musicais (os compositores), muito por causa do alto grau de exigência lírica e rítmica que são submetidos. O grande prémio de “Melhor Música do Carnaval” São Vicentino, transformou-se num enorme desafio para todos os concorrentes. Consequentemente, vai-se tornando num desafio igualmente grande para os Maestros que, como sabe, têm em mãos a grande responsabilidade não só de garantir a qualidade de um projecto, que primeiramente é trabalhado em estúdio, como também de assegurar uma transição harmoniosa para a execução ao vivo, porque o arranjo da música e a sua adaptação à bateria, assim como a forma como é executada no desfile, influenciará na atribuição do prémio. É interessante ver o processo de transformação duma música ao longo do período do Carnaval, algo que passa despercebido aos menos atentos, mas que é determinante. Normalmente a música do carnaval é trabalhada no estúdio num formato mais convencional e com uma roupagem própria para o desfile. Porém há casos onde as coisas são um pouco diferentes. Às vezes são introduzidos outros instrumentos, que transformam completamente o ritmo, levando-nos para um outro campo, um estilo musical mais popular, que tende a levar a uma maior euforia por parte do público, embora nem sempre com a mesma qualidade técnica. No nosso ponto de vista, esta transformação causa uma grande confusão aos jurados, que à priori, deveriam saber distinguir o comercial do convencional, aspeto esse desconhecido pelos foliões.

Muitos projetos de percussão que apostam na formação de ritmistas, têm um cariz social? O SAMBA GROOVE aposta em algum projeto social? Como encaram o vosso papel em termos de formação dos jovens, não só a nível musical, como em termos de cidadania?

O grupo é formado por jovens que já têm seus empregos. Entretanto sempre que pos­sível, nós participamos em projetos sociais. A título de exemplo, podemos salientar a nossa participação no projeto “Mês para os Idosos”, onde estivemos envolvidos juntamente com Eskedinha, Grupo Pelanca, DEventos e Walt. No que respeita à formação musical dos jovens, é algo, até certo ponto, inevitável. Uma parte considerável dos ritmistas que integram as baterias dos Grupos de Carnaval, é composta por jovens, muitos deles adolescentes ainda, cu­jo primeiro contacto com o ritmo e percussão, acontece justamente quando chegam às baterias. É lá que aprendem tudo o que sabem e aprendem-no pela nossa mão. Procuramos partilhar com eles aquilo que fomos apredendo nós próprios ao longo dos anos e pelo meio, tentanos sempre incutir-lhes valores sociais e morais, como o sentido de responsabilidade, a dedicação, o perfeccionismo, o espirito de equipa, a disciplina e o respeito pelo outros. Tudo coisas que são essenciais a quem quer ser integrante dum grupo, que muitas vezes ultrapassa os cem membros, mas também são valores que podem e devem ser transpostos para a vida, para o dia-a-dia de cada, fazendo de nós todos melhores cidadãos. 

O vosso repertório é diversificado. Uma mistura feliz de ritmos e sonoridades brasileiras, latinas e sobretudo caboverdianas. Têm apostado sobretudo em grandes clássicos da música de carnaval, samba, MPB e música de Cabo Verde. Pensam em executar temas próprios? Já têm algo planeado?

Um dos projectos que sempre esteve em mente é a gravação de músicas inéditas. Motivação e vontade não nos faltam. Entretanto, devido a constantes solicitações e inúmeros convites para participarmos em shows, temos vindo a adiar as nossas produções. Com certeza uma pausa nos shows, poderia guiar-nos ao estúdio e ajudar-nos a concentrar mais e melhor no nosso projeto, colocando em prática a nossa criatividade e ideias inovadoras, trazendo desse modo novas sonoridades para o público em geral.

Para quando um CD? 

CD por enquanto não. Entretanto temos pensado em alguns vídeo clips, não só de músicas inéditas, como também as que temos vindo a apresentar.

Vocês são um grupo de gente muito jovem e naturalmente bem humorada. Gente divertida e com muita história para contar. Para finalizar, peço-vos que relembrem um episódio engraçado que vos tenha acontecido e que queiram partilhar? 

SAMBA GROOVE, mais do que um grupo musical, é uma família, uma família musical e sempre que estamos juntos, partilhamos inevitavelmente muitos momentos engraça­dos. Realmente é muita história para contar. Uma vez convidaram-nos para participar num jogo de futebol e chegámos à conclusão que grande parte dos elementos não tinha muito jeito para a bola, de modo que fomos obrigados e reforçar-nos e acabámos por convidar alguns amigos para fazerem parte do nosso time. Mas para nos mantermos “fiéis à nossa essência”, chamámos o Paulo J. S. Neves, conhecido em São Vicente como Tacha, que é um renomado técnico de som, portanto um homem ligado à música e nossa querida Cely Freitas, cuja ligação ao Carnaval é sobejamente conhecida. Diga-se de passagem que a Cely é uma excelente jogadora de futebol. Portanto, mesmo nos reforços procurámos manter-nos no universo da música e do Carnaval. Quanto ao jogo em si, o mais que podemos dizer é que foi muito divertido.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 935 de 30 de Outubro de 2019. 

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Autoria:Expresso das Ilhas,3 nov 2019 9:31

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  21 jul 2020 23:21

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