A “Democracia” Nacional Revolucionária, de José Tomaz Veiga

PorAntónio Monteiro,20 mar 2021 9:30

A “Democracia” Nacional Revolucionária – o projecto totalitário do PAIGC/PAICV, Cabo Verde 1975-1990”, cujo propósito do autor é contribuir para uma melhor compreensão dos 15 anos de partido único em Cabo Verde e ajudar “a dissipar a espessa neblina” que foi lançada sobre a realidade vivida nesse período, será apresentado no dia 23, terça-feira, na Biblioteca Nacional.

A ideia de escrever o livro já andava na cabeça do autor há muito tempo, mas o projecto foi sendo adiado até que há coisa de dois anos, depois de ter lido a descrição da história recente de Cabo Verde, no Manual de História e Geografia de Cabo Verde do 6º ano de escolaridade, José Tomaz Veiga, aproveitando-se da solidão do confinamento, resolveu meter mãos à obra.

“Pareceu-me uma autêntica adulteração da história recente do país, incluindo mensagens deturpadas, para não dizer falsas (exemplo: na página 40, afirma-se que a luta armada na Guiné durou duas décadas), que o meu neto, e outros jovens como ele, tiveram de assimilar. O relato apresentado é, pura e simplesmente, a versão do partido que detinha o monopólio do poder político nos anos 1975-1990, o PAIGC/CV, transcrita para um manual escolar, dirigido a pré-adolescentes”, escreve o autor no prólogo à obra.

O livro está divido em três partes. Na primeira parte, prólogo e introdução, o autor expõe os propósitos do livro cujo objectivo foi demonstrar, utilizando declarações e documentos oficiais do regime da época, “a lógica de concretização de um modelo de exercício do poder, em que o monopólio da actividade política legítima foi outorgado a um único partido, com exclusão de quaisquer outros, em que a ideologia desse partido se transformou em ideologia oficial do Estado, e as implicação que essa opção teve na forma de governar o país”.

A segunda parte, “O Projecto totalitário do PAIGC/CV”, responde à questão se o regime que vigorou em Cabo Verde de 1975 até 1990 foi ou não um regime totalitário.

Em vários capítulos e subcapítulos, “O partido único e o Estado de Cabo Verde”, “A pretensa abertura política de 1988 e a reafirmação da função dirigente do PAIGC/CV”, “Argumentos utilizados pelos dirigentes políticos do PAIGC para justificar o regime de partido único”, “A dissidência e a crise de 1979” o autor examina as características e outros elementos que incorporaram o fenómeno totalitário em Cabo Verde.

Na terceira parte, “A implementação do regime totalitário do PAIGC/CV”, José Tomaz Veiga exemplifica a forma como o regime totalitário foi progressivamente implementado em Cabo Verde recorrendo-se também aqui a afirmações e documentos oficiais do regime da época.

A Lei do Boato

Como exemplo paradigmático para ilustrar a sua tese da implementação de um regime totalitário em Cabo Verde, o autor cita a Lei do Boato, uma das primeiras medidas políticas adoptadas pelo novo regime, pouco depois da independência, que estabelecia com clareza os limites toleráveis para a crítica relativamente ao governo e ao partido dirigente.

“O regime achou por bem instituir essa lei que era uma lei pura e simplesmente repressiva. Expressava, do meu ponto de vista, e na prática, a negação à livre expressão do pensamento. Não se podia falar mal do regime, nem dos dirigentes. O que nós dizemos aqui hoje em dia, se fosse nessa altura, as pessoas iriam parar à cadeia. De resto, alguns chegaram mesmo ir parar à cadeia. A ideia era dizer às pessoas ‘espere aí que há um limite para críticas. O limite é este: não se pode falar contra o regime, não se pode falar contra o partido, nem contra os dirigentes quanto mais fazer outras coisas, por exemplo, criar outros paridos’. Eu acho que foi um momento-chave e que ilustra perfeitamente toda a lógica política do PAIGC nessa altura”, afirma o autor, comentando que o preâmbulo e o texto do diploma revelam de forma embrionária algumas das facetas do pensamento único e totalitário, que depois foram aprofundadas e desenvolvidas pelo regime ao longo dos 15 anos de partido único.

Numa nota pessoal, o autor escreve que foi militante do PAIGC de 1970 a 1979, Secretário de Estado das Finanças de Janeiro de 1977 até Fevereiro de 1979, no mesmo mês em que, por incitativa própria, abandonou as fileiras do PAIGC, por ter deixado de se identificar com esse partido.

José Tomaz Veiga revela que passou por tempos difíceis depois te ter virado as costas ao PAIGC, mas comenta que esse período não deixou quaisquer marcas na sua pessoa. “Ficou apenas o amargo de boca de ter também contribuído, de alguma forma, para implementação do regime totalitário em Cabo Verde…Assumo o meu passado político por inteiro”.

José Tomaz Wahnon de Carvalho Veiga nasceu na Cidade da Praia, em 1951. Licenciou-se em Gestão de Empresas pelo então Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa e tem um mestrado em Administração de Negócios pela Universidade Politécnica de Madrid.

Foi Secretário de Estado das Finanças (1977-79), Ministro das Finanças e Plano (1991-93), Ministro da Coordenação Económica (1994) e Ministro dos Negócios Estrangeiros (1995].

A “Democracia” Nacional Revolucionária – o projecto totalitário do PAIGC/PAICV, Cabo Verde 1975-1990”, editado pela livraria Pedro Cardoso, será lançado na Praia, na próxima terça-feira, 23 de Março, na Biblioteca Nacional, com a apresentação a cargo de Mário Silva. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1007 de 17 de Março de 2021. 

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Autoria:António Monteiro,20 mar 2021 9:30

Editado porSara Almeida  em  20 dez 2021 23:20

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