Pé ante pé, foi chegando com a calma necessária, e em cada sigle ia ganhando mais admiradores que se rendiam ao todo de Marta.
Sim, Mário Marta é um todo. É homogéneo na mistura das parcelas que constroem por um lado o músico e “frontman” e, por outro, a parte da música – como se posiciona no que interpreta, encontrando assim as doses certas entre ele e o que interpreta. Faz-nos parecer que o tema que interpreta foi feito apenas e só para ele, para que assim a intensidade na partilha com os ouvintes seja a mais delicada e intensa.
Voz. Sempre foi um dos pontos fortes de Marta. É de marcada potência, contudo suficientemente doce o que a torna diferente. Por outro lado, é impressionante a maleabilidade como consegue passear de forma tão natural pelos diferentes ritmos cabo-verdianos … mesmo nos que vão buscar maior maquinaria das novas tendências que tocam de raspão no eletrónico. Tudo é fluente e se mais ritmos houvesse, mais Mários haveriam, pois assim foi traçado.
É, é sim “Morna Vanguarda”
Nos crioulos e ritmos de cada ilha, passeia por entre as suas nuances da mesma maneira, fazendo lembrar a palavra Cabo Verde.
Canta com tamanha capacidade de expressão-natural que depois de o vermos consegue criar em nós a capacidade imagética: ao ouvi-lo também o vemos. Aí chega então a parte do frontman, do Mário-palco que por gestos que não pensou nem ensaiou, acabam por ser o que o público quer ver. Com as cores de um atrevido-sério pinta-se e dá o que tem, pois assim o é. Como disse acima: assim foi traçado.
“Ser de Luz” – que se podia aplicar ao artista, é na verdade o nome do disco lançado – um disco que foi estruturado no período do confinamento onde certamente Marta terá tido, assim como tantos outros músicos que tiveram um abrandar do tempo, luminosidade acrescida para este momento de luz. Começa pela belíssima capa e avisa que a cor predominante do que se ouvirá no repertório. Não será na verdade o versátil laranja da capa que conforme o(s) ritmo(s) se vai intensificando ou adoçando, porém de forma sempre envolvente? Sim, este disco tem cor e o laranja é tão completo…
Musicalmente muito rica as misturas de instrumentos e sonoridades outras (até o som das baleias) levam-nos ao aroma da novidade, entendendo-se aqui a palavra no seu sentido de trazer quase que inovação ao que vem saindo nos últimos anos. Precisamos sempre de novidades – as tais que não se restringem ao calendário. A produção, mistura Kim Alves e a (re)frescura e ideias de Djodje, Gerson Marta e o próprio Mário Marta que não se quis estar sempre a ver o que fazia nascer.
Sublinhar o trabalho de sopros do naipe de Gloria Stephan e uma vez mais – a base de um tradicional que não se intimidou em se ter soltado e trazer para ele pequenos pormenores e pedacinhos sonoros que fizeram a real diferença.
Finalmente sublinhar a sensação de grupo, que o disco (provavelmente reflexo da label Broda Music) transpira. Pelo pouco que falei com Mário Marta, confirmei a união de base deste álbum. Na verdade, será possível levar um projeto artístico em frente sem união pura para um comercial comum? Acho que não.
É disco para ouvir, e depois ouvir cada um dos temas e depois ir ouvindo e ter sempre à mão. É claramente um disco-ser luz e que o laranja continue a pintar os palcos que hão-de vir para fazer as delícias de quem comece ou continue a viajar com Mário Marta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1077 de