Por tais instrumentos se enamoram e através deles partilham e expressam a sua arte…o seu pensar e pensares musicais.
Esta categoria musical sempre me acompanhou. Nela podemos navegar na musica “pura”, por ela viajar e de certo modo acabam por construir as bandas sonoras da vida que cantamos…
Lembro-me claramente da minha primeira paixão – o violão do mestre Humbertona. Primeiro – enquanto criança – soava-me sempre a algo alegre, a algo muito meu por identificação. Mais tarde, o perceber da mestria da percussividade, dos bordões e da maneira especifica e única do tocar do mestre. Também acompanhou-me nas minhas audições quando estava fora de Cabo Verde, fazendo-me estar perto do som das ilhas, e agora que vivo em Cabo Verde acompanha-me … também fazendo-me estar perto dos sons da ilhas. Certamente continuara assim enquanto houver ilhas e música.
De violão para violão fui arrebatado mais tarde pela beleza da música de Luis Rendall. Fazia-me e faz-me mexer por dentro, de forma suave, leve e descomprometida. Faz sorrir e viajar por sonoridades outras de um Cabo Verde que abraça outros ritmos.
Continuando nas cordas, lembrome claramente de dois discos que levei na mala quando fui estudar – os “inovadores” e surpreendentes Mindel Band que me despertaram para outros lugares da música instrumental de Cabo Verde, o incontornável Bau que tanto ouvi, ouço e continuarei a ouvir.
A paixão por Vasco Martins chega depois. Lembro-me que a porta de entrada foi o disco “Vivencias ao Sol” de Vasco e Voginha – cujo vinil guardo religiosamente ( ao lado do LP de Luis Rendall).
Passando para o piano, Chico Serra foi o músico que o meu pai ouvia sempre. É grande, e fez com que a música de Cabo Verde tocada ao piano entrasse por mim e fizesse com que buscasse mais, ate encontrar a incontornável D. Tututa. Impressionou-me a maneira como toca, mas não menos ter-me-a marcado a mulher que liderou a música instrumental feminina de Cabo Verde e a paixão e o respeito com que todos os pianistas, e não só , dela falam.
Outra profunda paixão foi a descoberta do álbum “Feiticeira di cor morena” de Travadinha. Beleza musical feita de alma e mais uma vez – viagens mil.
Continuando com a magia do que a música instrumental promove em nós – arrisco-me a dizer que desde sempre, não há final de ano completo sem ouvir o “Boas Festas” de Luis Morais. Não imagino a música de Cabo Verde sem este disco.
Foram discos que não mais soube estar sem eles. Contudo, permitam-me dizer que os instrumentistas passaram demasiado tempo na sombra das vozes. Foram demasiadamente “acompanhantes” e menos solistas. Fica para reflexão…
Assim, pelo que acabo de me referir, é com enorme regozijo que vejo chegar, como que em (re)volta merecida, álbuns de instrumentistas no ultimo ano. Enalteço dois que me levaram aos sonhos de outrora, as viagens que a música propõe, e ao admirar de cordas e teclas: o “Trovador num Serenata” de Sérgio Figueira que há muito vinha deixando os indícios e a sua abordagem tradicional e académica da sua música e ainda o precioso “Piano Solo” do maestro e pianista Carlos Matos.
Piano Solo é grande. À abordagem da música cabo-verdiana misturase as composições do autor. Porém, somos claramente surpreendidos por um magnífico repertório onde as abordagens de risco são marcantes.
Code di Dona e o tema “Febri Di Funaná” passam da gaita e ferrinho para as teclas do maestro de forma estudada - porem livre e tão Santiago! É o Funaná a brilhar num formato que creio ainda não fora gravado. Mas se em Matos… Santiago esteve presente, também outras ilhas se dispuseram a se mostrar presentes e deixar que Matos as abraçasse. “Grito de bo Fidje” de Boy G Mendes é exemplo puro. Na minha opinião, o piano e a intensidade de Matos acentuaram claramente o “grito” que G criou. Para além das músicas da autoria própria ( realce para “Montana”, dedicada á filha, e a beleza do tema “Brilho da Noite” – a elevar o tributo que Carlos Matos fez aos que chama de “mestres” como Luis Rendall e D. Tututa.
Assim, deixo como proposta este Piano Solo, que feito em época da pandemia, Matos viu no confinamento motivo para reflexão e a conclusão de que o passado ensina-nos o hoje e projeta-nos no amanhã, num instrumental e formato de excelência.
Texto publicado originalmente na edição nº1093 do Expresso das Ilhas de 09 de Novembro