“A ligação dos movimentos literários às correntes filosóficas” foi o título e o propósito da palestra com os alunos de filosofia e literatura da Universidade, conta Ondina Ferreira.
O ponto de partida foi o neoplatonismo, e daí empreendeu-se uma viagem “por várias correntes, conforme as escolas literárias” até ao existencialismo Sartre. “Portanto, as escolas vão desde a época trovadoresca, ao renascimento e classicismo, época barroca, romantismo, realismo e neo-realismo”, lista, em conversa com o Expresso das Ilhas, no âmbito da actividade.
Nesta relação, entretanto, há algo que se destaca e que Ondina Ferreira aponta: apesar da constante ligação entre literatura e teoria filosófica, esta é “uma relação unívoca”, com a primeira a adaptar os seus escritos, seguindo a corrente filosófica em voga, a cada momento histórico. “Quem segue é a literatura.”
Neo-realismo em Cabo Verde
A palestra “A ligação dos movimentos literários às correntes filosóficas” surge integrada na Semana de África, mas, como refere Ondina Ferreira, “este não é propriamente um tema” centrado na tónica do evento.
Fez-se, porém, uma paragem, nesta viagem, em Cabo Verde, país que recebeu influência sobretudo de movimentos europeus e brasileiros.
“As nossas correntes literárias começaram mais tarde. Quando temos o grande movimento - como movimento homogéneo e doutrinário - , que é o movimento Claridade, [os claridosos] bebem do realismo, do neorealismo e do modernismo brasileiro de 1922 (Escola de São Paulo). Portanto, já apanham tudo em marcha”, observa. O mesmo acontece com a geração da (revista) “Certeza”.
Entretanto, o movimento que mais se destaca no país é, na sua opinião, “o neo-realismo, sem dúvida”.
Quanto a movimentos “africanos” como a Negritude (criado por escritores negros de países que foram colonizados pela França), a filóloga considera que “não tem grande expressão no grande texto poético cabo-verdiano”.
“Nós poderemos encontrar ecos aqui e além. Aguinaldo Fonseca, Mário Fonseca, reflectem nos seus textos ecos e linhas de Negritude”, mas pouco ou nada se encontra desse conhecido movimento no panorama literário nacional.
Ondina Ferreira, escritora, ex-ministra, ex-directora executiva do ILLP, mas acima tudo professora, deu aulas no antigo Instituto Superior de Educação e, mais tarde, em 2006, ano em que se reformou, na Uni-CV. Esta conversa aberta foi, de certa forma, um regresso de visita a “casa”, agora num novo Campus.
Semana de África
A palestra “A ligação dos movimentos literários às correntes filosóficas” foi uma das actividades integradas, como referido, na Semana de África, que decorreu de 22 a 26 de Maio, na Uni-CV.
O evento, organizado pela Faculdade de Ciências Sociais, Humanas e Artes (FCSHA), contou com diversas actividades, nas quais participaram conferencistas e oradores nacionais e estrangeiros.
Pretendeu-se, como explica o presidente da faculdade, Daniel Medina, mais do que discutir “África de uma forma isolada, fazer uma interconexão” entre o continente e mundo.
A Semana arrancou com um Simpósio sobre jornalismo e multimédia, intitulado “As novas Tendências na Comunicação”, que reuniu estudantes, docentes e profissionais da área. Aí, foram discutidos os desafios e oportunidades sobre as novas tecnologias no jornalismo ao nível mundial, local e também regional.
Vivemos num mundo de novas tecnologias onde África terá também de estar incluída, observa Daniel Medina. Daí a pertinência e importância de um tema como este, num momento de celebração do dia de África.
Ainda na área do jornalismo, desta vez focada no continente, realizou-se no dia 23 a conferência “Jornalismo e Desenvolvimento em África”.
Outras actividades realizadas no âmbito desta Semana de África foram, entre outros as conferencias> “O papel da Mulher no Desenvolvimento das Sociedades Africanas”, “A integração regional” e “Lideranças e modelos de desenvolvimento para África”.
Filosofia e literatura marcaram, pois, o último dia do evento, estabelecendo essa ligação entre ambas. E embora a abordagem não tenha tido com o foco nas correntes e movimentos africanos, Daniel Medina destaca a importância de incluir o continente na pertença do conhecimento e estudos do mundo.
“Pensamos fazer uma interconexão entre tudo”, reitera. “África e o mundo, porque África não vive sem o mundo, nem o mundo sem África”.
A Semana de África, recorda, é um evento académico. “Terminamos com a filosofia porque temos de estar integrados academicamente”, sem ideias enviesadas por ideologias, preconcebidas ou fechadas.
“Nas ciências sociais, a única certeza absoluta é que não há certezas absolutas”, enfatiza.
Fizeram também parte da organização desta semana organizada pela FCSHA, a CEDEAO e a Embaixada de Angola, país que aliás esteve em destaque neste evento, com actividades que incluíram uma amostra de culinária angolana e uma conferência proferida por José Octávio Serra Van-Dúnem sobre a “Celebração dos 20 anos de Paz e Reconciliação Nacional” de Angola.